CSM|SP: Direito registral – Dúvida inversa – Apelação – Escritura de venda e compra lavrada antes da vigência da lei n.6.015/73 – Única exigência impugnada: ausência de elementos de qualificação da parte compradora – Necessidade de complementação dos dados (RG e CPF) – Atendimento das demais exigências no curso do procedimento – Descrição insuficiente do imóvel, objeto de transcrição com marcos imprecisos e desfalques – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008398-55.2024.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante ROSELI LINO CORTEZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARRCA DE SÃO VICENTE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram o recurso de apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de maio de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1008398-55.2024.8.26.0590

Apelante: Roseli Lino Cortez

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Vicente

VOTO Nº 43.795

Direito registral – Dúvida inversa – Apelação – Escritura de venda e compra lavrada antes da vigência da lei n.6.015/73 – Única exigência impugnada: ausência de elementos de qualificação da parte compradora – Necessidade de complementação dos dados (RG e CPF) – Atendimento das demais exigências no curso do procedimento – Descrição insuficiente do imóvel, objeto de transcrição com marcos imprecisos e desfalques – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.

Caso em exame

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente dúvida inversa, mantendo óbice ao registro de escrituras de compra e venda apresentadas ao Oficial de Registro de Imóveis de São Vicente para regularização da propriedade de imóvel. A escritura de venda e compra lavrada em 1962 não contém indicação sobre os números dos documentos de RG e CPF dos compradores, os quais foram exigidos pelo Registrador. A descrição do imóvel, por sua vez, é imprecisa.

Questão em discussão

As questões em discussão consistem em saber se (i) é possível o registro do título sem os números de RG e CPF dos compradores, e (ii) se há necessidade de retificação da área maior em que inserido o objeto do negócio jurídico em atendimento ao princípio da especialidade objetiva.

Razões de decidir

A falta de impugnação de todas as exigências torna a dúvida prejudicada, o que não impede análise daquela questionada para orientação de futura prenotação. O cumprimento de exigências no curso do procedimento também não é admitido por implicar alteração do título. 4. O princípio da legalidade estrita rege o sistema registral e permite ao Oficial recusar títulos que não atendam os requisitos legais. 5. Escritura lavrada em 1962 não está sujeita às exigências da Lei de Registros Públicos, mas a falta de individuação do imóvel impede o registro por afronta ao princípio da especialidade objetiva.

Dispositivo e Tese

6. Recurso não conhecido.

Tese de julgamento:

“1. A falta de impugnação de todas as exigências torna a dúvida prejudicada, o que não impede análise daquela questionada para orientação de futura prenotação. O cumprimento de exigências no curso do procedimento também não é admitido por implicar alteração do título. 2. Escritura lavrada anteriormente à Lei de Registros Públicos não se submete às suas exigências, mas a falta de individuação do imóvel impede o registro (princípio da especialidade objetiva)”.

Legislação e jurisprudência citadas:

– Lei n. 8.935/1994, art. 28; Lei n. 6.015/73, arts. 106, 176, 225 e 236; Código Civil, art. 1.603.

– CSM, Apelação Cível n. 1010611-31.2022.8.26.0161,    Rel. Des. Fernando Torres Garcia, j. 29/06/2023; Apelação Cível n. 1045132-80.2021.8.26.0114, Rel. Des. Fernando Torres Garcia, j. 27/01/2023; Apelação Cível n. 1001900-32.2020.8.26.0541, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. 18/02/2021.

Trata-se de apelação interposta por Roseli Lino Cortez contra r. sentença que julgou procedente dúvida inversa, mantendo óbice ao registro de escrituras públicas de compra e venda apresentadas ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Vicente (fls.111/114).

A parte requerente suscitou dúvida, informando ser inventariante no processo de autos n.0009320-56.2000.8.26.0590, cujo objeto era a partilha dos bens deixados por Horácio Gonzaga Cortez e Olímpia Lino Cortez; que apresentou escritura de venda e compra lavrada em 21 de agosto de 1962 pelo 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de São Vicente, a qual aponta como vendedor João Francisco Bensdorp e como comprador Sebastião Martins Albuquerque; que recebeu nota devolutiva (fl.18), exigindo cópia de documento que contivesse o RG e o CPF de Sebastião Martins Albuquerque e qualificação completa de seu cônjuge, Diva da Silva Albuquerque; que não é possível saber se ambos eram cadastrados no antigo CIC, já que este documento foi criado em 1968 e sua emissão começou em 1970; que diligenciou perante diversos órgãos públicos a fim de obter as identificações requeridas, mas sem êxito; que as demais exigências elencadas na nota devolutiva puderam ser cumpridas; que as informações faltantes são sigilosas e só poderiam ser obtidas com autorização judicial, o que justifica a suscitação da dúvida. Requereu a expedição de ofício à Receita Federal e ao Instituto de Criminalística de São Paulo, com o objetivo de localizar os números de RG e CPF requisitados pelo Registrador, além de gratuidade processual (fls.01/05).

O Oficial manifestou-se às fls.34/37, indicando que a escritura pública, lavrada entre as partes João Francisco Bensdorp e Sebastião Martins Albuquerque, foi prenotada inicialmente sob o n.499.661, em 26 de outubro de 2021; que, diante da reapresentação daquela escritura e da escritura pública firmada entre Sebastião Martins Albuquerque e Horácio Gonzaga Cortez, ambas com o mesmo objeto, foram emitidas novas notas devolutivas (prenotações n.532.043 e 532.044, respectivamente – fls.23/24); que novos óbices foram apontados com vistas a atender os princípios da segurança jurídica, da continuidade, da especialidade subjetiva e da rogação; que é necessária a apresentação do espelho de IPTU ou da certidão do valor venal do imóvel transacionado para possibilitar a cobrança de emolumentos; que o registro da segunda escritura só será possível após o registro do título prenotado sob o n.532.043 e apresentação de documentos complementares (fls.34/37).

Visando atender as exigências complementares apontadas, a parte requerente trouxe novos documentos (fls.50/87).

A sentença do juízo de primeiro grau negou o registro do título em razão da insurgência parcial contra as exigências, bem como pelo cumprimento de parte delas no curso do procedimento.

Em suas razões de apelação (fls.120/126), a parte reiterou a impossibilidade de obter cópia do RG e CPF de Sebastião e Diva sem autorização judicial, alegando que a ausência do número de CPF não pode ser empecilho para registro de negócio jurídico aperfeiçoado em 1962 e que o pedido de encaminhamento de ofício a órgãos públicos foi ignorado, bem como impugnando todas as exigências formuladas pelo Oficial.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.152/154).

É o relatório.

De proêmio, é importante ressaltar que são incabíveis custas e honorários nesta via administrativa, pelo que não há por que se falar em gratuidade processual.

Vale ressaltar, também, que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No caso, o Oficial esclareceu que realizou uma primeira qualificação do título, prenotado inicialmente sob o n.499.661, em 26 de outubro de 2021, a qual deu origem à nota devolutiva de fl.18.

Após a suscitação da dúvida, o título, desta vez formado também pela escritura pública firmada entre Sebastião Martins Albuquerque e Horácio Gonzaga Cortez (prenotações n.532.043 e 532.044), foi reencaminhado à serventia em atendimento à decisão de fls.19, para comunicação ao Oficial da instauração do procedimento e recebimento de prenotação válida, momento em que nova qualificação foi feita, dando origem a notas devolutivas com exigências complementares (fls.34/37).

Note-se que, apesar de terem sido feitas exigências complementares à primeira qualificação, não houve infração disciplinar em razão de descumprimento do item 38, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Isso porque a primeira nota devolutiva, fl.18, já incluíra a impossibilidade de localização do registro correspondente ao imóvel nos arquivos da serventia, o qual teria possível origem no 3º RI de Santos:

“Trata-se de escritura de venda e compra de 21 de agosto de 1.962, lavrada pelo 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de São Vicente-SP, livro 7, fls. 86.

Foi realizada busca nos assentos desta Serventia, em relação ao TERRENO ENCRAVADO no fundo dos LOTES 5 e 6 da QUADRA 7 da VILA PEDRO DUARTE, no entanto não foi localizado registro correspondente ao imóvel em questão no indicador real desta Serventia.

Deste modo, se faz necessário apresentar a certidão do registro do imóvel acima citado, onde consta como proprietário JOÃO FRANCISCO BENSDORP.

Obs: Com base nas buscas realizadas nesta Serventia, verifica-se que os lotes 5 e 6 da quadra 7 da VILA PEDRO DUARTE, possui origem no 3º Oficial de Registro de Imóveis de Santos-SP.

Apresentar cópia autenticada de documento onde consta o RG    e CPF do adquirente SEBASTIÃO MARTINS ALBUQUERQUE.

Apresentar requerimento dirigido ao Oficial desta Serventia, assinado pela parte interessada, (c/ firma reconhecida), constando do mesmo a qualificação completa do cônjuge do adquirente SEBASTIÃO MARTINS ALBUQUERQUE (nacionalidade, profissão RG, CPF e domicílio). Este requerimento deve ser apresentado com cópias autenticadas dos documentos que comprovem referidas qualificações, incluindo certidão de casamento atualizada. Na certidão de casamento, deverá constar o regime de bens adotado.

Apresentar GUIA DO ITBI devidamente recolhido”.

Assim, somente após a apresentação das certidões relativas às transcrições n.30.734 e n.34.547 do 1º Registro de Imóveis de Santos (fls.69/77), seria possível a identificação de novos fatores que impediriam o registro do título.

A apelação, no entanto, não deve ser conhecida, pois a dúvida está prejudicada.

Vejamos os motivos.

Em face da nota devolutiva acima transcrita e após esgotar as tentativas de obtenção dos números de RG e CPF de Sebastião Martins Albuquerque e Diva da Silva Albuquerque junto a diversos órgãos da Administração Pública, a parte apelante suscitou dúvida, impugnando apenas a exigência relativa à complementação da qualificação da parte compradora.

A ausência de insurgência contra uma ou mais exigências registrárias ou mesmo a anuência com qualquer delas prejudica a dúvida, que só admite duas soluções: a) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissensão entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou b) manutenção da recusa do Oficial.

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS DECORRENTES DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS ÓBICES REGISTRÁRIOS. DÚVIDA PREJUDICADA. RECURSO NÃO CONHECIDO” (TJSP; Apelação Cível 1010611-31.2022.8.26.0161; Rel. Des. Fernando Torres Garcia, Corregedor Geral; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Diadema – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/06/2023; Data de Registro: 11/07/2023).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO – AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA ESPECIFICADA DOS ÓBICES REGISTRÁRIOS – DÚVIDA PREJUDICADA – APELO NÃO CONHECIDO” (TJSP; Apelação Cível 1045132-80.2021.8.26.0114: Rel. Des. FERNANDO TORRES GARCIA, Corregedor Geral; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Campinas – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/1/2023; Data de Registro: 2/2/2023).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Irresignação parcial – Dúvida – Apelação interposta que impugnou apenas parte das exigências – Dúvida prejudicada Recurso não conhecido” (TJSP; Apelação Cível 1001900-32.2020.8.26.0541; Rel. Des. RICARDO ANAFE, Corregedor Geral; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santa Fé do Sul – Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 18/2/2021; Data de Registro: 5/3/2021).

Não bastasse isso, a parte, ao suscitar a dúvida e apresentar novamente o título composto pelas escrituras públicas de compra e venda, cujo registro foi negado mediante apresentação de novas exigências (fls.34/37), passou a cumpri-las ao longo deste procedimento, o que também não é admitido.

Como se sabe, no curso de dúvida, não se pode alterar o título apresentado para cumprimento de exigência (item 39.5.1, Capítulo XX, das NSCGJ):

“39.5.1. No curso da dúvida não será possível a alteração do título apresentado para registro, visando atender exigência formulada pelo Oficial”.

A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento no curso da dúvida ou de recurso contra decisão nela proferida prejudica-a:

“A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (Apelação Cível n.º 220.6/6-00).

Nada impede, porém, que se analise a exigência impugnada para orientação de futura prenotação.

No caso concreto, o título apresentado consiste em escritura de venda e compra lavrada em 21 de agosto de 1962 pelo 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de São Vicente, cujo objeto é “UM TERRENO encravado nos fundos dos lotes 5 e 6 da quadra 7 da Vila Pedro Duarte (…)” e que aponta como vendedor João Francisco Bensdorp e como comprador Sebastião Martins Albuquerque (fls.12/17).

A certidão de óbito de Sebastião Martins Albuquerque, fls.10/11, indica que estava casado com Diva da Silva Albuquerque no momento de seu falecimento.

A irresignação da parte apelante diz respeito à impossibilidade de localização dos números de RG e CPF de Sebastião e Diva.

A atual Lei de Registros Públicos entrou em vigor em janeiro de 1976, disciplinando em seu artigo 176 a matrícula dos imóveis, bem como o registro e as averbações dos atos relacionados no artigo 167.

O artigo 176, § 1º, III, item 2, alínea “a”, da LRP, exige a completa qualificação do adquirente no registro do imóvel, com indicação do número no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou no Registro Geral de Identidade ou, à falta deste, de sua filiação:

“O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas: (…)

III – são requisitos do registro no Livro nº 2: (…) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como: tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação”.

Assim também prevê o item 61 do Cap. XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“61. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977”.

Em contrapartida, o §2º do artigo 176 da LRP dispõe:

“§ 2º Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior”.

Desta forma, em razão de a escritura pública ter sido lavrada em 1962, ou seja, antes da vigência da atual Lei de Registros Públicos, as exigências do artigo 176 podem ser dispensadas.

Ademais, para casos de dificuldade na obtenção de dados personalíssimos das partes que firmaram a escritura pública de venda e compra, como no caso em tela, a regra do artigo 176, § 1º, inciso III, item 2, alínea “a”, da Lei de Registros Públicos, traz um abrandamento da interpretação do princípio da especialidade subjetiva ao admitir que, na falta dos números de RG e CPF, o adquirente seja qualificado por sua filiação.

A filiação, por sua vez, é provada pela certidão do assento de nascimento registrado no Registro Civil, podendo-se admitir certidões de casamento e óbito, cujos registros são integrados ao de nascimento, conforme dispõem os artigos 1.603 do Código Civil e 106 da Lei de Registros Públicos.

Assim, uma vez apresentada qualquer uma das certidões mencionadas e comprovada a impossibilidade de obtenção dos documentos pela parte, igualmente possível o afastamento da exigência, vez que a própria Lei de Registros Públicos mitiga o princípio da especialidade subjetiva.

Vale ressaltar que os documentos apresentados no curso deste procedimento, fls.50/87, deverão ser objeto de novo protocolo perante o Registro de Imóveis de São Vicente, para nova qualificação.

Vale ressaltar, ainda, que, conforme apontado na nota devolutiva complementar (prenotação n.532.043), o registro originário possui descrição precária e não encontra perfeita correspondência com o objeto da compra e venda que se pretende registrar:

“1) Em consulta aos indicadores reais desta Serventia foram encontradas várias referências a imóveis constituídos/situados sobre os lotes nºs 5 e 6, da quadra nº 7, da Vila Pedro Duarte. É dizer, os terrenos inicialmente constantes das transcrições foram objetos de destaques não possibilitando, neste momento, a sua plena identificação, a qual apenas poderá ser realizada se previamente o interessado promover a retificação de área/apuração de remanescente dos terrenos (art. 213, II, da Lei 6.016/73).

A ausência desta especialização ofende diretamente o princípio da especialidade objetiva que impossibilita o registro da escritura nos moldes pretendidos (…)”.

O artigo 176, § 1º, inciso II, item 3, b, da Lei n.6.015/73, estabelece que:

“Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas: (…)

II – são requisitos da matrícula: (…)

a – identificação do imóvel, que    será feita com indicação: (…)

b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver”.

Na forma do artigo 236 da mesma lei, “nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado”.

Como o imóvel a que se refere o título apresentado ainda é objeto de transcrição, para seu registro, há necessidade de abertura de matrícula, o que envolve o cumprimento dos requisitos legais.

Não se ignora que a escritura remonta à década de 60, época em que não havia o rigor legal de hoje quanto à precisão do conteúdo do ato de registro, o que explica o motivo dos descompassos quando comparada com a descrição tabular.

Ciente desta circunstância, o legislador, ao editar a Lei n. 6.015/73, previu a regra de transição disposta no § 2º do art. 176, já mencionada.

Não se ignora, ainda, o disposto no § 15 do artigo 176 da Lei n. 6.015/73, segundo o qual:

“ainda que ausentes alguns elementos de especialidade objetiva ou subjetiva, desde que haja segurança quanto à localização e à identificação do imóvel, a critério do oficial, e que constem os dados do registro anterior, a matrícula poderá ser aberta nos termos do § 14 deste artigo”.

Contudo, a flexibilização legal somente se opera quando há segurança quanto à localização e à identificação do imóvel à vista dos dados do registro anterior, sob pena de ofensa à segurança jurídica que se espera do sistema.

A certidão expedida pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de Santos descreve os imóveis objeto das transcrições n.30.734 e 34.547, os quais fizeram parte do loteamento Vila Pedro Duarte, e relata, ainda, que “a contar do ano de 1.926 até 6 de fevereiro de 1.939 (data da instalação do 3º Oficial de Registro de Imóveis), deles não constam que, JOÃO FRANCISCO BENSDORP e sua mulher MARIA DAS DORES BENSDORP, hajam alienado o LOTE Nº.05, da QUADRA Nº.07, do loteamento denominado VILA PEDRO DUARTE, no Município de São Vicente (…), o qual de acordo com a planta assim se descreve: “mede 10,00 ms de frente para a Avenida Motta Lima, igual metragem na linha de fundos, por 42,00 ms da frente aos fundos de ambos os lados, perfazendo a área de 420,00 m²; confrontando pela frente com a mencionada Avenida, de um lado com o lote 06, de outro lado com a Rua Quarta e nos fundos com o lote 04” (fl.75).

Por sua vez, a parcela adquirida por Sebastião Martins Albuquerque, fls.12/17, é descrita como “terreno encravado nos fundos dos lotes 5 e 6 da quadra 7 da Vila Pedro Duarte, medindo 9,00 metros de frente para a rua Quarta; 17,40 metros do lado da Avenida Projetada, com a qual faz esquina; 15,00 metros do lado que confronta com os lotes 5 e 6 e 0 metro nos fundos, com a área de 73,00ms2, mais ou menos (…)”.

No caso concreto, o Oficial já evidenciou que, pela divergência entre os dados constantes na transcrição, notadamente pelos inúmeros desfalques sofridos, e os dados do título, não se pode ter certeza quanto à individuação do bem, o que confirma a necessidade de retificação da área maior em que inserido.

A transcrição é o retrato de uma época, mas os sucessivos desfalques exigem que previamente se apure o remanescente para que se possa saber com um mínimo de segurança:

a) se o título que se pretende registrar se encontra na força da transcrição original; b) caso positivo, onde se situa dentro da transcrição e qual a descrição da área remanescente.

Sem tal providência, controle efetivo da disponibilidade e da especialidade na transcrição de origem é impossível.

O registro pretendido, portanto, não pode ser admitido (artigo 225, § 2º, da Lei de Registros Públicos):

“Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”.

O processo registral envolve a coordenação entre o que já consta do registro e o que é apresentado a ingresso. As regras relativas ao princípio da especialidade “impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior, sendo necessário que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro. Quando se tratar, por exemplo, de alienação de parte de um imóvel, necessário será que a descrição da parte permita localizá-la no todo e, ao mesmo tempo, contenha todos os elementos necessários à abertura da matrícula (conf. Jorge de Seabra Magalhães, ob. cit., p. 63)” (Narciso Orlandi Neto, Retificação do registro de imóveis, São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p. 68).

Dizendo de outro modo, ingresso imediato não é mesmo possível pela falta das medidas perimetrais e da área superficial do terreno da área maior remanescente em que inserido o imóvel objeto da escritura, o qual, com isso, também não tem descrição completa. Falta indicação de marcos seguros que permitam levantar de onde será destacado o imóvel em questão, sob pena de ofensa aos princípios da especialidade objetiva e da disponibilidade.

Importante reiterar que tais princípios visam garantir a segurança jurídica dos registros públicos, evitando sobreposição de áreas ou incertezas quanto à titularidade e às dimensões do imóvel.

Por isso mesmo, o imóvel deve estar perfeitamente descrito de modo a permitir sua exata localização e individualização, sem se confundir com qualquer outro.

Não basta, por certo, a indicação das medidas perimetrais e da área do imóvel em escritura de compra e venda. É que sem apuração da área remanescente em que inserido não é possível assegurar que a parte disponível coincide com o imóvel descrito no título, em todas as suas características.

Observa-se, por fim, que a certidão de fls.84/85 faz menção à Lei Complementar n.90/95 do Município de São Vicente, a qual facilitou a regularização de construção, reforma, ampliação ou acréscimo de alvenaria, não se debruçando sobre assuntos fundiários, tampouco contendo qualquer disposição sobre terrenos, o que contribui para a caracterização das irregularidades ora apontadas.

Desta forma, para a própria segurança do registro imobiliário e dos efeitos dele irradiados e com a finalidade de se preservar a especialidade registrária, sem retificação prévia da área maior (apuração da descrição do imóvel remanescente das transcrições n.30.734 e 34.547, com indicação de área e limites atuais), inviável a inscrição de novo título na tábua registral, com abertura de matrícula.

Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço o recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 03.06.2025 – SP)