2ª VRP|SP: Serviço Notarial e Registral. Propaganda. Vedada à propaganda ostensiva, sem critérios de equilíbrio e sensatez, aquela mediante anúncios em placas sensacionalistas ou veiculações ostensivas em jornais e outros meios de comunicação. São autorizadas veiculações publicitárias não ostensivas, tais como remessa de folhetos contendo comunicados sobre os serviços, com utilização de banco de dados em mala direta. Abstenção da promoção da propaganda nestes autos, mantida a suspensão da distribuição e divulgação, sob pena de instauração de procedimento disciplinar, vedada tal prática.
Processo 0059135-51-2011
Pedido de Providências.
23º Tabelionato de Notas da Capital.
Registro Civil das Pessoas Naturais do 22º Subdistrito Tucuruvi.
VISTOS.
Trata-se de expediente instaurado a partir de representação apresentada pela Tabeliã do 23º Tabelionato de Notas da Capital, que encaminhou a este Juízo material representado por “descansa copos”, contendo divulgação de serviços prestados pelo Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 22º Subdistrito da Capital, cujo produto fora distribuído na praça de alimentação do Shopping Center Norte.
A inicial veio instruída com as peças de fls. 02/03, seguindo-se manifestação da Oficial (fls. 05/07), pronunciamento do Colégio Notarial/SP (fls. 09/11) e inquirição da representada fls. 16/17.
É o breve relatório. DECIDO.
Sem embargo da alegação apresentada pela Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 22º Subdistrito da Capital, no sentido de que a matéria contida na veiculação diz respeito a atividade que refoge da atividade notarial pura, pois envolve divulgação de certificação digital, cujos serviços também são prestados por empresas particulares, tenho que a mensagem publicitária vinculada à identificação da serventia excede o campo informativo, sobretudo em face da forma da veiculação, que destoa da sobriedade e seriedade exigidas no trato do serviço público delegado.
A atividade notarial, por imposição de ordem constitucional, é exercida em caráter privado, por delegação do Estado. Na realidade, trata-se de serviço público delegado, sendo irrecusável que o exercício dessa função concedida pelo Poder Público é relativa ao serviço de interesse público. A propósito, assevera Leonardo Brandelli que “a função a cargo do notário é pública, posto que, embora ela seja exercida sobre direitos privados, atende a um interesse da coletividade traduzido pela necessidade de afirmar a soberania do direito garantindo a legalidade e a prova datada de fé sobre os atos e fatos que são erigidos pelas relações privadas. Ao Estado, cumpre tal mister, porém, este o exerce através da instituição notarial” (Teoria Geral do Direito Notarial, Livraria do Advogado, ed. 1.998, p. 132).
Nesse sentido, é o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência, correspondendo à orientação adotada pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, com pleno respaldo na diretriz traçada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado, pelo seu Colendo Órgão Especial, nessa matéria, com o beneplácito de manifestações jurisprudenciais dos Tribunais Superiores do país.
O exercício da função pública delegada a título privado não desnatura o caráter público do direito notarial, tampouco não interfere nessa classificação a relação superveniente entre notário e cliente, diante da subordinação do Tabelião aos princípios constitucionais e legais da delegação e às normas registrárias, enfim, ao Estado, que detém o “jus imperium”, e atua no interesse da coletividade. Nesse passo, bem demonstraram os representantes a insustentável posição adotada pelo Tabelião, que se apega estritamente ao campo do direito privado para a defesa de sua tese.
A atividade do Tabelião consoante o ensinamento de Walter Ceneviva, “se caracteriza, em seus aspectos principais, como o trabalho de compatibilizar com a lei a declaração desejada pelas partes nos negócios jurídicos de seu interesse. Compatibilização participante e não meramente passiva, pois a declaração transposta para o documento público se destina a retratar limitações de direitos, aceitas pelos participantes do ato” (Lei dos Notários e dos Registradores Comentada, ed. Saraiva, 1.996, p. 22).
No desempenho de sua função, não está o Tabelião impedido de divulgar seu trabalho, podendo fazêlo sem forma ostensiva, em termos suficientes para informar a coletividade sobre os serviços que presta, visando à publicidade no legítimo exercício do direito de informar, mas com sobriedade exigida, sem ostentação, conforme já decidido por este Juízo nos autos do Processo CP 49/01-TN.
Como já assentou este Juízo, enfatizando-se a necessidade de absoluto respeito à ordem ética e a exigência de se evitar o desencadeamento de verdadeiro aliciamento de clientes, o que é inadmissível, “a divulgação dos serviços deverá ficar submetida a critérios de equilíbrio e sensatez, autorizadas veiculações publicitárias não ostensivas, tais como remessa de folhetos contendo comunicados sobre os serviços, com utilização de banco de dados em mala direta, vedada propaganda mediante anúncios em placas sensacionalistas ou veiculações ostensivas em jornais e outros meios de comunicação”.
No aspecto formal, o produto questionado, em termos de material promocional, afronta a orientação judicial traçada sobre o tema. Como se sabe, na esfera do direito registrário, regido pelas normas do direito público, é de rigor a aplicação e a observância do princípio da legalidade.
Aqui, tal como sucede em relação ao agente, na administração pública, ao Delegado do Serviço somente é permitido fazer o que a lei autoriza. Nesse ponto, é irrepreensível o invocado ensinamento do sempre lembrado Helly Lopes Meirelles: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’” (Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed., Malheiros Editores, 2.001, p. 82). Aliás, bem citada pelos representantes, como já o fizera o acatado jurista José Afonso da Silva, (“in” Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., Malheiros Editores, 1.992, p. 373/374), por incidir na espécie. É inegável que “o serviço notarial e de registros se subordina rigorosamente ao princípio constitucional da legalidade. O ato praticado ou praticável é sempre previsto em lei, para ser executado e cumprido na forma desta”, como elucida o ilustre Advogado Walter Ceneviva, ao apreciar a matéria (op. cit. p. 211).
Ademais, no quadro das atribuições legais, e da competência normativa, são distintas as atividades de cada categoria, cumprindo exigir-se a rígida obediência aos limites da atuação dos agentes delegados, que, embora não sejam servidores públicos, pertencem ao quadro de colaboradores do Poder Público, a que se referiu o ínclito Helly Lopes Meirelles (op. cit. p. 75), sujeitos aos mesmos princípios que regem o serviço público, pouco importando, para esse fim, que não ocupem cargo público.
Portanto, em se tratando de serviço público, subordinado a regras específicas de Direito Público, é de exigência indeclinável o rigor na observância estrita das atribuições delegadas, sem margem para ampliação da função exercida, que não está legitimada por norma constitucional, tampouco por regra legal.
Por seu turno, no tema da atuação notarial, sob o prisma da certificação digital, cabe lembrar que, ainda que voltado a informar que a unidade é a única da Zona Norte apta a fazer tais serviços, o anúncio é inaceitável.
Por conseguinte, determino à Oficial que se abstenha da promoção de propaganda a que corresponde o produto de fls. 03, mantida a suspensão da distribuição e divulgação, sob pena de instauração de procedimento disciplinar, vedada tal prática.
Por ora, descabe outra providência, reconhecendo a particularidade da veiculação insulada apenas em um estabelecimento (restaurante), considerando que, pelos elementos coligidos nos autos, não há razão suficiente para cogitar, desde logo, de imposição de sanção disciplinar.
Alerto, todavia, a Oficial a submeter tais casos à prévia apreciação da Corregedoria Permanente, sob pena de sofrer indesejáveis consequências.
Comunique-se a decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, oficiando-se com cópia integral dos autos.
P.R.I.C.
(D.J.E. de 07.05.2012)