CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de venda e compra – Aquisição de bens imóveis para ampliação das vagas de estacionamento – Negócio jurídico relacionado com atividade-fim do Condomínio – Aprovação pela unanimidade dos condôminos presentes em assembleia – Proveito dos condôminos evidenciado – Risco de sanção administrativa – Inconveniente prático da exigência relativa ao consentimento de todos os condôminos – Instrumentalidade registral – Ausência de personalidade jurídica não é óbice, in concreto, ao registro – Pertinência do assento pretendido – Dúvida improcedente – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0019910-77.2012.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante CONDOMÍNIO BAURU SHOPPING CENTER, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE BAURU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E DETERMINAR O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 18 de abril de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n.° 0019910-77.2012.8.26.0071

Apelante: Condomínio Bauru Shopping Center

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca da Bauru

VOTO N° 21.240

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra – Aquisição de bens imóveis para ampliação das vagas de estacionamento – Negócio jurídico relacionado com atividade-fim do Condomínio – Aprovação pela unanimidade dos condôminos presentes em assembleia – Proveito dos condôminos evidenciado – Risco de sanção administrativa – Inconveniente prático da exigência relativa ao consentimento de todos os condôminos – Instrumentalidade registral – Ausência de personalidade jurídica não é óbice, in concreto, ao registro – Pertinência do assento pretendido – Dúvida improcedente – Recurso provido.

O Oficial de Registro, provocado pelo interessado, suscitou dúvida onde reafirmou a nota devolutiva n.° 5.412 – ao insistir que o interessado não tem personalidade jurídica e apenas excepcionalmente, nas situações admitidas pela jurisprudência administrativa, pode comprar bens imóveis -, e salientou que erro pretérito, associado a um antigo registro de aquisição de imóvel por ele efetivada, não justifica o cometimento de outro (fls. 05/08).

Ao apresentar impugnação, o interessado reiterou a manifestação mediante a qual requereu suscitação de dúvida: enfim, enfatizou que a aquisição dos imóveis visam à ampliação das vagas de estacionamento; alegou a inviabilidade da formalização do negócio jurídico com a participação de todos os condôminos, que o aprovaram, conduto, em assembleia geral; e invocou lições doutrinárias, precedentes jurisprudenciais e enunciados das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (fls. 30/45, 67 e 75).

Depois da manifestação do Ministério Público pelo registro do título (fls. 69/74), a dúvida foi julgada procedente (fls. 77/81), motivo pelo qual o interessado, com reprodução de suas alegações passadas, interpôs apelação (fls. 88/110), recebida no duplo efeito (fls. 112). Enviados os autos ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 117/123), abriu-se vista à Procuradoria Geral da Justiça, que propôs o desprovimento do recurso (fls. 127/128).

É o relatório.

O interessado, ora apelante, após aprovação obtida por unanimidade em assembleia de condôminos (fls. 64), adquiriu, mediante escritura pública de venda e compra, os imóveis descritos nas matrículas n.° 104.226 e n.° 104.227 do 1° Registro de Imóveis de Bauru (fls. 25/26), com a finalidade de ampliar as vagas de estacionamento, exigida pela expansão de sua área construída e pela Prefeitura do Município de Bauru.

Porque o interessado, apelante, é desprovido de personalidade jurídica, o Oficial do 1° Registro de Imóveis de Bauru emitiu um juízo negativo de qualificação registral (fls. 79), realçando que as situações excepcionais autorizadoras de aquisição de imóvel pelo condomínio edilício não estão configuradas.

O condomínio não tem personalidade jurídica, de acordo com a legislação civil em vigor, a despeito do enunciado n.° 90 da I Jornada do Conselho da Justiça Federal, cujo texto, consolidado após alteração promovida pelo enunciado n.° 246 da III Jornada, estabelece, ao comentar o artigo 1.331 do CC/2002, que “deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício.”

A propósito, Caio Mário da Silva Pereira, ao tratar da natureza jurídica do condomínio edilício e prestigiar a asserção acima feita, rechaça, com veemência, a personalidade jurídica que muitos atribuem a esse fenômeno econômico e jurídico:

Problema que tem dividido juristas e tribunais é o que condiz com a caracterização da natureza jurídica deste condomínio sui generis. Não faltam escritores que o consideram como nova modalidade de pessoa jurídica, ora de cunho societário, ora como universalidade (Jair Lins, Leon Hennebier). Outros invocam institutos tradicionais para explicar a sua existência: direito superficiário (Domenico Simoncelli); servidão (Coviello, Ferrini, Demolombe, Planiol); não faltam os que o associam à enfiteuse (Gianturco, Duranton). A verdade é que é despiciendo mobilizar todos estes velhos conceitos para a caracterização do condomínio edilício. É ele um fenômeno econômico e jurídico moderno. Não se compraz com os institutos invocados para sua explicação, nem deles necessita. Especialmente deve ser lembrado que, se fosse uma pessoa, o condomínio, como tal, é que seria o sujeito de todas as relações jurídicas. Não é isso que se verifica. Os titulares dos direitos, quer sobre as unidades autônomas, quer sobre as partes e coisas comuns, são os condôminos e não uma inexistente ou fictícia pessoa jurídica. O condomínio dito edilício explica-se por si mesmo. É uma modalidade nova de condomínio, resultante da conjugação orgânica e indissolúvel da propriedade exclusiva e da co-propriedade. (grifei) [1]

O Superior Tribunal de Justiça não destoa: ao julgar o Recurso Especial n.° 1.256.912/AL, em 07.02.2012, relator Ministro Humberto Martins, deixou assinalado que o Código Civil de 2002 não atribuiu ao condomínio a forma de pessoa jurídica, malgrado com a oportuna ressalva dos precedentes que reconhecem “referida personalidade jurídica para fins tributários.” [2]

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo compartilha o mesmo entendimento: no entanto, ao descartar a personalidade jurídica, reconhece que o condomínio edilício tem aptidão para adquirir bens imóveis, vale dizer, para ser titular do direito real de propriedade, na hipótese versada no § 3° do artigo 63 da Lei n° 4.591/1964 [3] e nos casos envolvendo alienação judicial de unidades autônomas pertencentes a condôminos que deixaram de pagar as contribuições condominiais. [4]

A questão restou bem sintetizada no julgamento da Apelação Cível n.° 880-6/7, ocorrido em 07.10.2008, relator Desembargador Ruy Camilo:

…, este Conselho Superior da Magistratura já firmou entendimento no sentido de que o condomínio, diversamente do sustentado pelo Recorrente, não tem personalidade jurídica. Como consequência, não se tem admitido possa o condomínio adquirir propriedade imóvel. Trata-se, no tema, de regra geral, a qual, porém, comporta duas exceções, de interpretação estrita. A primeira delas está prevista no art. 63, § 3º, da Lei n. 4.591/1964, em que se afigura possível a aquisição de imóvel pelo condomínio diante da inadimplência do adquirente no pagamento do preço da construção. A segunda corresponde à hipótese de aquisição, em hasta pública, de unidade autônoma pelo condomínio, como forma de satisfazer o crédito decorrente do não pagamento, pelo condômino, das despesas condominiais, por força da aplicação analógica do disposto no referido art. 63, § 3º, da Lei n. 4.591/1964.

Nada obstante a situação enfrentada não se encaixe nas exceções mencionadas, convém suavizar ainda mais o rigor legal. Isto é, focada a instrumentalidade dos registros públicos e a atuação do condomínio edilício na vida negocial – participando de diversas operações econômicas como centro unitário de direitos e deveres -, impõe franquear-lhe a aquisição de imóveis em casos similares ao aqui examinado.

Em outras palavras: é razoável, também, permitir ao condomínio edilício a aquisição de bens imóveis direcionados à ampliação das vagas de estacionamento, voltados ao aumento da área de garagem, desde que autorizada pela unanimidade dos condôminos presentes em assembleia, revelada a pertinência da incorporação patrimonial, quando confrontada com atividade-fim do condomínio, e evidenciada a sua reversão em benefício de todos os condôminos.

A solução mais se justifica quando considerada a noticiada imposição estatal e, portanto, o risco de sanção administrativa decorrente do número insuficiente de vagas para estacionamento, bem como os inconvenientes práticos que certamente adviriam da necessidade de obter o consentimento de todos os condôminos para formalização do negócio jurídico.

Em resumo: desautorizada, pela ordem jurídica, a irrestrita e incondicional atribuição de personalidade jurídica ao condomínio, contraindicada, também, em função da tutela do patrimônio dos condôminos minoritários [5], é de rigor, em contrapartida, dialogando com a realidade fática, combustível da vitalidade do direito, força viva [6] em perene atualização, temperar a proibição legal.

Pelo todo exposto, insubsistentes, in concreto, as exigências, então atreladas à falta de personalidade jurídica do condomínio edilício, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura pública de venda e compra (fls. 51/54).

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Instituições de Direito Civil: direitos reais. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 161. v. IV. Caio Mário da Silva Pereira aborda o tema de forma exaustiva, mais aprofundada, em seu clássico Condomínio e Incorporações (10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 75-96). João Batista Lopes expressa idêntica opinião doutrinária (Condomínio. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 49-56).

[2] Conferir: Recurso Especial n° 411.832/RS, relator Ministro Francisco Falcão, e Recurso Especial n° 1.064.455/SP, relator Ministro Castro Meira, julgados em 18.10.2005 e 19.08.2008, respectivamente.

[3] Artigo 63. É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento, por parte do adquirente ou contratante, de 3 prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicialmente, quer alteradas ou criadas posteriormente, quando for o caso, depois de prévia notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implique na rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou que, na falta de pagamento, pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de terreno e à parte construída adicionada, na forma abaixo estabelecida, se outra forma não fixar o contrato.

§ 1º. Se o débito não for liquidado no prazo de 10 dias, após solicitação da Comissão de Representantes, esta ficará, desde logo, de pleno direito, autorizada a efetuar, no prazo que fixar, em público leilão anunciado pela forma que o contrato previr, a venda, promessa de venda ou de cessão, ou a cessão da quota de terreno e correspondente parte construída e direitos, bem como a sub-rogação do contrato de construção.

(…).

§ 3º. No prazo de 24 horas após a realização do leilão final, o condomínio, por decisão unânime de Assembleia-Geral em condições de igualdade com terceiros, terá preferência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio.

(…). (grifei)

[4] Apelação Cível n° 273-6/7, Desembargador José Mário Antônio Cardinale, julgada em 13.01.2005; Apelação Cível n° 363-6/8, Desembargador José Mário Antônio Cardinale, julgada em 18.08.2005; Apelação Cível n° 880-6/7, Desembargador Ruy Camilo, julgada 07.10.2008; Apelação Cível n° 885-6/0, Desembargador Ruy Camilo, julgada 07.10.2008; Apelação Cível n° 1.184-6/8, Desembargador Luiz Tâmbara, julgada 13.10.2009.

[5] A título exemplificativo, para desaconselhar a admissão incondicional da personalidade jurídica do condomínio edilício, Francisco Loureiro, sem ignorar situações pontuais que a justificam, refere-se a situações inadmissíveis como a aquisição de imóvel de campo e o ingresso em empreendimento de risco estranho à finalidade do condomínio, então deliberado pela maioria, de modo, contudo, a colocar em risco o patrimônio de todos condôminos minoritários (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Ministro Cezar Peluso (coord.). 2.ª ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1298).

[6] “O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva.” (Rudolf von Ihering. A luta pelo direito: texto integral. Tradução de Mario de Meroe. São Paulo: Centauro, 2003. p. 21.) (D.J.E de 24.05.2013 – SP)