CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Arrematação de imóvel em hasta pública – Forma originária de aquisição de propriedade – Inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem – Imóvel penhorado com base no art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91 – Indisponibilidade que obsta apenas a alienação voluntária – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0013197-92.2012.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que é apelante MARA ROSANA AUGUSTO PAPADOPOLI e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, PARA POSSIBILITAR O INGRESSO DO TÍTULO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice- Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 18 de abril de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n° 0013197-92.2012.8.26.0554

Apelante: Mara Rosana Augusto Papadopoli

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo André

VOTO N° 21.247

Registro de imóveis – Dúvida – Arrematação de imóvel em hasta pública – Forma originária de aquisição de propriedade – Inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem – Imóvel penhorado com base no art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91 – Indisponibilidade que obsta apenas a alienação voluntária – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta por Mara Rosana Augusto Papadopoli, objetivando a reforma da r. sentença de fls. 107/109, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo André, e manteve a recusa do registro da carta de arrematação extraída dos autos da ação n° 249/96, da E. 7ª Vara Cível de Santo André na matrícula n° 61.569, daquela Serventia de Imóveis.

Alega a apelante, em suma, que foi adquiriu direito de preferência sobre o bem em tela, decorrente de Auto de Reforço de Penhora e Depósito Particular no bojo do processo judicial; que a ação de execução fiscal foi promovida pela Fazenda Federal cerca de seis anos após a execução da qual figurou como parte; que o juízo da execução apreciou especificamente o pedido de cancelamento da Carta de Adjudicação e o afastou por decisão com trânsito em julgado (fls. 123/135).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 148/150).

É o relatório.

A primeira questão a ser enfrentada diz respeito à natureza jurídica da aquisição de imóvel por meio de arrematação judicial.

Consolidou-se neste Conselho Superior da Magistratura e na E. Corregedoria Geral da Justiça entendimento de que se trata de forma derivada de aquisição da propriedade:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Carta de arrematação expedida em ação de execução fiscal movida pela Fazenda Estadual Imóvel penhorado em outras execuções movidas pela Fazenda Nacional e pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – Arrematação que não constitui forma originária de aquisição de propriedade imóvel Impossibilidade de registro, enquanto não cancelados os registros das penhoras pela Fazenda Nacional e pelo INSS, por força do artigo 53, parágrafo Io, da Lei n° 8.212/91 — Registro inviável — Recurso não provido.” (CSM Ap. Cível n° 1.223-6/7, grifou-se).

O E. Superior Tribunal de Justiça, intérprete maior da legislação federal, entende que a arrematação judicial de imóvel em hasta pública configura forma originária de aquisição da propriedade, sendo oportuno citar, por todos, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° AgRg no Ag 1225813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:

“EXECUÇÃO FISCALIPTU ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE – APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta.

2. Agravo regimental não provido.” (grifou-se).

No mesmo sentido: REsp n° 1179056/MG, AgRg no Ag n° 1225813/SP, REsp n° 1038800/RJ, REsp n° 807455/RS e REsp n° 40191/SP.

De fato, a despeito do respeitável entendimento firmado neste Conselho Superior da Magistratura, é forçoso reconhecer que, na arrematação, inexiste relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o novo, de modo que não há como se afirmar que se está diante de aquisição derivada da propriedade.

A doutrina também caminha no sentido de que a aquisição derivada depende sempre de uma relação negocial, aperfeiçoada pela manifestação de vontade, entre o antigo proprietário e o adquirente.

Para Carlos Roberto Gonçalves, a aquisição é derivada quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade. Assim, sempre que não houver relação causal entre a propriedade adquirida e a situação anterior da coisa, está-se diante da aquisição originária (Direito civil brasileiro, v. V. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 231).

Francisco Eduardo Loureiro, in Código Civil Comentado, ao definir a natureza jurídica da aquisição da propriedade pela usucapião, acentua que se trata de modo originário porque não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito (2 ed., São Paulo: Manole, 2008, p. 1161).

Arnaldo Rizzardo, por sua vez, aduz que na aquisição derivada está sempre presente um vínculo entre duas pessoas, estabelecido em uma relação inter vivos ou causa mortis, ao passo que na originária não se constata uma relação jurídica entre o adquirente e o antigo proprietário {Direito das coisas. 3 ed. São Paulo: Forense, 2007, p. 244).

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes observam que a aquisição originária se verifica quando o modo aquisitivo não guarda relação de causalidade com o estado jurídico anterior de domínio, e que não decorre de relação jurídica estabelecida com o proprietário anterior como ocorre no contrato de compra e venda (Código civil interpretado conforme a constituição da república, v. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 519).

Em sentido diverso, a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira, para quem apenas a ocupação configura meio originário de aquisição da propriedade, porque, nesse caso, a coisa jamais esteve sob o domínio de alguém (Instituições de direito civil. 20 ed., v. IV. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 97).

Sucede que, quando o bem é arrematado judicialmente, não há relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, e a transmissão de domínio não decorre de manifestação de vontade. Assim, não há que se falar em aquisição derivada da propriedade.

Verifica-se, destarte, que o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura, embora lastreado em excelentes fundamentos, não mais se encontra em harmonia com a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça nem com o espírito da doutrina majoritária, motivo por que sua alteração é de rigor em prol da segurança jurídica.

No que diz respeito à possibilidade de o bem penhorado com base no art. 53, § 1º, da Lei n° 8.212/91, poder ser arrematado em execução diversa, malgrado o entendimento atual deste Conselho, parece mais preciso o que decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n° 512.398, cujo voto do eminente relator Ministro Felix Fischer traz a seguinte consideração:

“Tenho contudo, que a indisponibilidade a que se refere o dispositivo (referindo-se ao § 1º, do art. 53, da Lei 8.212/91) traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial. Sendo assim, a referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.”

Verifica-se, destarte, que a indisponibilidade decorrente do § 1º, do art. 53, da Lei n° 8.212/91, incide apenas sobre a alienação voluntária e não sobre a forçada, como no caso da arrematação judicial.

Isto posto, dou provimento ao recurso, para possibilitar o ingresso do título.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (D.J.E de 24.05.2013 – SP)