CSM|SP: Registro de Imóveis – Arrematação – Direitos do executado sobre o imóvel penhorado – Atos expropriatórios não atingiram o direito real de propriedade – Título judicial desprovido de aptidão para o ato registral pleiteado – Juízo negativo de qualificação – Ratificação – Dúvida procedente – Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO Nº 0038265-20.2012.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante ANGELISSIA VARGAS ALVES, e apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, V.U.“, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, ALVES BEVILACQUA, SAMUEL JÚNIOR, SILVEIRA PAULILO E TRISTÃO RIBEIRO.
São Paulo, 9 de maio de 2013.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível n.° 0038265-20.2012.8.26.0562
Apelante: Angelissia Vargas Alves
Apelado: 2.º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos
VOTO N° 21.263
REGISTRO DE IMÓVEIS – Arrematação – Direitos do executado sobre o imóvel penhorado – Atos expropriatórios não atingiram o direito real de propriedade – Título judicial desprovido de aptidão para o ato registral pleiteado – Juízo negativo de qualificação – Ratificação – Dúvida procedente – Recurso desprovido.
A interessada, inconformada com o julgamento procedente da dúvida inversa suscitada (fls. 211/214), interpôs recurso de apelação, com a finalidade de obter reforma da sentença, porque, argumenta, a arrematação é modo originário de aquisição da propriedade, a justificar, assim, o ingresso do título judicial no fólio real (fls. 222/228).
O Oficial, ao manifestar-se, sustentou o acerto da desqualificação registral, escorado no objeto da penhora e da arrematação e, particularmente, nos princípios registrais da continuidade, da legalidade e da especialidade subjetiva (fls. 168/176).
Com o recebimento do recurso no duplo efeito (fls. 229), e enviados os autos ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 234/235), abriu-se vista à Procuradoria Geral da Justiça, que propôs o desprovimento da apelação (fls. 258).
É o relatório.
A interessada, ao revelar o seu inconformismo em relação à desqualificação do título judicial apresentado para registro, suscitou dúvida inversa, criação pretoriana admitida por este Conselho Superior da Magistratura [1]: de fato, ao invés de requerer a suscitação ao Oficial, dirigiu a sua irresignação diretamente ao MM Juiz Corregedor Permanente (fls. 02/03).
Quanto ao título apresentado para registro, a sua origem judicial não dispensa a qualificação: a prévia conferência destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral é imprescindível, inclusive nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça [2].
Nada obstante a compreensão vigente neste órgão colegiado, de acordo com a qual a arrematação é modo originário de aquisição da propriedade [3], a reforma da sentença – que, ao confirmar a desqualificação do título judicial, julgou a dúvida inversa procedente – , é, para os fins visados pela interessada, descabida.
Com efeito, o direito de propriedade sobre o bem imóvel descrito na matrícula n.° 22.653 do 2.° Registro de Imóveis de Santos não foi objeto da penhora, tampouco da arrematação. De fato, os atos expropriatórios recaíram, não sobre o bem imóvel, mas nos direitos sobre a coisa pertencente ao executado Wasti Vieira dos Santos (fls. 36, 68, 119 e 151), expressos no recibo de sinal de negócio exibido nos autos (fls. 21).
Destarte, o título judicial é desprovido de aptidão para justificar o ato registral pretendido pela interessada. Aliás, certamente porque o executado não era, como não é, o proprietário da coisa, a penhora e, depois, a arrematação incidiram sobre os direitos do executado.
Enfim, a atuação do Oficial de registro se revelou acertada, legítima, uma vez considerada a amplitude da qualificação registral, “juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração.” [4]
A qualificação registral, iluminada pelo princípio da legalidade, não se restringe aos aspectos extrínsecos; abarca os intrínsecos, o conteúdo do título. A integralidade é um de seus traços. A propósito, lembro o acurado escólio do Desembargador Ricardo Dip:
No Brasil, a qualificação registral dos títulos exibidos diz respeito não apenas a seu aspecto exterior (título em sentido formal), mas igualmente à causa de aquisição ou de oneração (título em sentido material)…
Tampouco se restringe o juízo qualificador ao título ordinário (ou principal), estendendo-se aos acessórios (ou complementares)…, nem se limita, sob o color da origem pública dos títulos, a apreciar os instrumentos privados.[5]
Pelo exposto, nego provimento à apelação.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Apelação Cível n.° 23.623-0/1, relator Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, julgada em 20.02.1995; Apelação Cível n.° 76.030-0/8, relator Desembargador Luís de Macedo, julgada em 08.03.2001; e Apelação Cível n.° 990.10.261.081-0, relator Desembargador Munhoz Soares, julgada em 14.09.2010.
[2] Neste sentido, assinalo: Apelação Cível n.°39.487-0/1, relator Corregedor Geral da Justiça Márcio Martins Bonilha, julgada em 31.07.1997; e Apelação Cível n° 404-6/6, relator Corregedor Geral da Justiça José Mário Antônio Cardinale, julgada em 08.09.2005.
[3] O Conselho Superior da Magistratura, ao julgar, em 10 de maio de 2012, a Apelação Cível n.° 0007969-54.2010.8.26.0604, da qual fui relator, reviu a sua posição sobre a natureza jurídica da aquisição de imóvel mediante arrematação judicial. Ao afirmar a inexistência de relação jurídica entre o adquirente e o anterior titular do direito real, a irrelevância da ausência de nexo causal entre o passado e a situação jurídica atual e a inocorrência de transmissão voluntária do direito de propriedade, admitiu que a arrematação é modo originário de aquisição do direito real de propriedade. Ou seja, com a arrematação, a propriedade adquirida se liberta dos vínculos anteriores, dos títulos dominiais pretéritos – dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação –, tornando prescindível a observação do princípio da continuidade: assim, inclusive, entendeu o Conselho Superior da Magistratura, em 20 de seternbro de 2012, na Apelação Cível n° 0018138-36.2011.8.26.0032, sob minha relatoria.
[4] Ricardo Henry Marques Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário. n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 40.
[5] Ibidem, p. 54. (D.J.E. de 26.06.2013 – SP)