CSM|SP: Registro de Imóveis – Formal de partilha – Imóvel financiado com alienação fiduciária – Regime de bens e meação – Proporções distintas sem comprovação de negócio jurídico – Exigência de retificação do plano de partilha – Princípio da continuidade – Qualificação do cônjuge da herdeira – Possibilidade de mitigação – Manutenção da qualificação negativa – Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1009420-63.2023.8.26.0565, da Comarca de São Caetano do Sul, em que é apelante JOSE LUIS SCHINCAGLIA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO CAETANO DO SUL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1009420-63.2023.8.26.0565
Apelante: Jose Luis Schincaglia
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Caetano do Sul
VOTO Nº 43.801
Direito Registral – Apelação – Qualificação negativa de formal de partilha – Apelação desprovida.
I. Caso em Exame
1.Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa ao formal de partilha do inventário, devido ao não atendimento das exigências de retificação do plano de partilha e comprovação da qualificação da parte.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a qualificação do título deve se limitar ao exame das formalidades extrínsecas e se a partilha deve respeitar o plano homologado, considerando o financiamento do imóvel e a qualificação do cônjuge da herdeira.
III. Razões de Decidir
3. O Oficial de Registro tem autonomia para recusar títulos que desatendam aos requisitos legais, não configurando falha funcional ou desobediência.
4. A partilha deve respeitar a titularidade do imóvel conforme o regime de bens e a meação, com 50% para o cônjuge meeiro e 25% para cada herdeira, em respeito ao princípio da continuidade, ainda que a propriedade tenha sido atribuída fiduciariamente à Instituição Financeira.
IV. Dispositivo e Tese
5. Apelação desprovida.
Tese de julgamento: 1. A qualificação do título deve atender aos requisitos legais e respeitar o princípio da continuidade. 2. A mitigação da exigência de qualificação completa é possível, mas não afasta a necessidade de retificação do plano de partilha.
Legislação Citada:
Código Civil, arts. 1.245, 1.829, I, e 1.846.
Lei 6.015/73, art. 176. Lei 8.935/1994, art. 28.
Lei 9.514/97, art. 22.
Cuida-se de apelação interposta por JOSE LUIS SCHINCAGLIA em face da r.sentença de fls. 108/109, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Caetano do Sul, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao registro do formal de partilha extraído dos autos do arrolamento/inventário dos bens deixados pelo falecimento de Yoko Gibo Schincaglia, relativamente ao imóvel da matrícula 44.709 da Serventia, em razão do desatendimento às exigências feitas na nota devolutiva quanto à retificação do plano de partilha das frações cabíveis ao cônjuge meeiro e sucessoras, assim como comprovação da qualificação do cônjuge da herdeira Cristiane Midori Schincaglia Cabrera.
A apelação busca a reforma da sentença, sustentando, inicialmente, que a qualificação do título deve se limitar ao exame das formalidades e aspectos extrínsecos do título, haja vista a necessidade de se respeitar a decisão proferida nos autos do processo de arrolamento/inventário e a autonomia da vontade das partes maiores e capazes. Ademais, sustenta que a partilha envolve imóvel financiado e que o plano de partilha homologado respeita os termos do financiamento do imóvel e as parcelas pagas na constância do casamento, acordo aprovado pelo magistrado. Por fim, alega que não há necessidade de constar a qualificação completa do cônjuge da herdeira Cristiane Midori Schincaglia Cabrera, pois o requerimento foi apresentado juntamente com a certidão de casamento, o que permite a qualificação completa conforme artigo 213, inciso I, alínea “g” da Lei 6.015/73. (fls. 115/122).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 158/162).
É o Relatório.
A apelação não merece provimento.
De acordo com os autos, o apelante apresentou para registro ao Oficial o formal de partilha extraído dos autos do arrolamento comum inventário e partilha de bens deixados pelo falecimento de Yoko Gibo Schincaglia, que tramitou perante a 5ª Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul (processo nº 1001076-30.2022.8.26.0565).
Apresentado e prenotado o título, o Oficial emitiu a seguinte nota devolutiva:
“A – Conforme R.3/44.709 o apartamento 131 da Torre 1 – Grês situado à rua São Jorge, 675 foi adquirido conjuntamente por José Luis Schincagloia e Yoko Gibo Schincaglia na proporção de 50% para cada um. A seguir, alienado fiduciariamente do HSBC Bank Brasil S.A. Banco Múltiplo conforme R.4 da mesma matrícula.
Isto posto:
1.- retificar a partilha para constar o inventário de 100% dos direitos sobre o imóvel, cabendo ao viúvo-meeiro 50% e a cada herdeira 25%, e não 34,84% dos direitos sobre o imóvel como constou.
Fundamento legal: Art. 1.245 do Código Civil.
2.- retificar a partilha para constar a qualificação completa do cônjuge da herdeira Cristiane Midori Schincaglia Cabrera.
Fundamento legal: Art. 176 da Lei 6.015/73”.
Nas razões recursais, a parte sustenta que seja preservada a vontade do viúvo e dos sucessores maiores e capazes no plano de partilha, em proporções e frações diferenciadas, em respeito ao montante das parcelas pagas do financiamento do imóvel por alienação fiduciária, na linha da jurisprudência a respeito do tema, considerando que o casal detinha apenas a propriedade resolúvel; que as prestações foram e estão sendo quitadas pelo cônjuge supérstite perante a Instituição Financeira, de modo que houve ajuste entre as partes para partilha do bem conforme a proposta homologada nos autos do arrolamento judicial e com amparo no artigo 22 da Lei 9.514/97.
A tese do apelante não pode ser acolhida.
Inicialmente, vale ressaltar que o Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional. Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e regras que regem a atividade registral. O caso trata de título e não de ordem judicial, de modo que não há como se sustentar descumprimento. Eventual recusa, portanto, não configura violação à coisa julgada ou descumprimento de decisão judicial.
De acordo com o R. 3 da Matrícula 44.709, a propriedade do imóvel está registrada em nome do casal José Luis Schincaglia e sua mulher Yoko Gibo Schincaglia (fl. 12). Não há indicação de frações diferenciadas, presumindo-se a atribuição de 50% do imóvel a cada cônjuge.
Conforme informações do Registrador, do registro nº 4, feito na matrícula 44.709, consta que o casal alienou fiduciariamente o imóvel ao HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo, para garantia do financiamento concedido para aquisição do imóvel.
Sendo assim, a propriedade do imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia é do apelante e de sua mulher, ainda que atribuída, fiduciariamente, à instituição financeira, conforme consta na matrícula, de modo que a partilha deve recair sobre o imóvel a partir do regime de bens adotado pelo casal, cada cônjuge com direito a 50% de todo o imóvel e a participar na mesma proporção sobre os frutos de futura e incerta alienação do bem.
E para garantir o cumprimento ao princípio da continuidade, dado o regime de bens e a meação atribuída ao cônjuge, inegável que o apelante passou a deter 50% sobre o imóvel e as herdeiras sucessoras 25% (artigos 1.829, I e 1.846 do Código Civil).
A propósito do princípio da continuidade, ensina Afrânio de Carvalho:
“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).
Decorre do princípio da continuidade o fato de que os dados constantes no título deve ser compatível com os dados inscritos na tábua registral (matrícula), daí porque correta a exigência que o título se compatibilize com a disponibilidade decorrente da titularidade do apelante sobre o bem em razão do regime de bens do casamento.
Admitir a atribuição de fração diferente dessa proporção só seria possível se comprovado negócio jurídico oneroso ou gratuito entre as partes, mediante o necessário recolhimento do imposto correspondente ao referido negócio (ITBI ou ITCMD), o que não consta ter ocorrido.
Daí o acerto da exigência apresentada pelo Oficial quanto à retificação do plano de partilha e a procedência da dúvida.
Quanto à exigência para apresentação da qualificação completa do cônjuge da herdeira Cristiane Midori Schincaglia Cabrera, afastado o risco de homonímia, há que se ponderar a possibilidade de mitigação da exigência, o que já foi autorizado em precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura.
Ainda que a qualificação completa das partes do negócio jurídico seja, em regra, imprescindível e as normas aplicáveis sejam aquelas em vigor ao tempo da qualificação do título, admissível certa mitigação ao princípio da especialidade subjetiva, que não pode ser considerado um fim em si mesmo, sob pena de denegar o que pretende proteger, que é a segurança jurídica, até porque a exigência foi satisfeita pela parte interessada quando do protocolo do título, o que é um contrassenso.
De todo modo, persiste o óbice quanto à necessidade de retificação do plano de partilha, o que leva à manutenção da qualificação negativa, tal como decidido.
Ante o exposto, pelo meu voto NEGO PROVIMENTO à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 03.06.2025 – SP)