CSM|SP: Registro de Imóveis – Formal de partilha – Cessão de direitos hereditários – Ordens de indisponibilidade incidentes sobre herdeiros cedentes – Inviabilidade do registro na matrícula do imóvel objeto da cessão – Direitos reais ainda não inscritos – Inaplicabilidade do art. 54 da Lei 13.097/2015 – Impossibilidade de contornar indisponibilidades por meio de cessão – Ausência de impedimento para registro em matrícula de bem adjudicado diretamente aos herdeiros, sem alienação – Indisponibilidades não recaem sobre a autora da herança – Provimento parcial da apelação – Registro autorizado apenas quanto ao bem da matrícula nº 42.820.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010242-79.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que são apelantes ADÉLCIO FERNANDO CORRÁ e MARIA ISABEL NUNES CORRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram parcial provimento à apelação e determinaram o registro do formal de partilha, título de fls. 8-706, prenotado sob o n.º 759.169, na matrícula n.º 42.820 do 1.º RI de São José dos Campos, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de junho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010242-79.2024.8.26.0577

Apelantes: Adélcio Fernando Corrá e Maria Isabel Nunes Corra Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 43.822

Direito das sucessões – Processo de dúvida – Formal de partilha – Registro negado – Dúvida julgada procedente – Apelo provido em parte.

I. Caso em Exame. 1. Os interessados, marido e mulher, cessionário de direitos hereditários e herdeira, respectivamente, pretendem o registro do formal de partilha nas matrículas dos dois bens imóveis partilhados, um deles adjudicado ao suscitado. Não se conformam com o juízo de desqualificação registral, lastreado em ordens de indisponibilidade estranhas à falecida, autora da herança, não averbadas nas matrículas nem noticiadas nos autos do processo de inventário.

2. Irresignados com a procedência da dúvida, interpuseram apelação.

II. Questões em Discussão. 3. A controvérsia central reside em saber se indisponibilidades em nome de herdeiros cedentes de seus direitos hereditários obstam, ou não, o registro do formal de partilha em matrículas nas quais ausentes as averbações a respeito de referidas limitações à faculdade de disposição, ao poder de alienação.

III. Razões de Decidir. 4. As Indisponibilidades que recaem sobre herdeiros cedentes de seus direitos hereditários, vigentes à época da cessão e da prenotação do título, impedem, embora não averbadas, a inscrição da adjudicação de bem imóvel ao cessionário. 5. A cessão de direitos hereditários, transmitidos causa mortis, por força da saisine, não se presta, é certo, a contornar as ordens de indisponibilidade pendentes em nome dos herdeiros, oponíveis aos cessionários, nada obstante terceiros de boa-fé. 6. A eficácia dos negócios imobiliários dispositivos em relação às indisponibilidades e às constrições judiciais não expostas nas matrículas e a não oponibilidade de reportadas limitações aos adquirentes de boa- fé, tratadas no art. 54, III, V e § 1.º, da Lei n.º 13.097/2015, são, in casu, inaplicáveis, pois a cessão sob exame envolveu direitos reais não inscritos na matrícula. 7. O prévio cancelamento exigido condiciona a inscrição constitutiva, a da adjudicação, a do formal de partilha na matrícula n.º 248.231 do 1.º RI de São José dos Campos.

8. À época da cessão de direitos, quatro dos cedentes careciam do poder (da faculdade) de alienação, faltava-lhes, enfim, legitimidade, fator de eficácia dos negócios dispositivos, situação que subsistia (dado relevante, à vista da regra tempus regit actum) quando da apresentação do título a registro. 9. As indisponibilidades não são obstáculos às alienações judiciais, às forçadas, nem às transmissões imobiliárias causa mortis. Seja como for, são alheias à autora da herança. Portanto, não embaraçam o registro do título na matrícula n.º 42.820 do 1.º RI de São José dos Campos, cujo imóvel, compondo a herança, foi, por meio de partilha judicial, atribuído aos herdeiros, que dele não dispuseram.

IV. Dispositivo. 10. Apelação provida em parte, para determinar o registro do formal de partilha na matrícula n.º 42.820 do 1.º RI de São José dos Campos.

Teses de julgamento: 1. A eficácia de negócios jurídicos imobiliários dispositivos em relação às indisponibilidades e às constrições judiciais não expostas nas matrículas e a não oponibilidade de referidas limitações, restrições, aos terceiros adquirentes de boa-fé, tratadas no art. 54, III, V e § 1.º, da Lei n.º 13.097/2015, são inaplicáveis às operações econômicas que envolvam direitos reais não inscritos na matrícula, em especial, às cessões de direitos hereditários. 2. As ordens de indisponibilidade não constituem obstáculo às alienações judiciais, às forçadas, tampouco às transmissões imobiliárias causa mortis.

Legislação citada: Lei n.º 13.097/2015, art. 54, III, V e § 1.º.

Jurisprudência citada: CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 0000003-66.2011.8.26.0196, rel. Des. Maurício Vidigal, j. 7.11.2011, Apelação Cível nº 1003970-04.2018.8.26.0505, rel. Des. Pinheiro Franco, j. 15.8.2019, e Apelação Cível n.º 1024407-10.2024.8.26.0100, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 6.8.2024.

Os suscitados Adélcio Fernando Corrá e Maria Isabel Nunes Corrá, casados sob o regime da comunhão parcial de bens, ele na condição de cessionário de direitos hereditários, ela na de herdeira, pretendem o registro do formal de partilha dos bens deixados por Olívia de Casaes, título judicial de fls. 8-706, prenotado sob o n.º 759169, nas matrículas n.º 42.820 e n.º 248.231 do 1.º RI de São José dos Campos, recusado pelo Oficial (fls. 719-722).

Ao suscitar a dúvida, o Oficial, embora ressalvando a adequação formal do título e a comprovação do pagamento dos impostos de transmissão, apontou, como óbice aos registros requeridos, as ordens de indisponibilidade em nome dos cedentes Aquiles Nunes Pinheiro, José Carlos Nunes, Maria Goretti Nunes Pinheiro e Valter Luiz Fasetta (fls. 1-5).

A r. sentença de fls. 762-765, agora impugnada, julgou procedente a dúvida, de modo a respaldar o juízo de desqualificação registral e, por conseguinte, condicionar os registros ao levantamento, ao cancelamento das ordens de indisponibilidade subsistentes.

Inconformados, os interessados recorreram. Nas razões de fls. 772-777, requereram o provimento da apelação, argumentado que a exigência formulada não guarda relação com o registro a ser realizado na matrícula n.º 42.820, que as ordens de indisponibilidade não constam da matrícula n.º 248.231, tampouco dos autos do inventário, e invocando a condição de adquirentes de boa-fé e, ainda, a Lei n.º 14.825/2024, o inciso V por ela introduzido ao art. 54 da Lei n.º 13.097/2015.

A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 793-795, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. O dissenso versa a respeito do registro do formal de partilha de fls. 8-706, título prenotado sob o n.º 759.169, nas matrículas n.º 42.820 e n.º 248.231 do 1.º RI de São José dos Campos, pedido pelo cessionário de direitos hereditários, Adélcio Fernando Corrá, e por uma das herdeiras, Maria Isabel Nunes Corrá, com quem ele é casado sob o regime da comunhão parcial de bens.

In casu, os herdeiros de Olivia de Casaes, falecida no dia 15 de abril de 2022 (fls. 711), entre eles os seus sobrinhos Aquiles Nunes Pinheiro, José Carlos Nunes e Maria Goretti Nunes Pinheiro, e Valter Luiz Fasetta, marido de Maria Goretti, com quem casado sob o regime da comunhão universal de bens (fls. 135), cederam parcialmente seus direitos hereditários ao suscitado Adélcio Fernando Corrá, esposo de Maria Isabel Nunes Corrá, umas da herdeiras, também cedente.

A cessão onerosa teve por objeto o imóvel descrito na matrícula n.º 248.231 do 1.º RI de São José dos Campos (fls. 500-515), um dos dois bens imóveis integrantes da herança deixada pela falecida, um dos partilhados entre os herdeiros, irmãos e sobrinhos de Olivia de Casaes (fls. 333-368, 524-557 e 589-622), todos cedentes.

2. Ao tempo do negócio jurídico de disposição, ajustado no dia 17 de março de 2023, expresso no instrumento particular de fls. 500-515, documentado em termo judicial depois lavrado, subscrito pelos contratantes no mês de novembro de 2023 (fls. 652-655 e 661-694), os cedentes acima nomeados estavam privados da plena disponibilidade de seus bens, de seus direitos imobiliários, logo, dos incorporados causa mortis ao patrimônio deles.

As ordens de indisponibilidade reportadas pelo Oficial, especificadas na nota devolutiva de fls. 719-722, constatadas em seu indicador pessoal, apontadas no extrato de fls. 730-734, já existentes à época do aperfeiçoamento da cessão onerosa de direitos hereditários, persistiam (trata-se de dado relevante, em atenção à regra tempus regit actum) por ocasião da apresentação do título a registro, da pretendida inscrição translativa da propriedade imobiliária.

Desimportante, aqui, em especial, a ausência de alusão às indisponibilidades na matrícula do imóvel objeto da cessão de direitos, averbação que, evidentemente, seria descabida, porque então estranha à autora da herança, à proprietária tabular, à titular do direito real inscrito, em nome de quem registrada a propriedade imobiliária (fls. 718).

A cessão de direitos hereditários, transmitidos causa mortis, por força da saisine, não se presta a contornar indisponibilidades não averbadas, e não averbadas porque anteriores ao registro do formal de partilha, da regularização da cadeia dominial, indisponibilidades que são oponíveis aos cessionários, ainda que terceiros de boa-fé.

A eficácia de negócios jurídicos imobiliários dispositivos em relação às indisponibilidades e às constrições judiciais não expostas nas matrículas e a não oponibilidade de reportadas limitações, restrições, aos terceiros adquirentes de boa-fé, versadas no art. 54, III, V e § 1.º, da Lei n.º 13.097/2015[1], são, in casu, inaplicáveis, pois a cessão sob exame envolveu direitos reais não inscritos na matrícula.

As indisponibilidades, considerada a cessão de direitos sobre o bem imóvel matriculado sob n.º 248.231 do 1.º RI de São José dos Campos, alienação voluntária ocorrida, alcançam a situação jurídica de quatro dos cedentes, de modo, consequentemente, a afetar a aptidão registral do formal de partilha, a impedir a inscrição pretendida, que seria constitutiva.

Ao cederem seus direitos, os herdeiros Aquiles Nunes Pinheiro, José Carlos Nunes e Maria Goretti Nunes Pinheiro, tal como o cedente Valter Luiz Fasetta, careciam do poder (faculdade) de alienação, faltava-lhes legitimidade, legitimação, esta compreendida, no escólio de Antonio Junqueira de Azevedo, como poder de dispor, “uma condição de eficácia dos negócios de disposição.”[2]

Nessa linha, o cancelamento exigido, então das ordens de indisponibilidades, condiciona, de fato, o registro do formal de partilha na matrícula n.º 248.231 do 1.º RI de São José dos Campos, vale dizer, a transferência da propriedade do bem imóvel lá descrito ao cessionário, a resultante da adjudicação decorrente da cessão onerosa de direitos.

Trata-se de compreensão em exata conformidade com precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura, relacionados a cessões de direitos hereditários, e a indisponibilidades recaindo sobre os herdeiros/cedentes, expressos, por exemplo, nas Apelações Cíveis n.º 0000003-66.2011.8.26.0196, rel. Des. Maurício Vidigal, j. 7.11.2011, n.º 1003970-04.2018.8.26.0505, rel. Des. Pinheiro Franco, j. 15.8.2019, e n.º 1024407-10.2024.8.26.0100, de minha relatoria, j. 6.8.2024.

Em suma, as indisponibilidades comandadas no âmbito administrativo e no judicial obstam a alienação voluntária, logo, impedem o registro da adjudicação do bem imóvel matriculado sob n.º 248.231 ao cessionário.

3. Agora, as ordens de indisponibilidade não constituem empeço à alienação judicial, à alienação forçada, tampouco, no que aqui especialmente interessa, à transmissão causa mortis. Assim, a propósito, este C. Conselho Superior da Magistratura se posicionou, recentemente, na Apelação Cível n.º 1002386-66.2022.8.26.0114, rel. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 29.6.2023. Seja como for, todas as relacionadas pelo Oficial são estranhas à autora da herança.

Assim sendo, não embaraçam o registro do formal de partilha, título formalmente em ordem, acompanhado dos comprovantes de recolhimento tributário, na matrícula n.º 42.820 do 1.º RI de São José dos Campos, cujo imóvel, compondo a herança, o patrimônio transmitido causa mortis, foi, mediante partilha judicial, objeto da sentença de fls. 696, atribuído aos herdeiros, que dele, por sua vez, não dispuseram.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento à apelação e, consequentemente, determino o registro do formal de partilha, título de fls. 8-706, prenotado sob o n.º 759.169, na matrícula n.º 42.820 do 1.º RI de São José dos Campos.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

(…)

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei;

(…)

V – averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária.

§ 1.º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101, de 9 de novembro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

[2] Negócio jurídico e declaração negocial: noções gerais e formação da declaração negocial. Tese de titularidade – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986, p. 155-157.

(DJe de 24.06.2025 – SP)