CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de compra e venda – Vaga de garagem – Alienação a pessoa estranha ao condomínio – Ausência de autorização expressa na convenção condominial – Proibição legal (art. 1.331, § 1º, do CC) – Indisponibilidade de bens – Necessidade de cancelamento prévio na matrícula – Escritura desqualificada – Dúvida procedente – Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007743-64.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante BERGEN INCORPORACAO LTDA, é apelado 6º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1007743-64.2025.8.26.0100
APELANTE: Bergen Incorporacao Ltda
APELADO: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – SP n/p oficial Rafael R. Gruber
VOTO Nº 43.788
Procedimento de Dúvida Registrária – Apelação – Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve o óbice ao registro de escritura pública de compra e venda de vaga de garagem em condomínio edilício.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar: (i) a possibilidade de registro de escritura de compra e venda de vaga de garagem a pessoas estranhas ao condomínio, sem autorização expressa na convenção de condomínio; (ii) a validade da ordem de indisponibilidade de bens averbada na matrícula, mesmo após decisão judicial transitada em julgado autorizando seu cancelamento.
III. Razões de Decidir
3. No caso, a convenção de condomínio proíbe a alienação de vagas de garagem a pessoas não residentes no condomínio, assim como o uso delas.
4. A ordem de indisponibilidade devidamente inscrita impede o registro da alienação voluntária do bem até seu cancelamento efetivo na matrícula.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A alienação de vagas de garagem a pessoas estranhas ao condomínio é proibida sem autorização expressa na convenção. 2. A ordem de indisponibilidade impede o registro da escritura de compra e venda até seu cancelamento na matrícula.
Legislação Citada:
– Código Civil, art. 1.331, § 1º.
Trata-se de apelação interposta por Bergen Incorporação Ltda. contra a r. sentença de fls. 80/87, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 6º Registro de Imóveis da Capital, que, em suscitação de dúvida, manteve o óbice ao registro de escritura pública de compra e venda na matrícula nº 192.443 daquela serventia.
Defende a recorrente, em síntese, que a negativa do registro “obstrui o fluxo natural das operações imobiliárias e a livre disposição da propriedade” (fls. 96) e que a ordem de indisponibilidade constante na matrícula não pode produzir efeitos, uma vez que seu cancelamento foi autorizado por decisão judicial transitada em julgado.
Pede, ao final, a reforma da sentença de primeiro grau, julgando-se a dúvida improcedente (fls. 93/100).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 123/127).
É o relatório.
A ora apelante apresentou no 6º Registro de Imóveis da Capital escritura pública de compra e venda de vaga de garagem localizada no “Condomínio Vila de Bragança”. Por meio dela, Bergen Incorporação Ltda. alienou referido bem, matriculado sob nº 192.443, a Álvaro Simões e Maria Bemvinda Teixeira da Costa Simões. Tanto o Oficial como a MM. Juíza Corregedora Permanente – essa posteriormente, em procedimento de dúvida – recusaram o registro da escritura de compra e venda por dois motivos: a) os adquirentes mencionados na escritura não constam como proprietários de uma unidade autônoma no condomínio onde a vaga de garagem está localizada; b) existência de ordem de indisponibilidade de bens em desfavor da Bergen Incorporação Ltda., averbada na matrícula nº 192.443.
E ambas as exigências estão corretas. Preceitua o § 1º do art. 1.331 do Código Civil:
“Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio“
O dispositivo legal é bastante claro: sem autorização expressa na convenção de condomínio, nos edifícios em que as unidades autônomas são apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, os abrigos de veículo não podem ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio.
Por sua vez, a convenção de condomínio do empreendimento em que a garagem objeto de alienação se localiza trata do tema de forma expressa, conforme transcrição feita pelo Oficial a fls. 3/4:
““1.3 Para efeitos desta Convenção, o condomínio edilício será regido pelas seguintes condições gerais:
a) – as unidades condominiais têm destinação “residência”;
a.1) as vagas de garagem somente podem ser utilizadas por condômino residente no condomínio, ficando vedada a locação ou comodato por terceiro não residente no próprio “CONDOMÍNIO”.
“10.8 As vagas de garagem somente poderão, ser utilizadas por condômino residente no CONDOMÍNIO, vedada a locação ou comodato a terceiro não residente no próprio Condomínio”” (fls. 3/4).
Não havendo autorização expressa na convenção de condomínio, vale a regra geral estabelecida pelo Código Civil, isto é, a alienação de vaga de garagem a pessoas estranhas ao condomínio é proibida.
E essa alienação vedada foi exatamente o que ocorreu no caso dos autos, pois de acordo com a matrícula nº 192.410 (fls. 50/53), Álvaro Simões e Maria Bemvinda Teixeira da Costa Simões foram proprietários de unidade autônoma no “Condomínio Vila de Bragança” até 5 de dezembro de 2023, data em que venderam o apartamento nº 241 do “Bloco 2 – Torre de Gaia” a Silvana Miniuchi Tonucci e Nathan Miniuchi Tonucci (cf. R. 10 da matrícula nº 192.410 – fls. 53).
Como os compradores da vaga de garagem se tornaram estranhos ao condomínio, inviável o registro da escritura copiada a fls. 8/13.
E pouco importa que Álvaro Simões e Maria Bemvinda Teixeira da Costa Simões ainda sejam proprietários de outras vagas de garagem no condomínio (fls. 62/65, 66/69 e 70/73).
Isso porque a alienação do apartamento tornou Álvaro Simões e Maria Bemvinda Teixeira da Costa Simões estranhos ao condomínio, mesmo que tenham permanecido proprietários de vagas de garagem no mesmo local (fls. 62/65, 66/69 e 70/73). Pessoa estranha ao condomínio é aquela que não é titular nem de direitos reais nem de direitos pessoais que impliquem posse ou uso de unidade autônoma principal[1]. A legitimidade do interessado na aquisição da vaga de garagem, portanto, advém de sua condição de proprietário do bem principal, não do acessório.
Aliás, a convenção de condomínio acima transcrita deixa bastante claro que as vagas de garagem do empreendimento são de uso exclusivo dos condôminos residentes no condomínio, o que aparentemente não é o caso dos adquirentes.
Se a providência esperada para sanar a irregularidade é justamente a alienação das vagas que já pertencem a Álvaro Simões e Maria Bemvinda Teixeira da Costa Simões, uma vez que a convenção veda o uso delas por pessoa não residente no condomínio, não faria sentido permitir que Álvaro e Maria adquirissem novas vagas de garagem no mesmo edifício.
Se não bastasse o fato de os adquirentes não serem proprietários de unidade autônoma no condomínio, a averbação de indisponibilidade do bem em desfavor da vendedora também impede o registro do título.
Consoante Av.3 da matrícula da vaga de garagem objeto da escritura de compra e venda (matrícula nº 192.443), os bens de Bergen Incorporação Ltda. tornaram-se indisponíveis por ordem da 5ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, conforme protocolo datado de 8 de maio de 2019 da Central de Indisponibilidade – ARISP (fls. 28).
Não se tratando de alienação judicial de imóvel – exceção que permite a inscrição do título mesmo com inscrição de indisponibilidade (item 413 do Capítulo XX das NSCGJ[2]) – correta a desqualificação da escritura também por esse motivo.
Nem se argumente que a ordem de indisponibilidade averbada na matrícula foi cancelada por decisão judicial transitada em julgado.
Ora, a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) tem por objetivo unificar e tornar objetiva a consulta efetuada pelos registradores. O cancelamento da indisponibilidade prova-se por meio da averbação correspondente na matrícula do imóvel. Ainda que cancelada por decisão judicial transitada em julgado, a ordem de indisponibilidade seguirá impedindo novas alienações até seu efetivo cancelamento na matrícula. Em outras palavras: não é dado ao registrador avaliar por outros meios de prova se indisponibilidade ativa permanece produzindo efeitos.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Nesse sentido, Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406 de 10.01.2002/coordenador Cezar Peluso. – 11. Ed. Rev. e atual. – Barueri, SP : Manole, 2017, p. 1.269
[2] 413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ n.º 39/2014 e na forma do § 1.º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel. ]
(DJe de 03.06.2025 – SP)