CSM|SP: Registro de imóveis – Recusa de ingresso de carta de sentença – Cumprimento de exigência no curso do procedimento – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Atribuição a cada um dos ex-cônjuges de um imóvel, com exclusividade – Ausência de informação a respeito dos valores dos bens que impede a análise da incidência de eventuais tributos – Inteligência do art. 289 da lei nº 6.015/73 – Exigência no sentido de aditar-se o título pertinente – Carta de sentença incompleta – Qualificação do título que pressupõe documento íntegro – Regularização necessária – Exigência adequada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000410-17.2023.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante VANICE DOS SANTOS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO VICENTE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 3 de maio de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000410-17.2023.8.26.0590

APELANTE: Vanice dos Santos Constantino de Souza

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Vicente

VOTO Nº 43.360

Registro de imóveis – Recusa de ingresso de carta de sentença – Cumprimento de exigência no curso do procedimento – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Atribuição a cada um dos ex-cônjuges de um imóvel, com exclusividade – Ausência de informação a respeito dos valores dos bens que impede a análise da incidência de eventuais tributos – Inteligência do art. 289 da lei nº 6.015/73 – Exigência no sentido de aditar-se o título pertinente – Carta de sentença incompleta – Qualificação do título que pressupõe documento íntegro – Regularização necessária – Exigência adequada.

Trata-se de apelação interposta por Vanice dos Santos contra a r. sentença de fls. 172/176, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis e Anexos de São Vicente, que, mantendo as exigências do Oficial, negou o registro da Carta de Sentença extraída dos autos do processo de divórcio consensual nº 0006361-92.2012.8.26.0590 da 1ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Vicente.

Em preliminar, alega a apelante que a terceira exigência deve ser desconsiderada, porquanto somente apresentada pelo Oficial quando da suscitação da dúvida. No mérito, sustenta a inexistência de excesso de meação, uma vez que o divórcio foi consensual e que as partes concordaram com a partilha; que não se pode presumir que houve falta de recolhimento de tributos; que a partilha é regular, tanto é que foi homologada pelo juízo da família e sucessões.

Manifestação do Oficial a fls. 199/200.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 218/222).

É o relatório.

Trata-se de dúvida suscitada em razão da negativa de registro de Carta de Sentença extraída do processo de divórcio consensual de Vanice dos Santos e Antônio Constantino de Souza, que tramitou perante a 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de São Vicente (processo nº 590.01.2012.006361-8/000000-000), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 142.983 no Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São Vicente. Prenotado o título, foi emitida a nota de devolução de fls. 10/11, com duas exigências: apresentação de certidão de casamento da apelante, na qual conste averbação do divórcio e informação a respeito de eventual alteração dos nomes dos cônjuges; e aditamento do título, ante a falta de informação a respeito dos valores dos bens imóveis atribuídos a cada um dos cônjuges. Nas razões de dúvida, o Oficial apontou um terceiro óbice ao registro que não havia sido observado anteriormente, qual seja, ausência de três peças que deveriam fazer parte do título judicial.

Como bem apontado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 172/176), os recorrentes insurgiram-se apenas contra a segunda exigência formulada, o que resta claro pela análise da resposta de fls. 92/101.

Se não bastasse, no curso da dúvida, a apelante juntou sua certidão de casamento atualizada (fls. 112), visando com isso a atender à primeira exigência.

A insurgência parcial quanto às exigências do Oficial prejudica a dúvida, procedimento que só admite duas soluções: I) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgido o dissenso entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou II) a manutenção da recusa formulada.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila, no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

“A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (Apelação Cível n.º 220.6/6-00).

Desse modo, prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede o exame – em tese – das exigências, a fim de orientar futura prenotação.

O óbice relativo à apresentação de certidão de casamento da apelante, na qual conste averbação do divórcio e informação a respeito de eventual alteração dos nomes dos cônjuges está correto. Isso porque o registro da carta de sentença na matrícula de um bem, com notícia do divórcio e da partilha, pressupõe a averbação do divórcio no Registro Civil das Pessoas Naturais, inclusive para fins de comprovação do nome atual dos ex-cônjuges.

Anoto que essa exigência foi aceita e cumprida pela parte no curso do presente procedimento (fls. 112), o que, aliás, tornou a dúvida prejudicada.

Pertinente, também, o óbice concernente ao aditamento do título, ante a falta de informação a respeito dos valores dos bens imóveis atribuídos a cada um dos ex-cônjuges.

Isso porque a falta de informação acerca do valor dos imóveis destinados a cada um dos ex-cônjuges com exclusividade (fls. 23/25) impede a análise da incidência de eventuais tributos. Como é sabido, na hipótese de divisão desigual de patrimônio entre as partes, necessário o recolhimento do ITBI, se a transmissão tiver sido a título oneroso, ou do ITCMD, se a transmissão tiver sido a título gratuito, cabendo ao Oficial fiscalizar o pagamento dos impostos (art. 289 da Lei nº 6.015/73). Em caso semelhante, já se manifestou este Conselho Superior:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de acesso ao registro de formal de partilha realizada em separação judicial consensual. Atribuição a cada um dos cônjuges, com exclusividade, de imóveis que integravam o patrimônio comum do casal. Ausência de discriminação dos valores dos imóveis, a impedir a verificação segura de que a partilha se conteve dentro dos limites das meações. Incerteza, na espécie, sobre a incidência do imposto de transmissão inter vivos. Recusa do registro mantida. Recurso não provido” (CSM/SP – apelação nº 921-6/5, Rel. Des. Ruy Pereira Camilo, j. Em 4/11/2008).

Note-se que para fins de negócio jurídico de partilha podem as partes atribuir valor consensual e igualitário aos bens, dentro do princípio da autonomia privada. Tal valor não necessariamente guarda relação com o valor fiscal.

Evidente que cabe ao fisco eventualmente impugnar os valores atribuídos pelas partes aos bens partilhados, caso não correspondam à realidade de mercado, para fins de incidência de tributos sobre a diferença.

Indispensável, no entanto, que as partes na partilha atribuam valores aos imóveis de demais bens divididos entre o casal.

A terceira exigência, cujo apontamento somente ocorreu nas razões de dúvida (fls. 7), também justifica a desqualificação.

Com efeito, se consta no título que a carta de sentença é “constituída por 36 peças dos autos do processo” (fls. 20), o Oficial não pode aceitar, para fins de registro, a apresentação do documento incompleto.

Finalmente, alerta-se o Oficial de que, na forma do item 22 do Capítulo XX das NSCGJ[1], o exame dos títulos deve se dar de forma exaustiva, com a emissão de nota devolutiva única, devendo ser evitada a prática observada no presente procedimento, em que novo óbice foi apresentado nas razões de dúvida (fls. 5/7).

Com tais observações, pelo meu voto, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] 22. Deverá o Registrador proceder ao exame exaustivo do título apresentado e ao cálculo integral dos emolumentos, expedindo nota, de forma clara e objetiva, em papel timbrado do cartório que deverá ser datada e assinada pelo preposto responsável. A qualificação deve abranger completamente a situação examinada, em todos os seus aspectos relevantes para a prática do ato, complementação ou seu indeferimento, permitindo quer a certeza correspondente à aptidão registrária (Título apto), quer a indicação integral das deficiências para a inscrição registral e o modo de suprimento (Título não apto), ou a negação de acesso do registro (Título não apto). Se qualquer dessas informações for prejudicada pela falta de documentos entre os apresentados, a circunstância deverá ser expressamente mencionada.

(DJe de 09.05.2024 – SP)