CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura Pública de Venda e Compra e cessão – Qualificação negativa – Faixa de terreno negociada que se encontra descrita como acessória (quintal) da unidade autônoma a que está vinculada – Vedada a alienação independentemente da unidade a que corresponde – Óbice mantido – Apelação a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1076242-71.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes ORLANDO GONÇALVES e EDITH FERREIRA GONÇALVES, é apelado 7º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1076242-71.2023.8.26.0100

APELANTES: Orlando Gonçalves e Edith Ferreira Gonçalves

APELADO: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 39.235

Registro de imóveis – Escritura Pública de Venda e Compra e cessão – Qualificação negativa – Faixa de terreno negociada que se encontra descrita como acessória (quintal) da unidade autônoma a que está vinculada – Vedada a alienação independentemente da unidade a que corresponde – Óbice mantido – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por Orlando Gonçalves e sua esposa Edith Ferreira Gonçalves contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa de registro da escritura pública de compra e venda e cessão referente ao imóvel matriculado sob nº 60.119 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 138/141).

Sustentaram os apelantes, em síntese, que a reforma do r. decisório é medida de rigor, porquanto não havia qualquer óbice à venda do dito imóvel, objeto de matrícula própria. Ademais, os documentos que instruíram este processo de dúvida registral demonstraram que no local não foi construído o apartamento nº 2 ao qual se vincularia o imóvel negociado, e sequer instituído o condomínio, afastando, assim, a incidência dos artigos 1.331 e 1.339 do Código Civil (fls. 159/172).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 195/198).

É o relatório.

Apresentada a registro a escritura pública de compra e venda e cessão referente ao imóvel objeto da matrícula nº 60.119 do 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, o Registrador obstou o seu ingresso no álbum imobiliário pelos seguintes motivos (fls. 25/26):

“Segundo verificação efetuada nos livros desta serventia, notadamente a constituição de condomínio do prédio situado na Praça de Manobras, feita com base no Decreto n. 5.481/28, averbada à margem da transcrição n. 33.045, deste cartório, e transcrições posteriores de ns. 49.325 e 59.213, a FAIXA DE TERRENO alienada pelo presente título, apesar de ser objeto de matrícula autônoma de n. 60.119 aberta neste cartório, se constitui do quintal do apartamento n. 2, do prédio situado na Avenida Celso Garcia n. 2.244, aqui matriculado sob o n. 60.118, e dele faz parte integrante.

Tal fato é confirmado, também, pelas alienações concomitantes feitas, até o presente momento, pelos antigos proprietários do referido apartamento e faixa de terreno, conforme registros lançados nas aludidas matrículas nºs 60.118 e 60.119.

Sendo assim, é inviável a alienação da referida FAIXA DE TERRENO dissociada no aludido apartamento, tal como se apresenta neste título, aplicando-se, por analogia, os artigos ns. 1.331, §1º, 1.338 e 1.339 e respectivos parágrafos do atual Código Civil e do §2º do art. 2º da Lei n. 4591/64, não revogado expressamente, sempre presente que o “uso” é elemento que integra o direito de propriedade (art. 1228 do Código Civil).

Desta forma, o registro do presente título depende da aquisição pelo ora comprador ORLANDO GONÇALVES, do citado apartamento n.2, do condomínio, objeto da matrícula n. 60.118, já que, como acima afirmado, de acordo com os assentamentos desta serventia, a FAIXA DE TERRENO transmitida está situada nos fundos do apartamento, lhe servindo de quintal e, portanto, não passível de alienação isolada pelas referidas proprietárias.”

E razão deve ser dada ao Oficial de Registro de Imóveis, que remanesceu chancelada pela MM. Juíza Corregedora Permanente.

O imóvel está assim descrito na matrícula imobiliária nº 60.119 (fls. 18/21):

“UMA FAIXA DE TERRENO localizada nos fundos do apartamento nº 2, que se situa no andar térreo do prédio com frente para a Praça de Manobras, existente no fim da Passagem Particular que tem entrada pelo nº 2.244 da Avenida Celso Garcia, no 10º SUBDISTRITO-BELENZINHO, faixa essa que serve de quintal ao aludido apartamento, e que assim se descreve: mede 7,51m. de largura; por 5.50m. de profundidade, confinando de um lado com a Passagem Particular que sai da Avenida Celso Garcia, e de outro com o apartamento nº 6 através de um muro; nos fundos com o quintal da loja que dá frente para a Avenida Celso Garcia nº 2.244, confrontando de outro lado (que seria a frente), com o apartamento nº 2.”

E antes na transcrição nº 59.213 (fls. 113/114) da qual se originaram as matrículas nºs 60.118 e 60.119:

o APARTAMENTO nº 02, localizado no térreo, do prédio à avenida Celso Garcia, nº 2.244, no subdistrito do Belenzinho, com uma área construída de 80,80m², área útil de 67,90m², correspondendo a esse apartamento, uma parte ideal no terreno de 44,7m², ou 4.447/34012, do todo. Faz parte do apartamento supra descrito, uma faixa de terreno localizada nos fundos do apartamento nº 02 e que lhe serve de quintal, medindo 7,51m de largura, por 5,50m de profundidade, confinando de um lado, com a passagem particular, que sai da avenida Celso Garcia, do outro lado com o apartamento nº 06, através de um muro, nos fundos, com o quintal da loja que da frente para a avenida Celso Garcia nº 2244 e com sucessores da família Bernardo, confrontando de outro lado (que seria a frente), com o apartamento acima descrito;”

Como se vê, a faixa de terreno negociada encontra-se descrita como acessória da unidade autônoma a que está vinculada.

Note-se que, analisadas as transcrições nºs 33.045, 49.325 e 59.213 (fls. 76/79 e 111/114) e matrículas nºs 60.118 e 60.119 (fls. 18/21 e 27/30), todas as alienações ocorridas ao longo desses anos, desde a instituição do condomínio em conformidade com a legislação da época (Decreto nº 5.481/1928), jamais foram realizadas de forma dissociada; ou seja, a parte acessória sempre vinculada à unidade autônoma principal e ambas sob a mesma titularidade dominial e cadastro imobiliário municipal (contribuinte nº 029.002.0023-7).

Não se ignora a possibilidade de o condômino alienar parte acessória de sua unidade a terceiro não condômino, se não o proibirem a convenção e a assembleia, nos termos do artigo 1.339, § 2º, do Código Civil.

Ao comentar referido artigo de lei, Francisco Eduardo Loureiro ensina:

“No que se refere à alienação das partes acessórias a terceiro estranho ao condomínio, comporta a regra algumas observações.

Somente é compatível a alienação se a parte acessória for objeto de matrícula própria, com atribuição de fração ideal de terreno, passível de se desvincular da unidade autônoma principal, caso em que ganha o direito de autonomia.”

Prossegue:

“Ainda que tenha a garagem – ou outra parte acessória – matrícula, fração ideal de terreno e individualização própria, encontra-se a alienação a terceiros subordinada a requisito de autorização expressa na convenção de condomínio.” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência; coordenador Cezar Peluso; 14. ed.; p. 1.334-1.335).

Logo, a faixa de terreno, ainda que objeto de matrícula própria, mas sem atribuição de fração ideal no terreno e ausente a devida autorização, não poderia ter sido alienada independentemente da alienação da unidade a que corresponde.

No mais, na esteira do que foi sustentado pelo Registrador, “a qualificação registral, como não poderia deixar de ser, se limitou a examinar o título à luz do que consta dos atos antecedentes que se vincula, praticados quando em vigor a legislação da época em que lançados os assentos precedentes” (fls. 66), de modo que as alegações de que no local não há o apartamento nº 2 pouco importam para o desfecho desta dúvida registral, observado, por mais uma vez, que a realidade registrária sobre a qual recaiu a qualificação levada a cabo pelo Oficial de Registros de Imóveis é outra.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 14.03.2024 – SP)