CSM|SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Carta de sentença extraída de inventário – Inventário conjunto de várias pessoas de uma mesma família – Ausência de comoriência – Transmissão diretamente aos netos – Ausência de transmissão avoenga – Modalidade de sucessão por transmissão – Descendentes de primeiro grau pós mortos, e não pré-mortos – Inobservância da continuidade e disponibilidade da sucessão – Qualificação negativa mantida – Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008942-57.2023.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante SEBASTIANA APARECIDA FIDÉLIS RIBEIRO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 19 de setembro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça
Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1008942-57.2023.8.26.0047
APELANTE: Sebastiana Aparecida Fidélis Ribeiro
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis
VOTO Nº 43.568
Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Carta de sentença extraída de inventário – Inventário conjunto de várias pessoas de uma mesma família – Ausência de comoriência – Transmissão diretamente aos netos – Ausência de transmissão avoenga – Modalidade de sucessão por transmissão – Descendentes de primeiro grau pós mortos, e não pré-mortos – Inobservância da continuidade e disponibilidade da sucessão – Qualificação negativa mantida – Apelação improvida.
Cuida-se de apelação interposta por Sebastiana Aparecida Fidelis em face da r.sentença de fls. 530/533, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Assis, que em procedimento de dúvida manteve a negativa de registro de carta de sentença extraída dos autos do inventário dos bens deixados pelo falecimento de José Fidelis Pereira (processo nº 1009352-96.2015.8.26.0047), processado perante a Vara da Família e Sucessões de Assis, por entender configurada a ofensa ao princípio da continuidade registral em razão da partilha per saltum.
O recurso busca a reforma da sentença, com o ingresso do título ao fólio real, tratando-se de único imóvel objeto da partilha.
Sustenta a apelante que não está configurada a partilha per saltum, pois embora tenha sido realizado um único inventário, a partilha foi feita em observância ao Código Civil, com a atribuição do quinhão aos filhos e o mesmo quinhão transferido aos netos, por continuidade da sucessão.
Além disso, foram recolhidos os ITCMDS referentes a cada partilha, o que afasta prejuízo ao erário, além de realizada sobrepartilha (processo nº 1003207-87.2016.8.26.0047) do quinhão pertencente à Donária Pereira de Souza, sendo o plano de partilha aprovado pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Família, entendendo como corretas as partilhas feitas de forma cumulativa (fls. 537/548).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 574/577).
É o relatório.
A apelação não merece provimento, mostrando-se correta a qualificação negativa apresentada pelo Registrador.
A apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis Carta de Sentença extraída dos Autos do Inventário e Partilha dos bens deixados por José Fidelis Pereira, processo nº 1009352-96.2015.8.26.0047, da Vara da Família e Sucessões da Comarca de Assis, tendo por objeto o imóvel da transcrição nº 13.990.
O título foi prenotado sob nº 253.649, apresentada nota de devolução com o seguinte teor:
“Verifica-se que consta do plano de partilha homologado, que o imóvel objeto da Transcrição n.° 13.990, do livro 3-AL, foi partilhado a favor dos herdeiros filhos e herdeiros netos de José Fidelis Pereira. No entanto, verifica-se que o autor da herança faleceu em 21/12/1975, e que posteriormente faleceram seus filhos Natalino Fidelix Pereira, falecido em 14/03/2012, Donária Pereira de Souza, falecida em 16/06/2015, Valdete Alves de Souza, falecida em 06/09/2010, josé Fidelis Filho, falecido em 05/03/2003, ou seja, à época do falecimento do autor da herança José Fidelis Pereira, seus filhos acima referidos não haviam falecido.
No presente caso há várias transmissões: a primeira, referente ao falecimento de José Fidelis Pereira, ocorrido em 21/12/1975, e as demais referente a cada herdeiro filho falecido posteriormente ao pai.
O art. 672 do CPC permite que seja feito o inventário conjunto quando há identidade de pessoas entre as quais devam ser repartidos os bens, bem como havendo dependência de uma partilha em relação à outras. Contudo, devem serem feitas tantas partilhas, sucessivas e sequenciais, quanto necessárias.
Neste sentido, foram as decisões a seguir selecionadas:
CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 1023686-87.2021.8.26.0577 LOCALIDADE: São José dos Campos – DATA DE JULGAMENTO:15/12/2023 DATA DJ: 13/03/2023 Registro de imóveis – dúvida julgada procedente formal de partilha extraído de inventário conjunto – ofensa ao princípio da continuidade- bens que devem ser paulatinamente partilhados – necessidade de aditamento do título para constar dois planos de partilha – recurso a que se nega provimento. CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 1019035-22.2020.8.26.0100 LOCALIDADE: São Paulo – DATA DE JULGAMENTO: 20/10/2021- DATA DJ: 26/01/2022
Registro de Imóveis – apelação – dúvida – negativa de registro de formal de partilha expedido em inventário conjunto – ausência de menção à meação do cônjuge supérstite – acerto do óbice registrário – meação que integra a comunhão – indivisibilidade – necessidade de partilha – comprovação de pagamento do ITCMD – necessidade de apresentação de certidão de homologação pela fazenda estadual – óbice mantido – recurso não provido.
Deste modo, considerando as datas dos falecimentos, o quinhão deverá ser pago diretamente aos filhos José Fidelis Pereira e não aos netos, bem como deverá constar a qualificação completa dos mesmos, nos termos do artigo 176, §1°, III, 2, a, da Lei n.° 6.015/73 (Registros Públicos).”
Os fundamentos invocados na apelação não conseguem afastar o óbice levantado pelo Registrador.
Ressalte-se que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”
Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. O E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
A leitura da carta de sentença deixa claro que no caso em questão houve a cumulação de inventários na forma do artigo 672 do Código Civil.
Muito embora a legislação processual permita a cumulação de inventários para partilha de heranças de pessoas diversas (artigo 672 do CPC), as sucessões devem ser feitas corretamente e de modo individualizado, com a declaração e o pagamento dos tributos devidos para cada hipótese de incidência prevista em lei.
Como bem observou o Oficial, no caso em exame há várias sucessões: a primeira, referente ao falecimento de José Fidelis Pereira, ocorrido em 21.12.1975, e as demais referentes a cada herdeiro filho falecido posteriormente ao pai. Ao tempo do falecimento do pai, os filhos José Fidelis Filho, Valdete Alves de Souza, Natalino Fidelix Pereira e Donária Pereira de Souza eram vivos e vieram a falecer em 05.03.2003, 06.09.2010, 14.03.2012 e 16.06.2015, respectivamente.
Assim, tratando-se de inventário conjunto de bens deixados por pessoas falecidas, da mesma família, em datas diversas, imprescindível que a partilha se realizasse de forma distinta, sucessiva e sequencial, o que não foi observado no título apresentado para qualificação. Em outros termos: os bens do espólio deveriam ter sido sucessivamente partilhados conforme a ordem de falecimentos, de acordo com a disponibilidade e quinhão atribuído a cada sucessor, ressalvadas hipóteses de comoriência, o que, contudo, não ocorreu no caso concreto.
Dizendo de outro modo, o processamento de inventário conjunto é figura de direito processual, que permite em um só feito o processamento de diversas sucessões. Evita a abertura de um inventário para cada morte de herdeiro, em atenção ao principio da economia processual.
Isso, porém, não significa que as cadeias sucessórias possam ser aleradas ou abreviadas. Não há reflexos do inventário conjunto sobre o direito material sucessório.
Consequentemente, a forma como a partilha foi realizada no título apresentado ao Registrador equivale ao que se denominou falar “sucessão per saltum”, com a transmissão da propriedade diretamente aos netos, o que ofende não só ao princípio da continuidade, como também configura lesão ao erário, dada a ausência de recolhimento de ITCMD pela supressão de sucessões que constituem cada qual fato gerador tributário, independentes entre si.
O que houve, na realidade, foi a figura da sucessão por transmissão. Um dos herdeiros falece após o autor da herança, e em razão ro princípio da saisine, como já era titular de direitos hereditários, abre a sua própria linha sucessória
Sobre o tema, há inúmeros precedentes do Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – FORMAL DE PARTILHA EXTRAÍDO DE INVENTÁRIO CONJUNTO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – BENS QUE DEVEM SER PAULATINAMENTE PARTILHADOS – NECESSIDADE DE ADITAMENTO DO TÍTULO PARA CONSTAR DOIS PLANOS DE PARTILHA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1023686-87.2021.8.26.0577; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Ausência de Irresignação parcial – Manutenção dos óbices – Necessidade de partilhas sucessivas – Ofensa ao princípio da continuidade – Recurso a que se nega provimento.” (TJSP, AP 1022725-25.2021.8.26.0100, Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral da Justiça), Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura, Data do Julgamento: 20/10/2021).
Em termos bem simples, não há transmissão avoenga, direta do avô aos netos. A sucessão se dá em favor dos filhos e, com a morte destes após o autor da herança (sucessão por transmissão), destes aos netos.
Somente deste modo será possível a preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e dos princípios da continuidade e disponibilidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ). Eventual concordância dos herdeiros envolvidos não supre a falta e tampouco desconfigura a ofensa ao princípio registral.
A fim de orientar futura prenotação, para se permitir o acesso da partilha ao fólio real, é necessário aditamento da carta de sentença para preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e do princípio da continuidade.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça
Relator
(DJe de 25.09.2024 – SP)