CSM|SP: Registro de Imóveis – Apelação Cível – Escritura pública de compra e venda – Recusa de registro fundada em indisponibilidades em nome de terceiros (cedentes intermediários) – Indisponibilidades supervenientes às cessões contratuais e não averbadas na matrícula – Proprietária tabular com legitimidade para dispor do imóvel – Requisitos registrais atendidos – Princípios da disponibilidade registral, do trato sucessivo e do tempus regit actum – Recurso provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001678-39.2024.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que é apelante VILLAGIO 020102 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de venda e compra de fls. 16/21 na matrícula nº 102.984 do Registro de Imóveis de Americana, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001678-39.2024.8.26.0019
Apelante: Villagio 020102 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Americana
VOTO Nº 43.786
Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Recurso provido.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve o óbice ao registro de escritura pública de compra e venda, devido a indisponibilidades em nome de terceiros.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se as indisponibilidades em nome de terceiros impedem o registro da escritura pública de compra e venda.
III. Razões de Decidir
3. As indisponibilidades não afetam a legitimidade da vendedora para dispor do imóvel, pois não lhe dizem respeito nem estavam averbadas na matrícula.
4. As ordens de indisponibilidade são supervenientes à cessão contratual intermediária realizada em 2016, não afetando a aptidão registral do título aquisitivo.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido.
Tese de julgamento: 1. As indisponibilidades supervenientes à cessão de direitos não impedem o registro da escritura pública de compra e venda. 2. A exigência de cancelamento das indisponibilidades para registro deve ser afastada.
Jurisprudência Citada:
– Apelação nº 0043598-78.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013.
Trata-se de apelação interposta por Villagio 020102 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. contra a r. sentença de fls. 66/69, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis de Americana, que, em suscitação de dúvida, manteve o óbice ao registro de escritura pública de compra e venda na matrícula nº 102.984 daquela serventia.
Defende a recorrente, em síntese, que que as indisponibilidades em nome de Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli, terceiros em relação à compra e venda, não obstam o registro da escritura pública correspondente. Pede, ao final, a reforma da sentença de primeiro grau, julgando-se a dúvida improcedente (fls. 75/88).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 126/128).
É o relatório.
Caso idêntico, também de Americana, envolvendo a mesma parte e relativo a imóvel cujo número de matrícula antecede imediatamente a matrícula do bem ora analisado (matrículas nºs 102.983 e 102.984), foi julgado por este Conselho Superior da Magistratura em 10 de outubro de 2024 (autos nº 1001677-54.2024.8.26.0019). Em votação unânime, decidiu-se que, não obstante as indisponibilidades, o registro da escritura era possível, precedente que será observado no julgamento do presente feito.
O dissenso versa a respeito da registrabilidade da escritura pública de venda e compra de fls. 16/21, lavrada no dia 6 de outubro de 2023, contrato ajustado entre a proprietária tabular, a vendedora Anagro Agropecuária Ltda, e a suscitada/recorrente, então adquirente do bem imóvel identificado na matrícula n.º 102.984 do RI de Americana.
O Oficial, ao suscitar a dúvida, condicionou o registro ao cancelamento das indisponibilidades em nome de Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli (fls. 1/5), ambos indicados, na escritura, ao lado de outros terceiros, como cedentes de direitos.
As indisponibilidades arroladas pelo Oficial não atingem a situação jurídica da vendedora, pessoa em nome de quem registrado o imóvel, quer dizer, não afetam sua legitimidade para dele dispor; sob outro prisma, em atenção ao histórico negocial detalhado no título, inexistiam ao tempo da cessão de direitos concluída pelos cedentes Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli.
Considerada a realidade tabular, enfim, as condições registrais vigentes por ocasião da prenotação, as ordens judiciais de indisponibilidade, não averbadas na matrícula nº 102.984 do RI de Americana, estranhas à proprietária tabular, não obstam a inscrição constitutiva pretendida, que está em conformidade com o princípio do trato sucessivo e a disponibilidade registral (tabular).
O registro requerido tem respaldo na titularidade de direito inscrita na matrícula, preservando a integridade da cadeia de titularidade de direitos reais; por outro lado, a aptidão registral do título aquisitivo não é afetada pelas indisponibilidades enumeradas pelo Oficial, desprovidas de força, in concreto, para obstar o acesso da escritura de venda e compra ao álbum imobiliário.
Ao outorgar a escritura pública de venda e compra, a proprietária tabular, retendo, à época, um domínio formal, conservando uma propriedade nua, vazia, apenas cumpriu um dever seu, escorada em sua titularidade formal e em sua autonomia privada, não alcançada pelos comandos de indisponibilidade.
O título formaliza um negócio jurídico vinculado, devido, “o negócio jurídico é, aí, pagamento“[1], e sua inscrição realiza o princípio da segurança jurídica, concorrendo para a estabilização das relações jurídicas; ajusta-se, ademais, ao princípio tempus regit actum, conforma- se com a legislação vigente e as normas registrais; ao tempo da prenotação, não havia obstáculos ao registro.
Negócios jurídicos extrínsecos ao registro, então alheios à matrícula, extratabulares, em particular, aqui, as cessões de posições contratuais mencionadas na escritura de venda e compra, cessões intermediárias, lá descritas apenas para contextualizar a cadeia de sucessões, e melhor justificar a outorga do título, não se prestam, na hipótese vertente, a bloquear o registro.
O controle dessas cessões, não levadas a registro, não submetidas à qualificação registral, não compete ao Oficial. No que interessa, apenas se, à luz da cadeia de transmissões extratabulares no título exposta em perspectiva histórica, apurasse, em consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, cessões contratuais contrárias às ordens de indisponibilidades, caber-lhe-ia recusar o registro, no entanto, caso tivessem sido decretadas anteriormente aos negócios jurídicos dispositivos que as afrontariam.
Prevalece, nessa situação, relacionada a títulos não enviados a registro, abordados en passant, circunstancialmente, apenas para revelar a cadeia de transmissões, a diretriz tempus regit factum. Assim, sobre o tema, ajusta-se a compreensão deste C. Conselho Superior da Magistratura, expressa, originariamente, na Apelação nº 0043598-78.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013, para limitar o controle registral da disponibilidade, em relação às cessões contratuais intermediárias não levadas a registro, que deve considerar as datas das contratações, e não a da prenotação.
Ocorre que as ordens listadas na nota devolutiva são, todas, supervenientes à cessão e transferência de direitos e obrigações aperfeiçoada entre, de um lado, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli (aqueles a quem se referem as ordens de indisponibilidade) e, de outro, Rodrigo Mascarenhas Machado e Helen Ostan dos Santos Machado.
Trata-se de negócio jurídico datado de 13 de maio de 2016, antecedido pela promessa de venda e compra que pactuaram, no dia 22 de novembro de 2012, com a vendedora, proprietária tabular, e sucedido pelas cessões contratuais ajustadas (por Rodrigo Mascarenhas Machado e Helen Ostan dos Santos Machado) com a LTB Incorporadora de Imóveis Ltda., no dia 6 de abril de 2017, e por esta, em 8 de agosto de 2023, com a suscitada/recorrente.
Já as indisponibilidades nºs 202108.2611.00923608-IA-220, 202108.2611.00923614-IA-700, 202003.0210.01078426-IA-220, 202004.2910.01131911-IA-070 e 202311.1614.03035652-IA-190, então relativas, as duas primeiras, ao processo nº 1004081-59.2016.8.26.0019, as outras duas, ao processo nº 1012324-95.2016.8.26.0114, e, a última, ao processo nº 0010070-33.2020.5.15.0099, foram todas comandadas a partir de 2019.
Nessa senda, ao cederem os seus direitos sobre o bem imóvel descrito na matrícula nº 102.984 do RI de Americana, no ano de 2016, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli não estavam privados do poder (da faculdade) de alienação, não lhes faltava legitimidade, legitimação, esta entendida, conforme escólio de Antonio Junqueira de Azevedo, como poder de dispor, “uma condição de eficácia dos negócios de disposição[2]“.
Titulares dos direitos cedidos, deles, ao tempo da cessão contratual, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli podiam dispor, portanto, a exigência apresentada pelo Oficial, condicionando o registro da escritura pública de venda e compra ao cancelamento das indisponibilidades, deve ser afastada.
Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de venda e compra de fls. 16/21 na matrícula nº 102.984 do Registro de Imóveis de Americana.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Antonio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico e declaração negocial: noções gerais e formação da declaração negocial. Tese de titularidade – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986, p. 218-219.
[2] Negócio jurídico e declaração negocial …, op. cit., p. 155-157.
(DJe de 03.06.2025 – SP)