CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa julgada improcedente – Impugnação parcial das exigências formuladas pelo Oficial – Circunstância que torna prejudicado o julgamento da dúvida inversa e impede o conhecimento do recurso – Carta de adjudicação – Apresentação de CND do INSS e da Receita Federal – Autorizada a dispensa por configuração de sanção política – Nova orientação do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não conhecido, com observação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0013693-47.2012.8.26.0320, da Comarca de Limeira, em que são apelantes ISAURA DOS SANTOS OLIVEIRA LEITE e MANOEL MESSIAS PEREIRA LEITE e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE LIMEIRA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 18 de abril de 2013.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível n° 0013693-47.2012.8.26.0320
Apelantes: Manoel Messias Pereira Leite e Isaura dos Santos Oliveira Leite
Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelionato de Protestos da Comarca de Limeira
VOTO N° 21.244
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa julgada improcedente – Impugnação parcial das exigências formuladas pelo Oficial – Circunstância que torna prejudicado o julgamento da dúvida inversa e impede o conhecimento do recurso – Carta de adjudicação – Apresentação de CND do INSS e da Receita Federal – Autorizada a dispensa por configuração de sanção política – Nova orientação do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não conhecido, com observação.
Trata-se de apelação interposta por Manoel Messias Pereira Leite e sua mulher Isaura dos Santos Oliveira Leite em face da r. sentença de fls. 42/44, que julgou improcedente a dúvida inversa por eles suscitada diante da negativa de ingresso de título pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil da Pessoa Jurídica e Tabelionato de Protesto da Comarca de Limeira, mantendo a exigência de apresentação das Certidões Negativas de Débito do INSS e da Receita Federal para o registro, no imóvel objeto da matrícula n° 18.847, daquela Serventia de Imóveis, da carta de adjudicação expedida nos autos da ação de adjudicação compulsória.
Os apelantes alegaram que a empresa vendedora está com problemas fiscais e em situação irregular, motivo pelo qual não conseguem apresentar as certidões negativas exigidas pelo Oficial de Registro de Imóveis.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fls. 64/66).
É o relatório do essencial.
Afasto a arguição de nulidade trazida em preliminar na apelação interposta. Houve regular intimação dos recorrentes no processo administrativo e não há qualquer mácula à ampla defesa.
Todavia, não há como conhecer do recurso, por ter ficado a dúvida inversa prejudicada, em razão da impugnação parcial das exigências formuladas pelo Registrador.
O 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Limeira negou o registro da carta de adjudicação porque não apresentadas as Certidões Negativas de Débito (CND), do INSS e da Receita Federal, bem como certidões municipais, relativas à titular de domínio, a empresa Fernandes Indústria e Comércio de Jóias Ltda.
Observo que os apelantes demonstraram irresignação apenas contra a apresentação da CND, relativa a tributos federais e do INSS. A nota devolutiva indicou também a necessidade da juntada de certidão negativa expedida pela Prefeitura Municipal de Limeira, o que não foi contestado. Os recorrentes reconheceram, portanto, a necessidade de atendimento desta exigência, impugnando apenas a parte atinente aos tributos federais.
A concordância parcial com as exigências do Oficial prejudica a dúvida, que só admite duas soluções: a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissensão entre a apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou a manutenção da recusa do Oficial. Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não é preciso que todas as exigências – e não apenas parte delas – sejam reexaminadas pelo Corregedor Permanente. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior.
Ressalto que, se o recurso pudesse ser conhecido, seria caso de dar-lhe provimento.
Os recorrentes celebraram, em 17 de novembro de 2003, contrato de compromisso de compra e venda com a empresa Fernandes Indústria e Comércio de Jóias Ltda. (fls. 15/18), época em que referida empresa encontrava-se em situação regular. Depois de cumprir com sua obrigação de pagar integralmente o preço ajustado, tiveram frustrado pela vendedora seu legítimo direito à lavratura da escritura pública de compra e venda, título necessário para adquirir o domínio do imóvel na forma do art. 1.245, do Código Civil. Ajuizaram, por isso, ação de adjudicação compulsória, que foi julgada procedente, culminando com a expedição da carta de adjudicação (fl. 06/24), cujo registro foi recusado pelo Oficial de Registro de Imóveis, pela falta das certidões negativas de débito da empresa vendedora.
O E. Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, isto é, normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.
Nos autos das ADIs n°s 173-6 e 394-1, reconheceu a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e VI, e § § 1º a 3º, da Lei n° 7.711/88:
Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:
I – transferência de domicílio para o exterior;
(…)
III – registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;
IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:
a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;
b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;
c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.
§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.
§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.
§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.
Interessa, para o caso em exame, o inciso IV, alínea “b”, que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro na serventia de imóveis dos negócios jurídicos realizados.
O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.
Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.
No caso posto, para o registro do compromisso de venda e compra dos imóveis, está-se exigindo que os apelantes, promitentes compradores, apresentem as CNDs do INSS e dos tributos federais em nome da promitente vendedora.
Trata-se de exigência que nenhuma relação guarda com o ato registral perseguido, revelando-se verdadeira cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política) que, como visto, é reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
À vista de tais considerações é que a exigência de se apresentar as CNDs deve ser afastada.
Não se desconhece o entendimento vigente deste C. Conselho Superior da Magistratura:
A exigência das certidões negativas vem expressa no art 47, I, “b”, da Lei 8.212/91. A invocação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6 – Distrito Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei n° 7.711/88, afastando a exigência de quitação dos créditos tributários para a prática de atos da vida civil e empresarial não beneficia o apelante.
É que a situação regulada nos dispositivos considerados inconstitucionais difere, por completo, da examinada neste procedimento de dúvida. Reconheceu-se a inconstitucionalidade das “restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos“. A orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi a de vedar a aplicação de sanções políticas tributárias, que pudessem, entre outras coisas, redundar na interdição de estabelecimentos e proibição total do exercício de atividade profissional. [1]
Pede-se vênia, no entanto, para discordar da premissa adotada.
O v. acórdão da Suprema Corte, embora tenha levado em conta a interdição de estabelecimentos e a proibição do exercício de atividade profissional, em momento algum restringiu a inconstitucionalidade declarada a tais situações.
Exatamente por esta razão é que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator da Adi 173, frisou em seu voto que:
Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns.
Ao dizer que o que interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns das sanções políticas, deixou claro o Supremo Federal que a mesma lógica deve ser aplicada em outros casos em que se fizer presente a sanção política, por representar meio de cobrança não admitido pela ordem Constitucional vigente.
Demais disso, o v. acórdão da Suprema Corte ainda destaca que as sanções políticas subtraem do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Carta Magna).
Tudo isso pode ser aferido da simples leitura da ementa do v. acórdão que, conquanto extensa, ora transcrevo porque esclarecedora:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART 2º. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º, da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún., da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1 °, I, III e IV da Lei 7.711/1988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos Iº a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial” ou “administrativa“. Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.
Se o Supremo extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer exigência com base em normas de menor abrangência, como as previstas no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91, e na instrução normativa n° 93/2001, da Receita Federal.
Em suma: não se pode mais interpretar o art. 47, da Lei n° 8.212/91 e a Instrução Normativa n° 93/2001, da Receita Federal, à revelia do v. acórdão do Supremo Tribunal Federal (Adi 173) e de toda a sua sólida e antiga jurisprudência no sentido de afastar as sanções políticas (RMS 9.698, RE 413.782, RE 424.061, RE 409.956, RE 414.714 e RE 409.958).
Também este Tribunal de Justiça, fulcrado nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, tem caminhando nesse sentido.
Nos autos da arguição de inconstitucionalidade n° 139256-75.2011.8.26.0000, da qual participei, o C. Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade do art. 47,1, “d”, da Lei n° 8.212/91. O v. acórdão restou assim ementado:
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA “D”. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.
Ao proferir voto-vista, consignei que:
“De fato, normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins – sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública – não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de idéias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, ‘d’, da Lei Federal n° 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário “no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada.” Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, “A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal.” O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em Juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido, deve propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o princípio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades.” (grifei).
É certo que o caso posto não cuida de extinção de pessoa jurídica. Contudo, a operação contida no instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel não deixa, por isso, de representar atividade econômica constitucionalmente assegurada pelo parágrafo único, do art. 170, da Lei Maior, preceito invocado tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça como uma das razões de se acolher a inconstitucionalidade das sanções políticas.
Frise-se que, tanto no caso da extinção da pessoa jurídica quanto no presente (registro de compromisso de compra e venda), a apresentação da CND tem o mesmo fim: constranger o contribuinte, por via oblíqua, ao recolhimento do crédito tributário.
Se assim é, idêntico tem de ser o desfecho, afastando-se a exigência da apresentação das CNDs também para a hipótese em exame.
Nenhuma razão justifica a comprovação de inexistência de débito tributário para o registro do compromisso de compra e venda do imóvel apresentado, o que demonstra que se está diante de uma exigência desproporcional e não razoável.
Por todas essas razões é que se propôs a modificação do atual entendimento, alinhando-se à jurisprudência da Suprema Corte no tocante ao repudio as sanções políticas.
Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço do recurso, com observação.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator.
Notas:
[1] Ap. Civ. 990.10.084.705-8 (D.J.E de 24.05.2013 – SP)