CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Documentação apresentada que não está em ordem – Necessidade de notificação de todos os titulares de domínio e, se falecidos, de seus espólios ou respectivos herdeiros – Rejeição do pedido que se impõe, na forma do art. 216-A, § 8º, da Lei Nº 6.015/1973 – Interessada que, assim querendo, poderá buscar na esfera jurisdicional o reconhecimento de seu alegado direito – Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0004530-28.2019.8.26.0278, da Comarca de Itaquaquecetuba, em que é apelante LATUF CURY PARTICIPAÇÕES S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAQUAQUECETUBA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 20 de março de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 0004530-28.2019.8.26.0278
APELANTE: Latuf Cury Participações S/A
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itaquaquecetuba
VOTO Nº 43.266
Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Documentação apresentada que não está em ordem – Necessidade de notificação de todos os titulares de domínio e, se falecidos, de seus espólios ou respectivos herdeiros – Rejeição do pedido que se impõe, na forma do art. 216-A, § 8º, da Lei Nº 6.015/1973 – Interessada que, assim querendo, poderá buscar na esfera jurisdicional o reconhecimento de seu alegado direito – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por Latuf Cury Participações S/Acontra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas de Itaquaquecetuba/SP, que manteve a recusa de registro da aquisição da propriedade por usucapião dos imóveis matriculados sob nos 7.948 e 7.949 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Poá/SP, sob o fundamento de que não há provas do preenchimento dos requisitos legais da modalidade de usucapião eleita (fls. 432/434).
A apelante alega, em síntese, estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo tempo necessário à configuração da usucapião extraordinária, como confirmam as atas notariais e demais documentos apresentados ao Oficial de Registro.
Entende ser possível somar sua posse à posse exercida pelos sucessores de Luiz Russo, em relação à integralidade da área, incluída a fração não pertencente ao de cujus, esclarecendo que os herdeiros agiram como se fossem donos da totalidade do imóvel desde 15.05.1996, data do falecimento de seu genitor. Afirma, nos termos do art. 10 do Provimento CNJ nº 65/2017, competir ao Oficial de Registro notificar os titulares de domínio, não podendo, portanto, ser responsabilizada pela diligência faltante. Subsidiariamente, pugna pelo reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião ordinária (fls. 455/477).
O Oficial de Registro de Imóveis manifestou-se a fls. 975/986.
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 996/1000).
É o relatório.
O procedimento extrajudicial de usucapião foi iniciado perante o Oficial de Registro de Imóveis, tendo o MM. Juiz Corregedor Permanente julgado procedente a dúvida suscitada para confirmar a rejeição do pedido, com a consequente manutenção da negativa de registro (fls. 432/434).
O Oficial de Registro havia indeferido o pedido de usucapião extrajudicial, por entender que (fls. 375/376):
“1) conforme já informado o ponto central da discussão reside no fato da empresa requerente, LATUF CURY PARTICIPAÇÕES S/A, não possuir tempo de posse suficiente para pleitear a usucapião extraordinária;
1.1) conforme documentação apresentada, a empresa adquiriu a posse em 17/06/2009, pouco mais de 9 anos.
Em razão disso pretende se valer do instituto da “acessio possessionis”, ou seja, somar o tempo de posse dos antigos possuidores para completar o período aquisitivo;
1.2) a empresa adquiriu metade da posse por transmissão do Espólio de Luiz Russo, e a outra metade por transmissão feita pelos herdeiros de Luiz Russo (ambos instrumentos datados de 17/06/2009);
1.3) LUIZ RUSSO já era proprietário tabular de metade dos imóveis, conforme matrículas nos 7948 e 7949 do R.I. de Poá. Contudo, a outra metade pertencia a terceiros
(…). Segundo a requerente, LUIZ RUSSO adquiriu a outra metade dos imóveis por acordo verbal e não há qualquer documento que efetivamente comprove a transmissão;
1.4) portanto, somente seria possível somar o tempo de posse de LUIZ RUSSO se fosse possível provar que ele exercia posse EXCLUSIVA sobre a totalidade dos imóveis. Do contrário, sendo ele proprietário tabular de metade dos imóveis, detentor do jus possidendi, não seria possível somar sua posse à posse do(a) requerente que decorre do jus possessionis (…).
1.5) portanto, não tendo sido demonstrado tempo de posse por todo o período exigido no Código Civil e entendendo não ser possível a soma do tempo de posse dos antecessores, mostra-se inviável o deferimento do pedido de usucapião extrajudicial intentada pela requerente;
2) em notificação anterior, informamos ao requerente acerca do falecimento de um dos proprietários tabulares, BENEDITO DAL’AQUA, bem como da necessidade de notificação de seus herdeiros na forma do artigo 12 do Provimento 65/2017 do CNJ. Nesta ocasião, o requerente apresentou a certidão de óbito de Benedito na qual consta como herdeiros, Marcos Antonio, Luiz Carlos e Maria Aparecida. O advogado dos interessados solicita a notificação da viúva e dos herdeiros-filhos, mas, de acordo com o artigo 12 do Provimento 65/2017 do CNJ, poderão assinar a planta e o memorial descritivo os herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação de inventariante ou o termo judicial de nomeação de inventariante, com o escopo de colaborar para o andamento do presente procedimento, efetuamos buscas junto a Central de Registradores onde constatamos a existência de inventário por falecimento de BENEDITO DAL’AQUA, que tramita perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional do Tatuapé, da Comarca de São Paulo-SP, processo nº 983/97 já finalizado. Assim, necessário apresentar o Formal de Partilha para verificar como ficaram partilhados os imóveis objeto das matrículas nos 7.948 e 7.949 do R.I. de Poá para que possamos, então expedir as notificações necessárias, informando inclusive endereços válidos;
2) o requerente nada esclareceu sobre os demais proprietários tabulares constantes das matrículas nos 7948 e 7949, do R.I. de Poá, ou seja, AMARO MARTINS, REGINA ROSSI MARTINS, JOÃO DOS SANTOS ROMÃO e MARIETE CALDEIRA ROMÃO. Caso não seja possível colher a anuência, o interessado deverá fornecer endereço válido para notificações. Em caso de falecimento, poderão assinar a planta e o memorial descritivo os herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação de inventariante. Tal exigência encontra amparo no artigo 12 do Provimento 65/2017 do CNJ;
8) não foram apresentados número de vias da planta, do memorial descritivo, do requerimento e da ata notarial, suficientes para instruir eventuais notificações;
(…)“
Como se vê, a despeito das alegações apresentadas pela apelante em suas razões recursais, a controvérsia não está, simplesmente, na suficiência, ou não, das provas apresentadas para a pretendida accessio possessionis e consequente comprovação do preenchimento dos requisitos da usucapião extraordinária.
Em verdade, antes mesmo da análise da natureza e tempo da posse exercida pela apelante sobre os imóveis usucapiendos, é preciso ressaltar que, para o processamento da usucapião extraordinária, impõe-se a observância das diretrizes trazidas pelo Provimento CNJ nº 65/2017, em vigor quando do início do presente procedimento. Essa circunstância não se alterou com a edição do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (Provimento nº 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça), que atualmente regula a usucapião extrajudicial.
De seu turno, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça dispõem, nos subitens 416.1 e 416.2, Capítulo XX, Tomo II, sobre os requisitos do requerimento da usucapião extrajudicial e os documentos que devem instruir o pedido.
Ocorre que, em sua manifestação nos autos (fls. 975/986), o Oficial de Registro esclareceu que, para além dos questionamentos referentes à prova da posse mansa, pacífica e ininterrupta, pelo prazo da prescrição aquisitiva, no caso concreto não houve, em virtude da não apresentação da documentação exigida, a devida notificação de todos os proprietários tabulares dos imóveis usucapiendos.
Ora, insiste a apelante em afirmar que as provas trazidas aos autos seriam suficientes para deferimento do pedido de usucapião. No entanto, sem que sejam atendidas as exigências formuladas pelo registrador, com a consequente juntada dos documentos faltantes para notificação de todos os titulares de domínio e, se falecidos, de seus espólios ou respectivos herdeiros, mostra-se inviável o deferimento do registro pretendido por ela.
A propósito, o art. 216-A, § 8º, da Lei nº 6.015/1973 impõe a rejeição do pedido pelo Oficial do Registro de Imóveis se a documentação apresentada não estiver em ordem para a concessão da usucapião.
Consigne-se, ainda, que o pedido subsidiário de declaração de domínio por usucapião ordinária não pode ser acolhido, eis que indicado no requerimento inicial, como fundamento para a aquisição da propriedade de imóveis, modalidade de usucapião distinta.
Por fim, cumpre lembrar que a apelante, assim querendo, poderá buscar na via jurisdicional o reconhecimento de seu alegado direito, segundo a possibilidade instituída pelo art. 216-A, § 9º, da Lei nº 6.015/1973 e pelo subitem 421.5, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 27.03.2024 – SP)