CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência de união estável sob regime de comunhão parcial de bens – Posterior constituição de usufruto sobre a metade ideal do imóvel em favor da convivente – Comunicação dos aquestos – Inteligência dos artigos 1.658, 1.660, I e 1.725 do Código Civil – Injustificável a constituição de usufruto em favor de um dos conviventes sobre imóvel sujeito ao regime de comunhão parcial de bens – Usufruto que é direito real sobre coisa alheia – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010167-54.2021.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante SEBASTIANA RODRIGUES DE JESUS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PRAIA GRANDE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010167-54.2021.8.26.0477

APELANTE: Sebastiana Rodrigues de Jesus

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande

VOTO Nº 39.257

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Imóvel adquirido a título oneroso, na vigência de união estável sob regime de comunhão parcial de bens – Posterior constituição de usufruto sobre a metade ideal do imóvel em favor da convivente – Comunicação dos aquestos – Inteligência dos artigos 1.658, 1.660, I e 1.725 do Código Civil – Injustificável a constituição de usufruto em favor de um dos conviventes sobre imóvel sujeito ao regime de comunhão parcial de bens – Usufruto que é direito real sobre coisa alheia – Recurso não provido.

Cuida-se de apelação interposta por Sebastiana Rodrigues de Jesus em face da r. sentença (fls. 54/55), de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Praia Grande, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o acesso ao registro imobiliário da escritura pública de instituição de usufruto, que tem por objeto o imóvel de matrícula n.º 165.653, da referida serventia imobiliária (fls. 58/63).

Da nota devolutiva de nº 116965 (fls. 08), que qualificou negativamente o título, constou o seguinte óbice:

“Inviável, nesta oportunidade, o registro pretendido, pois constam da escritura como outorgante instituinte do usufruto sobre a metade ideal do imóvel MILTON VIEIRA DO NASCIMENTO, e como outorgada usufrutuária SEBASTIANA RODRIGUES DE JESUS, contudo, conforme se verifica da matrícula nº 165.653, deste registro, a aquisição do imóvel se deu na constância da união estável entre eles, porém os conviventes não estipularam o regime de bens na união estável, que neste caso aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, conforme estabelece o artigo 1.725, do Código Civil, e tendo em vista que a aquisição do imóvel foi a título oneroso, importa, consequentemente, a comunicabilidade de bens (artigo 1.658, e artigo 1.660, inciso I, do Código Civil), portanto, segundo entendimento jurisprudencial enunciado na Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, e sendo Sebastiana também co-titular da nua-propriedade, não poderia ser usufrutuária”.

Sustenta a apelante, em suma, que a decisão recorrida deve ser reformada porque não há impedimento a que seja constituído usufruto por um companheiro em favor de outrem relativamente a bem que está sob o domínio do casal em mancomunhão.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 89/91).

É o relatório.

O apelo não merece guarida.

A apelante pretende o registro da escritura pública de instituição de usufruto sobre metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 165.653 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Praia Grande, em que figuram como instituinte Milton Vieira do Nascimento e como usufrutuária Sebastiana Rodrigues de Jesus, que são conviventes em união estável e que adquiriram o imóvel durante essa união.

Quer dizer, Milton Vieira do Nascimento e Sebastiana Rodrigues de Jesus mantêm união estável e, durante essa convivência, adquiriram a totalidade do imóvel em relação ao qual o convivente pretende instituir usufruto em benefício da companheira.

O óbice apresentado pelo Oficial foi no sentido de que a aquisição onerosa do imóvel durante a união estável do casal, a que deve ser aplicado o regime da comunhão parcial de bens porque não houve estipulação de regime à união estável (artigo 1.725 do Código Civil), faz com que ocorra a comunicabilidade do referido bem (artigos 1.658 e 1.660, I, do Código Civil), de tal sorte que a beneficiária do usufruto, por já deter a copropriedade do imóvel, não pode ser usufrutuária.

O usufruto, como é cediço, constitui direito real sobre coisa alheia, razão pela qual não se admite a instituição de usufruto para beneficiar quem já detém o domínio do bem, como ocorre no presente caso.

Nesse sentido, destaca-se:

“O usufruto tem natureza de direito real sobre coisa alheia e, portanto, não pode ser constituído em favor daquele que já detém o domínio. Em decorrência, não se justifica a constituição de usufruto em favor de um dos cônjuges sobre a totalidade de imóvel sujeito ao regime da comunhão de bens, ou que integrar a universalidade decorrente do regime da comunhão parcial.

A constituição de usufruto em favor do outro cônjuge, desse modo, somente subsiste em relação aos bens particulares de um deles” (Apelação Cível nº 1000578-42.2018.8.26.0348).

Muito embora o precedente se refira a casamento, há de se aplicar a mesma regra à união estável, por força dos já mencionados artigos 1.658, 1.660 e 1.725 do Código Civil.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 15.03.2024 – SP)