CSM|SP: Registro de imóveis – Carta de sentença – Partilha em divórcio – Casamento pelo regime da separação consensual de bens – Acordo reconhecendo aquisição de bens por esforço comum – Declaração suficiente para afastar presunção de propriedade exclusiva – Partilha paritária – Inexistência de doação – Não incidência do ITCMD – Exigências afastadas – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001068-16.2019.8.26.0035, da Comarca de Águas de Lindóia, em que é apelante JOSIELI MARIA FRANCO DE GODOI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ÁGUAS DE LINDÓIA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Receberam o recurso interposto como apelação e a ele deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 3 de junho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 0001068-16.2019.8.26.0035

Apelante: Josieli Maria Franco de Godoi

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Águas de Lindóia

VOTO Nº 43.798

Registro de imóveis – Carta de sentença – Partilha em divórcio – Casamento pelo regime da separação consensual de bens – Acordo reconhecendo aquisição de bens por esforço comum – Declaração suficiente para afastar presunção de propriedade exclusiva – Partilha paritária – Inexistência de doação – Não incidência do ITCMD – Exigências afastadas – Recurso provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve recusa de registro de carta de sentença de divórcio litigioso por ausência de comprovação do recolhimento do ITCMD e apresentação de certidão de homologação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se o reconhecimento do esforço comum na aquisição de bem partilhado em acordo de divórcio que põe fim a casamento pelo regime da separação convencional de bens permite a descaracterização da doação e o afastamento da respectiva tributação.

III. Razões de decidir

3. A homologação judicial da partilha consensual afasta a presunção de aquisição exclusiva derivada do regime de bens, permitindo o reconhecimento da comunhão admitida pelos ex-cônjuges. 4. Partes que reconheceram por negócio jurídico a existência de sociedade de fato entre o casal para aquisição do bem. Partilha paritária que é suficiente para afastar a caracterização de doação, ressalvada a possibilidade de a Fazenda do Estado cobrar, pela via própria, o tributo que considerar devido.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: “1. O reconhecimento da aquisição por esforço comum de bens partilhados consensualmente afasta a presunção da propriedade exclusiva derivada do regime da separação de bens. 2. Nesta hipótese, a partilha paritária afasta a caracterização de doação e, consequentemente, a incidência do ITCMD. 3. Homologação pelo fisco que somente é devida nas hipóteses de transmissão causa mortis“.

Legislação e jurisprudência citadas:

– Lei Complementar n. 1.320/2018 (CAT 89/2020).

– TJSP, Apelação Cível n. 4005082-33.2013.8.26.0019, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, 10ª Câmara de Direito Privado, j. 09/05/2017.

Trata-se de apelação interposta por Josieli Maria Franco de Godoi contra a r. sentença de fls.65/67, que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Águas de Lindóia e manteve a recusa de registro de carta de sentença extraída da ação de divórcio de autos n.1000788-62.2018.8.26.0035, a qual envolve o imóvel da matrícula nº8.639 daquela serventia, porque não foi apresentada a guia de recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens e Direitos ITCMD nem a certidão de homologação da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, conforme Lei Complementar n.1.320/2018.

A MM. Juíza Corregedora Permanente concluiu que não houve comunicação do bem imóvel à mulher, pois registrado exclusivamente em nome do cônjuge varão enquanto casados pelo regime da separação de bens, de modo que a partilha consensual com atribuição do bem exclusivamente à virago configura doação passível de tributação pelo ITCMD.

A parte apelante alega que o imóvel foi adquirido com esforço comum juntamente com os demais bens arrolados e igualmente partilhados no acordo do divórcio (fls. 70/80).

O feito foi originariamente distribuído à Corregedoria Geral da Justiça, que declinou da competência, o que ensejou posterior redistribuição a este Conselho Superior da Magistratura (fls. 92/94).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 116/118).

É o relatório.

De início, é importante confirmar que, como o ato registral buscado é o de registro em sentido estrito, o recurso interposto deve ser recebido como apelação.

No mérito, trata-se de carta de sentença extraída da ação de divórcio do casal Josieli e Leonardo (autos n.1000788-62.2018.8.26.0035), apresentada para registro na matrícula nº 8.639 do Registro de Imóveis da Comarca de Águas de Lindóia.

Consta do Registro n.4 da referida matrícula, fl. 47, que o imóvel foi arrematado por Leonardo em hasta pública realizada em 10 de outubro de 2018, enquanto casado com Josieli pelo regime da separação de bens.

Na época da arrematação, tramitava ação de divórcio litigioso proposta em junho de 2018 por Josieli (fls.13/29), a qual se encerrou em 26 de julho de 2019 por sentença que homologou acordo entabulado pelas partes e decretou o seu divórcio, com trânsito em julgado em 08 de agosto de 2019 (fls. 40/42).

Embora o casal tenha optado pelo regime da separação convencional de bens, houve reconhecimento expresso acerca da aquisição de patrimônio com esforço comum, incluindo três imóveis, quotas sociais de uma empresa, além de dinheiro em espécie, sendo tudo avaliado e consensualmente partilhado, com respeito à meação que cabia a cada parte (fls. 35/37).

A homologação judicial da partilha consensual é suficiente para afastar a presunção de aquisição exclusiva derivada do regime de bens e permitir o reconhecimento, para efeito de registro, da comunhão admitida pelos ex-cônjuges, a fim de se evitar o enriquecimento ilícito.

Nesse sentido v. acórdão prolatado pela C. 10ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de que foi relator o Desembargador Carlos Alberto Garbi (destaques nossos):

“APELAÇÃO. PARTILHA DE BEM IMÓVEL. REGIME DE BENS PACTUADO. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. DIVISÃO QUE RECLAMA PROVA DA PARTICIPAÇÃO CONJUNTA NA AQUISIÇÃO DO BEM AQUESTO. 1. Partilha dos bens. Na hipótese dos autos, as partes se casaram sob o regime da separação de bens, de modo que não há que se falar em divisão dos aquestos. Ainda mais no caso dos autos, em que as partes expressamente dispuseram em pacto antenupcial sobre a proibição de comunicação dos aquestos. 2. Não se desconhece, entretanto, que, para evitar o enriquecimento ilícito dos cônjuges, a doutrina e a jurisprudência têm admitido mesmo no regime da separação de bens a comunicação daqueles adquiridos com esforço comum do casal e em benefício da entidade familiar. Tal possibilidade, vale dizer, não decorre do quanto disposto na súmula 377 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, que somente se aplica ao regime da separação obrigatória de bens, que difere da separação convencional de bens por resultar de imposição legal, e não da autonomia da vontade das partes. Apenas em face da prova da participação conjunta do casal na aquisição do bem é que pode ser autorizada a sua partilha entre os cônjuges ao final de casamento celebrado sob o regime da separação convencional de bens. 3. Não se identificam no caso em exame razões suficientes para admitir a partilha do imóvel objeto do litígio, negando vigência ao acordo celebrado na ação de divórcio, em favor do documento de fls. 39, de duvidosa higidez e que contraria a vontade manifestada pelas partes no curso e no rompimento do casamento outrora havido entre elas 4. Recurso provido para decretar a improcedência do pedido” (TJSP; Apelação Cível 4005082-33.2013.8.26.0019; Relator (a): Carlos Alberto Garbi; 10ª Câmara de Direito Privado; Julgamento: 09/05/2017; Registro: 11/05/2017).

No precedente acima, a partilha somente não foi autorizada devido à existência de controvérsia acerca da comunhão e à ausência de prova do esforço comum para aquisição do bem.

No caso concreto, todavia, há consenso entre os cônjuges e expresso reconhecimento da comunhão, de modo que a declaração de partilha paritária é suficiente para afastar a caracterização de doação e a exigência pela comprovação de recolhimento do ITCMD, ressalvada a possibilidade da Fazenda do Estado, pela via própria, cobrar eventual imposto que considerar devido.

Não faria o menor sentido obrigar as partes ao ajuizamento de ação judicial de reconhecimento de sociedade de fato sem lide, uma vez que há declaração consensual da contribuição direta de ambos os cônjuges. Tal declaração, feita em juízo, tem natureza de transação e produz efeitos jurídicos que não podem ser ignorados pelo Registrador.

Observe-se, por fim, que a Lei Complementar n. 1.320/2018, que institui o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária “Nos Conformes”, trata especificamente das relações tributárias envolvendo o ICMS e não traz qualquer previsão relacionada à homologação da partilha em divórcio.

Os procedimentos a serem observados pelas serventias extrajudiciais em relação à tributação pelo ITCMD foram regulados pela Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento por meio da portaria CAT 89/2020, a qual, por sua vez, somente impõe a apresentação de certidão de homologação para as transmissões “causa mortis” (artigos 2º, 7º, 12 e 18).

Nesse contexto, a exigência pela apresentação de certidão de homologação da Secretaria da Fazenda também deve ser afastada porque impertinente.

E não há que se falar em prejudicialidade da dúvida por impugnação parcial, uma vez que o afastamento da exigência de obrigação acessória (homologação da declaração do tributo) está essencialmente vinculado ao afastamento da obrigação tributária principal, cuja incidência foi impugnada.

Ante o exposto, pelo meu voto, recebo o recurso interposto como apelação e dou provimento a ele.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 16.06.2025 – SP)