2ª VRP|SP: Confirmação de ato notarial para ingresso no Registro Imobiliário – Constituição Federal veda recusar fé aos documentos públicos – Não prevalece a obrigatoriedade da providência oriunda de outro Estado, que não conta com eficácia plena relativamente aos notários paulistas.

Processo nº: Processo 100.09.137412-1 – Pedido de Providências

Requerente: 26º Tabelionato de Notas da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Márcio Martins Bonilha Filho

Trata-se de procedimento instaurado por iniciativa do 26º Tabelionato de Notas da Capital, Paulo Roberto Gaiger Ferreira, que relata a ocorrência de solicitações feitas por Oficiais Registradores do Estado do Rio de Janeiro, como se vê a fls. 11/15, a propósito de confirmação de prática de atos notariais escriturados, por exigência de determinação da respectiva Corregedoria Geral da Justiça, com fundamento nos artigos 458 e 476, parágrafo 1º, das Normas de Serviço vigentes naquele Estado.

Considera o suscitante que a reclamada confirmação, além de não constar como obrigação legal ou normativa, seria extravagante, porque desprestigia a segurança alcançada pelos Tabeliães de São Paulo, que expedem traslados dos atos praticados em papel repletos de itens de segurança, de acordo com a aprovação e a homologação da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e, por outro lado, atentaria contra o artigo 19, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, recusar fé aos documentos públicos.

E esclarece que tem enviado resposta, em que se contém indagação, não atendida até o momento, consoante os textos de fls. 16 e 19/28, submetendo a questão ao exame desta Corregedoria Permanente, e aguardando a orientação necessária, com a eventual normatização da matéria.

Na manifestação de fls. 30/33, o Colégio Notarial do Brasil, Seção de São Paulo, sustenta que os notários paulistas não estão sujeitos compulsoriamente às solicitações mencionadas, que se revestem de questionamento apriorístico sobre a fé pública dos documentos expedidos pelos Tabeliães do país, e a confirmação pretendida, pela desconfiança em relação à autenticidade de selo ou sinal, poderia ser admitida, mas não a regra impositiva de caráter geral, tanto mais em face das cautelas observadas na expedição dos documentos, cujos papéis são seriados, padronizados e protegidos por inúmeros itens de segurança. Acrescenta, ainda, que o comando normativo impugnado teria eficácia plena, tão somente, no Estado do Rio de Janeiro, em relação aos seus delegados extrajudiciais, sob pena de vulneração do princípio normativo.

Observa, por último, que, para assegurar a validade de escrituras oriundas de outros Estados, poder-se-ia, a exemplo do rito do item 9, do Capitulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, exigir o reconhecimento por Tabelião local da assinatura do notário ou escrevente substituto que firmaram os traslados e certidões.

Veio aos autos a informação de que a impugnação à repercussão nacional no procedimento previsto nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 476 da Consolidação Normativa da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro está suspensa, por deliberação do Conselho Nacional de Justiça, aguardando-se as conclusões deste Juízo e da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo sobre o tema.

A nobre Promotoria de Justiça, no parecer de fls. 38/39, opinou pela não obrigatoriedade de atendimento da impugnada solicitação, com a ressalva de que havendo suspeita de fraude documental, não se afasta a possibilidade de consulta, como cotidianamente ocorre.

É o relatório. DECIDO.

A disciplina normativa da atividade registrária e notarial, no âmbito extrajudicial, como é sabido, é reservada à competência do órgão judiciário de cada Estado, ou do Distrito Federal.

Bem por isso, a imposição normativa que extravase da competência territorial, especialmente, em tema de responsabilidade disciplinar, não será invocável, fora da esfera de atuação judicial respectiva, como sucede na hipótese versada nos autos, à vista do artigo 476, parágrafo 3º, da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral do Estado do Rio de Janeiro.

Por outro lado, ante o comando emergente do artigo 19, inciso II, da Constituição Federal, que veda à União, Estados, Distrito Federal e municípios recusar fé aos documentos públicos, há que se reconhecer, conforme bem assinalou o judicioso parecer da digna representante do Ministério Público (fls. 38/39), que a obrigatoriedade imposta parte de pressuposto inaceitável de que todo o traslado e certidão não são autênticos até prova em contrário.

No particular, o procedimento questionado corresponderia à exigência de se confirmar a posteriori os atos notariais e registrários escriturados, colocando, em dúvida, desde logo, de forma genérica, a autenticidade dos documentos expedidos pelos Tabeliães paulistas, o que não se concebe.

Evidentemente, isso não significa que, em caso particular de suspeita de fraude, não se possa formular pedido de esclarecimento complementar que, certamente, deverá ser objeto de pronto atendimento pelos notários de São Paulo, como, de resto, normalmente ocorre, nessas circunstâncias, precisamente, para garantir maior segurança ao serviço notarial.

Destarte, como a providência reclamada não figura na previsão legal, tampouco consta das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de nosso Estado, diante do princípio federativo em vigor, não há que se admitir a obrigatoriedade da conduta solicitada, em termos automáticos, salvo nas hipóteses de suspeita levantada de fraude documental, que legitima a formulação de consulta adequada. A propósito, convém lembrar, consoante bem acentuou o Colégio Notarial do Brasil, Seção de São Paulo, que as certidões e traslados emitidos pelos Tabeliães de São Paulo são expedidos em papel seriado, padronizado e protegido por inúmeros itens de segurança, que dificultam as tentativas de falsidade documental, cujo sistema foi aprovado e homologado pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e que conta com respaldo de meio de comunicação específica, em casos de extravio, furto ou roubo, facilmente acessível a qualquer consulente.

A exigência de reconhecimento da assinatura do Tabelião, signatários dos documentos (traslados e escrituras), por notário local, como providência cautelar, para evitar a prática de fraudes, constitui medida aconselhável, a teor da previsão do item 9, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, não se admitindo, nesse quadro, a compulsoriedade da consulta, que somente se justifica em hipótese de suspeita de fraude ou falsidade.

Por conseguinte, não descartada a possibilidade de consulta confirmatória entre os delegados de notas e registro, em casos de desconfiança em relação à assinatura, selo ou sinal, diante da possibilidade de fraude documental, firma-se o entendimento desta Corregedoria Permanente, no sentido de que não prevalece a obrigatoriedade da providência, como regra geral, de respeito absoluto, em decorrência de comando normativo oriundo de outro Estado da Federação, que, no âmbito territorial de nosso Estado, não conta com eficácia plena, relativamente aos delegados extrajudiciais paulistas.

Considerando a relevância da matéria e a necessidade de fixação de diretriz uniforme, que não fique circunscrita à Comarca da Capital, há que se submeter a questão ao competente exame pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, tanto mais em face da notícia de que estaria suspenso o procedimento previsto, em razão de impugnação formulada perante o CNJ (fls. 11).

Oficie-se, portanto, à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo para conhecimento e consideração que possa merecer, instruindo o expediente com cópia integral destes autos.

Ciência ao Colégio Notarial/SP.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de agosto de 2009.

(D.J.E. de 17.08.2009)