CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Sentença que não é nula já que não se podem complementar documentos no procedimento da dúvida – Ministério público intimado em todas as fases processuais – Indeferimento do pedido de usucapião, por sua vez, que merece revisão: encerramento precoce do procedimento extrajudicial – Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1017079-06.2024.8.26.0625, da Comarca de Taubaté, em que é apelante GNI23 SP EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TAUBATÉ.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso de apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 3 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1017079-06.2024.8.26.0625
Apelante: Gni23 Sp Empreendimentos Imobiliarios Ltda
Apelado: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Taubaté
VOTO Nº 43.799
Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Sentença que não é nula já que não se podem complementar documentos no procedimento da dúvida – Ministério público intimado em todas as fases processuais – Indeferimento do pedido de usucapião, por sua vez, que merece revisão: encerramento precoce do procedimento extrajudicial – Apelação provida.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve recusa do pedido de usucapião extrajudicial sob o fundamento de ausência de documentos aptos a comprovar a cadeia e o tempo de posse.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em averiguar se a sentença de primeiro grau é nula e se houve encerramento precoce do procedimento de usucapião extrajudicial, ou seja, anteriormente às etapas de diligências e notificação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo e imóveis confrontantes.
III. Razões de decidir
3. A sentença não é nula porque não se podem complementar documentos no procedimento da dúvida. 4. O procedimento extrajudicial de usucapião foi encerrado prematuramente já que, apresentado início documental da posse alegada e ata notarial, sequer foram promovidas as devidas notificações e eventuais diligências complementares, na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. 5. O procedimento encerrado precocemente deve ser retomado para que se promova nova qualificação registral definitiva a partir das diligências, dos documentos pertinentes e do resultado das notificações, momento em que será analisado o mérito do pedido.
IV. Dispositivo e Tese
6. Recurso provido para se determinar a retomada do andamento do procedimento extrajudicial de usucapião.
Tese de julgamento: “1. A qualificação registral definitiva deve ocorrer após o esgotamento do procedimento extrajudicial de usucapião, notadamente quando apresentados ata notarial e início de prova documental sobre a posse alegada.
2. O envio das notificações e a realização das diligências complementares são essenciais para a análise do pedido de usucapião extrajudicial”.
Legislação e jurisprudência citadas:
– Código Civil, arts. 1.238 e 1.243; LRP, art. 216-A.
– CSM, Apelação n. 1021364-65.2024.8.26.0100, de minha relatoria, j. em 23.5.2024; Apelação n. 1006567-12.2019.8.26.0019, Rel. Pinheiro Franco, j. em 10.12.2019; Apelação n. 1000504-84.2017.8.26.0101; Relator Pinheiro Franco; j. em 15.5.2018; Apelação n. 1074288-29.2019.8.26.0100; Relator Ricardo Anafe; j. em 1.9.2020.
Trata-se de apelação interposta por GNI23 SP EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. contra a r. sentença de fls. 531/532, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Taubaté, que acolheu a dúvida suscitada no processo de usucapião extrajudicial objeto do protocolo n. 469.234 por entender que a parte apelante não apresentou documentos hábeis a demonstrar a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse para a concessão da usucapião extraordinária pleiteada.
A parte apelante alega que não houve análise de certidões e documentos apresentados, os quais são aptos a comprovar a cadeia possessória e o tempo de posse; que a legislação civil pertinente e o Código de Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo não exigem provas rígidas, formais ou específicas para o reconhecimento da usucapião pela via judicial ou extrajudicial; que a r. sentença de fls. 531/532 é nula em razão da negativa de concessão de prazo adicional para apresentação de novos documentos aptos a complementar a instrução do presente procedimento em especial, declarações emitidas, por escrito, pelos proprietários de imóveis vizinhos e confrontantes ao imóvel usucapiendo; que a r. sentença de fls. 531/532 é nula eis que o Ministério Público não foi intimado a se manifestar em primeiro grau.
O Ministério Público optou por não se manifestar em razão da falta de interesse que justifique sua intervenção (fls. 562/566).
A Procuradoria de Justiça, do mesmo modo, optou por não se manifestar (fls. 570/571).
Tendo em vista que o recurso se insurgiu contra negativa de ato de registro em sentido estrito, o feito foi redistribuído a este C. Conselho Superior da Magistratura (fl. 572).
A parte recorrente se opôs ao julgamento virtual (fls.588/589).
A Procuradoria de Justiça, novamente intimada, reiterou o parecer ofertado à fls. 570/571 (fl. 592).
É o relatório.
De início, é importante mencionar que não há impedimento ao conhecimento do recurso, uma vez que o requerimento inicial, apresentado no dia 14 de dezembro de 2023, recebeu o protocolo de n. 469.234 (fl. 6), o qual permanece válido.
Como se sabe, no expediente administrativo de reconhecimento de usucapião extrajudicial, o prazo da prenotação se prorroga até o acolhimento ou a rejeição do pedido (artigo 216-A, § 1º, da LRP).
No caso concreto, o requerimento pela suscitação da dúvida foi apresentado no dia 29 de outubro de 2024 e autuado no processo extrajudicial sob mesmo protocolo (n. 469.234). Portanto, inequívoca a validade da prenotação, que permanece prorrogada.
Superada a análise da admissibilidade do recurso, a ausência de manifestação do Ministério Público em primeira instância não acarreta, per se, a nulidade da r. sentença recorrida, conforme pretendido pela parte apelante.
A omissão levantada foi suprida em segunda instância (fls. 562/566), inclusive pela intervenção da douta Procuradoria de Justiça, que, no r. parecer de fls. 570/571, deixou de se manifestar sobre a dúvida suscitada sob o fundamento de falta de interesse que justifique sua intervenção.
Conforme precedente deste Conselho Superior da Magistratura, “a intervenção do Ministério Público no processo supre a anterior omissão, o que enseja a não declaração de nulidade pela ausência de prejuízo em relação aos atos processuais que foram praticados” (Apelação n. 1000504-84.2017.8.26.0101; Relator Pinheiro Franco; j. em 15.05.2018).
No que tange à arguição de nulidade da r. sentença, não se pode complementar a documentação submetida à qualificação pelo Oficial no curso do procedimento de dúvida (subitem 39.5.1, Cap. XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).
De fato, não há fase instrutória obrigatória no procedimento de dúvida.
De acordo com a doutrina majoritária, “o processo da dúvida é documentário, ou seja, supõe que as provas estejam pré-constituídas, e isso, em via de regra (i.e., salvo o caso de impossibilitas praestandi), exclui a produção delas (periciais, testemunhais, ou mesmo documentais) no próprio processo”[1].
Em outros termos, a qualificação é devolvida integralmente ao juízo de segundo grau, que a avaliará conforme a documentação apresentada perante o Oficial.
No mérito, o recurso comporta provimento. Vejamos os motivos.
Trata-se de requerimento visando ao reconhecimento extrajudicial de usucapião extraordinária do prédio e respectivo terreno, localizados na Avenida Charles Schneider, n. 1950, Parque Sr. do Bonfim, Taubaté/SP, com cadastro na Prefeitura de Taubaté sob o BC n. 4.6.050.011.001 e descrição nas transcrições n. 25.939, Livro 3-Z, e n. 39.416, Livro 3-NA, do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Taubaté.
De acordo com a nota devolutiva de nº 469.234 (fl. 498), expedida em 9 de outubro de 2024, a rejeição do pedido de usucapião se deu “em razão da ausência da comprovação da posse exclusiva e, especialmente, da posse durante o lapso temporal necessário sobre o imóvel”.
A partir da análise dos documentos apresentados pela parte apelante, a Oficial entendeu que não houve efetiva comprovação do tempo de posse exercido pelos antecessores da apelante, atual possuidora, nos termos do artigo 1.243 do Código Civil, pelo que concluiu que houve rompimento da continuidade entre a posse da parte e de seus antecessores.
Em outras palavras, a Oficial entendeu que não restou comprovada, de forma satisfatória, a posse ad usucapionem pelo período mínimo exigido de 15 (quinze) anos para usucapião extraordinária, conforme previsto no artigo 1.238 do Código Civil.
Esse entendimento foi corroborado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente ao julgar procedente a dúvida (fls. 531/532):
“Ainda que a modalidade de usucapião invocada seja a extraordinária, o que dispensa a presença do justo título, era imprescindível que o requerente trouxesse documentos hábeis a demonstrar a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse, o que não se vê dos autos.
As exigências requeridas na Nota nº 469.234 para o registro de usucapião extrajudicial, não é mero formalismo da Oficial, é eficiente técnica de fiscalização sob pena de responsabilidade, uma vez que não estando satisfeito esses requisitos torna-se impossível sua emissão”.
Vale observar que, como a lei e a normativa estadual são silentes quanto ao momento, entende-se que é facultado ao interessado a suscitação da dúvida “em qualquer caso”, seja ao final ou nas etapas intermediárias do processo (artigo 216-A, § 7º, da LRP).
Quanto ao pedido, há que se ter em vista que, em toda forma de usucapião, dois elementos são fundamentais: a posse e o tempo.
A posse deve ser ad usucapionem, isto é, dotada de continuidade, pacificidade e animus domini.
Além do caráter ad usucapionem, a posse deve se estender por determinado período, após o qual o domínio do imóvel é considerado imediatamente adquirido pelo possuidor, de forma originária.
No caso da usucapião extraordinária, o artigo 1.238 do Código Civil exige posse prolongada por 15 (quinze) anos.
O possuidor pode acrescentar à sua posse a dos seus sucessores, desde que contínuas e pacíficas (art. 1.243 do Código Civil).
Nesse sentido, lição de Benedito Silvério Ribeiro:
“A soma, adição (adictio), ou a denominada junção de posses significa que ao possuidor é permitido, para perfazer-se o tempo necessário à usucapião, juntar à sua posse o tempo de posse do seu antecessor. Se a coisa, para completar o tempo necessário à prescrição aquisitiva, tiver sido possuída por duas ou mais pessoas, bem como se o atual possuidor quiser valer- se do tempo de permanência na posse do que lhe antecedeu, ocorrerá aquilo que chama acessão da posse (accessio possessionis)”[2].
Cabe à parte usucapiente, portanto, comprovar a posse, por si e por seus antecessores, pelo prazo de 15 (quinze) anos, de forma contínua e sem oposição.
A despeito da pertinência da averiguação preliminar dos elementos necessários para configuração da usucapião extraordinária, não há que se falar, desde logo, em indeferimento ou deferimento do pedido.
O Oficial deve atuar com cautela e razoabilidade.
Há diversos benefícios em se optar pela qualificação registral definitiva ao final do procedimento de usucapião extrajudicial. Isso porque essa opção evita a acumulação de suscitações de dúvidas reiteradas e repetidas interrupções do processo extrajudicial para cada nova exigência formulada. A via extrajudicial da justiça profilática, de natureza célere, tornar-se-ia morosa em razão dessas diversas interrupções.
A ultrapassagem de todas as etapas intercorrentes do processo extrajudicial, além do julgamento uno e conjunto de todos os documentos apresentados e eventuais impugnações, possibilita eventual aproveitamento judicial das notificações emitidas, caso seja necessária a conversão do procedimento para a via judicial (artigo 216-A, § 9º, da LRP).
Pode-se concluir, assim, que, no caso concreto, houve encerramento prematuro do procedimento extrajudicial já que sequer foram enviadas as notificações aos titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo e imóveis confrontantes, notadamente porque apresentada ata notarial, ao lado de início razoável de prova documental sobre a posse alegada de usucapião.
A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é uníssona no sentido de que o encerramento do procedimento de usucapião extrajudicial deve ocorrer após percorrido todo o rito procedimental, principalmente quando houver a possibilidade de solução das exigências ao final do procedimento:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE USUCAPIÃO – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A R. SENTENÇA APELADA, DECLARAR PREJUDICADA A DÚVIDA E DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE, REALIZADAS AS DEVIDAS NOTIFICAÇÕES E EVENTUAIS DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES, SEJA PROMOVIDA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (…)
Com efeito, apenas depois de notificados os titulares de domínio e, se falecidos, seus espólios ou respectivos herdeiros é que, ofertadas eventuais impugnações ou, então, manifestada por todos a expressa anuência ao pedido ou, ainda, se decorrido o prazo legal sem que haja impugnação, é que, então, o pedido deverá ser apreciado à luz da alegada alteração da natureza da posse exercida pelos antecessores dos apelantes, decorrente de ato negocial, e consequente possibilidade da pretendida ‘accessio possessionis’ caso corroborada a alegada homogeneidade das posses” (Apelação n. 1021364-65.2024.8.26.0100; de minha relatoria; j. em 23.5.2024).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA JULGADA PREJUDICADA COM FUNDAMENTO NA EXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PARCIAL – PECULIARIDADE DO PROCEDIMENTO DE REGISTRO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL QUE, NESTE CASO CONCRETO, AFASTA O RECONHECIMENTO DA ANUÊNCIA PARCIAL COM AS EXIGÊNCIAS FORMULADAS ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE TENHA PROSSEGUIMENTO EM SUAS FASES SUBSEQUENTES, VISANDO A POSTERIOR E OPORTUNA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (…)
Em que pese a aceitação quanto a uma das exigências formuladas, houve encerramento precoce do procedimento extrajudicial porque essa exigência pode ser atendida na fase de notificação dos titulares do domínio e dos confrontantes tabulares, prevista no art. 216-A, § 2º, do Código de Processo Civil, no art. 10 do Provimento nº 65/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça e no item 427 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça” (Apelação n. 1006567-12.2019.8.26.0019; Relator Pinheiro Franco; j. em 10.12.2019).
Note-se que o fato de o procedimento extrajudicial ter se encerrado precocemente coibiu a parte requerente de apresentar explicação ou contraprova ao final, concomitantemente ao resultado das notificações expedidas e eventuais diligências. Ainda não se tem como saber se haverá impugnação ao tempo de posse alegado.
Note-se, ainda, que a valoração de todos os documentos juntados ao final do procedimento foi dada como garantia pela própria Oficial de Registro (nota devolutiva de 9 de janeiro de 2024 – n. 469234-57 fl. 336, destaques nossos):
“Caso o requerente não pretenda mais juntar outras provas de posse, basta requerer expressamente, situação em que a valoração dos documentos juntados será realizada ao final do procedimento, momento em que será analisado o mérito do pedido (Ap. Cível nº 1074288- 29.2019.8.26.0100, julgada em 01 de setembro de 2020 pelo Egrégio CSM-SP).”.
Note-se, por fim, que o próprio precedente do Conselho Superior da Magistratura citado na nota devolutiva apresenta fundamentação contrária ao encerramento prematuro do procedimento extrajudicial em razão da falta de documentos comprobatórios da posse (destaques nossos):
“Nestes moldes, compete ao requerente da usucapião extrajudicial a demonstração da posse qualificada, cabendo-lhe apresentar documentos, declarações de testemunhas, comprovantes de pagamentos de impostos, contas de consumo, etc, para tanto.
Ao Oficial, por seu turno, cabe, em seu juízo qualificatório, a aferição da regular comprovação da posse ad usucapionem, exigindo, em face da utilidade do procedimento administrativo, eventual complementação da documentação ou a efetivação de diligências, à luz do Art. 17 do Provimento CNJ nº 65/2017.
Tal exigência, contudo, como bem pontuado pelo MM. Juízo a quo, não pode ser entendida como óbice intransponível ao seguimento do procedimento. Assim é que, informado pelo Registrador que talvez não haja suficiência dos documentos comprobatórios da posse, poderia o recorrente optar por apresentar novas provas ou requerer diligências ou, se entender que os documentos são suficientes para o pedido, informar expressamente ao Oficial que dispensa a produção de novas provas, cabendo ao registrador, nesta hipótese, dar seguimento ao procedimento, com as respectivas notificações e outras etapas essenciais, se ainda não realizadas, julgando ao final o mérito do pedido com base nos documentos apresentados.
Somente neste momento, ou seja, por ocasião da manifestação definitiva do Registrador sobre o pleito, é que caberia, havendo impugnação do interessado, manifestação deste Conselho Superior da Magistratura, nos moldes do Art. 17, §5º, do citado provimento” (Apelação n. 1074288-29.2019.8.26.0100; Relator Ricardo Anafe; j. em 1.9.2020).
A qualificação registral definitiva, portanto, somente deve ocorrer após o esgotamento do procedimento administrativo, momento em que será analisado o mérito do pedido com todos os documentos aptos a produzirem prova.
Em complementação à necessidade de retomada do procedimento na via extrajudicial, o item 421 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, determina que em:
“Caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso III do item 416.2, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro de imóveis, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do Código de Processo Civil”.
Adicionalmente, o subitem 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, prevê que incumbe ao Oficial de registro, de ofício ou a requerimento, durante o procedimento administrativo de usucapião, providenciar diligências para o suprimento de lacunas em torno do requerimento:
“Para a elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado“.
Em razão disso, a r. sentença recorrida deve ser reformada para que o procedimento de usucapião extrajudicial seja retomado para que a Oficial de Registro promova as devidas notificações e eventuais diligências complementares, na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, com futura requalificação do pedido ao final.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Nota:
[1] PASSOS, Josué; BENACCHIO, Marcelo. A Dúvida no Registro de Imóveis (Capítulo 4. O Processo da Dúvida), Vol. III, São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2022, 2ª ed., E-book.
[2] Tratado de usucapião, v.1, São Paulo: editora Saraiva, 1988, 2ª edição, p. 706.
(DJe de 16.06.2025 – SP)