CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Instrumento particular de alienação fiduciária de bem imóvel – Bem negociado consistente de casa integrante de condomínio (art. 8º da Lei 4.591/64) – Área construída na unidade que diverge do aviso de imposto predial e do laudo de avaliação – Divergência que não impede a inscrição – Título que repete a metragem constante do registro da incorporação e da averbação da edificação, preservando-se a especialidade objetiva – Especialidade objetiva se afere mediante cotejo entre o título e os dados constantes do registro imobiliário – Existência de documentos estranhos ao fólio real não prestam para aferir a especialidade – Óbice afastado – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000020-77.2024.8.26.0116, da Comarca de Campos do Jordão, em que é apelante RED SOCIEDADE DE CRÉDITO DIRETO S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAMPOS DO JORDÃO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do instrumento particular de alienação fiduciária de bem imóvel de fls. 10/17, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de setembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000020-77.2024.8.26.0116

APELANTE: Red Sociedade de Crédito Direto S/A

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Campos do Jordão

VOTO Nº 43.506

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Instrumento particular de alienação fiduciária de bem imóvel – Bem negociado consistente de casa integrante de condomínio (art. 8º da Lei 4.591/64) – Área construída na unidade que diverge do aviso de imposto predial e do laudo de avaliação – Divergência que não impede a inscrição – Título que repete a metragem constante do registro da incorporação e da averbação da edificação, preservando-se a especialidade objetiva – Especialidade objetiva se afere mediante cotejo entre o título e os dados constantes do registro imobiliário – Existência de documentos estranhos ao fólio real não prestam para aferir a especialidade – Óbice afastado – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta por RED Sociedade de Crédito Direto S/A contra a r. sentença de fls. 270/275, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Campos do Jordão, que, mantendo a exigência formulada pelo Oficial, negou o registro do Instrumento Particular com Força de Escritura Pública de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis em Garantia e Outras Avenças na matrícula nº 16.860 daquela serventia.

Alega a apelante, em síntese, que não houve violação ao princípio da especialidade objetiva; que a descrição da área do imóvel indicada no título corresponde exatamente à constante na matrícula; que a suposta nova construção no imóvel não é óbice ao registro, uma vez que o título visa apenas constituir e dar publicidade à garantia que recairá sobre o bem; que o laudo de avaliação e a certidão de dados cadastrais trazidos aos autos não são oponíveis perante a credora fiduciária, uma vez que não foram averbados na matrícula. Pede, ao final, o provimento da apelação para determinar o registro do título (286/298).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 322/326).

É o relatório.

De início, ressalto ser inaplicável ao caso em análise o Provimento nº 172 do CNJ, que inseriu no Código Nacional de Normas o art. 440-AO, cuja redação é a que segue:

Art. 440-AO. A permissão de que trata o art. 38 da 9.514/1997 para a formalização, por instrumento particular, com efeitos de escritura pública, de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis e de atos conexos, é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI (art. 2º da Lei n. 9.514/1997), incluindo as cooperativas de crédito.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui outras exceções legais à exigência de escritura pública previstas no art. 108 do Código Civil, como os atos envolvendo:

I – administradoras de Consórcio de Imóveis (art. 45 da Lei n. 11.795, de 8 de outubro de 2008);

II – entidades integrantes do Sistema Financeira de Habitação (art. 61, § 5º, da Lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964.

Com efeito, na forma do item 229.3 do Capítulo XX das NSCGJ, “os contratos referidos no art. 38 da Lei nº 9.514/1997, celebrados por instrumento particular antes da vigência do Provimento CNJ nº 172, de 05 de junho de 2024, serão admitidos com força de escritura pública“.

De acordo com a nota devolutiva de fls. 60, existe divergência em relação à área construída do bem objeto de negócio.

Enquanto na matrícula nº 16.860 consta que a casa 14 tem 254,22m², na certidão expedida pela Prefeitura o mesmo imóvel é descrito com metragem de 475,01m² (fls. 61 e 62). Por esse motivo, concluiu o registrador, por meio de sua preposta, que a retificação da incorporação se faz necessária (fls. 60).

Na suscitação da dúvida, o registrador explicou que o Condomínio Recanto do Sol foi objeto de incorporação, na forma do art. 8º da Lei nº 4.591/64. De acordo com o projeto, o empreendimento contempla vinte e cinco casas, com áreas privativas construídas que variam de 172,92m² a 384,73m² (cf. R.10 da matrícula nº 16.860 – fls. 26).

Ainda segundo o registrador, ao longo dos anos constatou- se um descompasso entre o projeto e a implantação efetiva, com diferenças significativas entre a metragem de área construída informada na incorporação e a existente de fato no local. Por conta disso, alguns adquirentes, por meio de instituição parcial de condomínio, promoveram a regularização de suas unidades, situação em que a casa nº 14 não se enquadra.

A divergência de área construída da casa 14 é comprovada pela comparação do registro da incorporação (254,22m² – fls. 26) com os documentos de fls. 61 (certidão municipal de dados cadastrais do imóvel – 475,01m²), 62 (laudo de avaliação – 471m²) e 85 (laudo de avaliação – 471m²).

A questão é saber se essa divergência obsta o registro do instrumento particular de alienação fiduciária de bem imóvel de fls. 10/17.

E a reposta é negativa.

Isso porque o título, em obediência à especialidade objetiva, descreve a casa 14 com a área total construída de 254,22m² (fls. 10), repetindo de forma exata a metragem constante no registro da incorporação (fls. 26) e na averbação da edificação (fls. 40).

Existe a prática equivocada de alguns registradores de examinarem a especialidade não à vista do registro anterior em confronto com o título, mas sim tomando como parâmetros elementos extratabulares, tais como certidões fiscais ou plantas não oficiais de loteamentos. O entendimento atualmente sedimentado e correto da jurisprudência administrativa é no sentido de que a especialidade se confere à vista do título em face do registro, ou da matrícula em face da transcrição que lhe deu origem. Do mesmo modo que certidões fiscais não suprem eventual necessidade de retificação do registro, não podem servir de obstáculo de acesso ao fólio se o título confere com o que contém o registro.

É bom invocar lição de autorizada doutrina, para quem “os limites da qualificação registraria se mostram de maneira mais vistosa no plano interpretativo, enquanto seus supostos se restringem: 1 – ao título levado a registro, 2 – ao registro existente e persistente e 3 – à relação entre o título exibido e o registro existente. Dizendo de outro modo, segundo o autor, “quod non est in tabula et in instrumentum non est in mundo”. (Ricardo Henry Marques Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveis. Revista de Direito Imobiliário, n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 54).

Dados extratabulares, ainda que de conhecimento fático do registrador não servem de elementos para aferir a especialidade.

Não se nega a irregularidade de parte da construção, a qual, em tese, está em desacordo com o projeto de incorporação e com o “habitese” expedido (fls. 40). Isso, todavia, não impede a alienação ou oneração do imóvel.

Diferente seria se título fizesse referência à área maior, como se pretendesse, por via transversa, regularizar a construção não autorizada. Não é o caso, porém. A irregularidade, em princípio, já existe, não havendo base legal ou normativa para se condicionar o registro do título à retificação da área construída.

No sentido de que a averbação de construção existente no imóvel não condiciona o registro de título de transferência de propriedade, cito o precedente que segue:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de compra e venda de terreno em que consignado que os adquirentes têm ciência da existência de “área construída” que será objeto de futura regularização – Exigências consistentes na retificação do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” – ITBI, ou comprovação de que não incidente sobre o valor da construção, com complementação dos emolumentos que foram objeto de depósito prévio – Princípio da rogação – Construção não descrita no título e que não teve a averbação requerida – Registro viável – Recurso provido” (CSM/SP – Apelação nº 1019680-34.2018.8.26.0224, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. Em 1411/2019).

A reforma da r. sentença, portanto, se impõe.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do instrumento particular de alienação fiduciária de bem imóvel de fls. 10/17.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator.

(INR – DJe de 16.09.2024 – SP)