CSM|SP: Registro de imóveis – Carta de arrematação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Modo derivado de aquisição da propriedade – Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade – Título judicial diverso, apresentado antes da carta de arrematação, por meio do qual a propriedade do imóvel foi transmitida a terceiro – Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1050520-27.2022.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante SERGIO LUIZ CARRARA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de março de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1050520-27.2022.8.26.0114

APELANTE: Sergio Luiz Carrara

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas

Registro de imóveis  Carta de arrematação  Título judicial que se sujeita à qualificação registral  Modo derivado de aquisição da propriedade  Desqualificação por inobservância ao princípio da continuidade  Título judicial diverso, apresentado antes da carta de arrematação, por meio do qual a propriedade do imóvel foi transmitida a terceiro  Apelação não provida.

VOTO Nº 43.148

Trata-se de apelação interposta por Sérgio Luiz Carrara contra a r. sentença de fls. 843/849, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Registro de Imóveis de Campinas, que julgou procedente a dúvida, mantendo a negativa de registro de carta de arrematação extraída dos autos nº 1047413-77.2019.8.26.0114 da 1ª Vara Cível da Comarca de Campinas.

Alega o apelante, em resumo, que, em se tratando de dívida propter rem, se torna irrelevante o fato de o proprietário do bem constar como devedor no processo em que o bem foi arrematado; que a arrematação caracteriza-se como modo originário de aquisição de propriedade, de forma que não há ofensa ao princípio da continuidade.

Pede, ao final, o registro da carta de arrematação.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 915/918).

É o relatório.

Cuida-se de registro de carta de arrematação expedida pela 1ª Vara Cível de Campinas extraída do processo nº 1047413-77.2019.8.26.0114, movido pelo Condomínio Dot Home & Office contra PDG Barão Geraldo Incorporações SPE Ltda., tendo por objeto a cobrança de contribuições condominiais referentes ao imóvel matriculado sob o nº 142.371 no 2º Registro de Imóveis de Campinas.

O registro foi obstado por ofensa ao princípio da continuidade, na medida em que, em 30 de dezembro de 2021, foi registrada sob o nº 7 na matrícula nº 142.371 a alienação judicial do imóvel determinada nos autos do processo nº 1055031-86.2017.8.26.0100, que tramitou perante a 8ª Vara Cível do Foro Regional II – Santo Amaro, da Comarca de São Paulo/SP, em favor de Interapoio – Serviços e Métodos Construtivos (fls. 2/3).

A dúvida suscitada foi julgada procedente nos termos da r. sentença de fls. 843/849, ora recorrida.

Destaca-se, de início, que o título judicial também se submete à qualificação pelo Oficial, tal como dispõe o item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, cujo teor é o seguinte:

117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

Fixada essa premissa, as razões recursais não merecem guarida.

Pela análise dos autos, nota-se que o auto de arrematação lavrado no processo nº 1047413-77.2019.8.26.0114 é datado de 19 de julho de 2021 (fls. 676), época em que o imóvel matriculado sob nº 142.371 no 2º Registro de Imóveis de Campinas ainda era de propriedade de PDG Barão Geraldo Incorporações SPE Ltda. (fls. 770/773), executada no processo em que a arrematação ocorreu.

Em 16 de setembro de 2021, a carta de arrematação extraída do processo nº 1047413-77.2019.8.26.0114 foi disponibilizada pelo Cartório da 1ª Vara Cível de Campinas (fls. 702).

No entanto, em 10 de dezembro de 2021, entre a disponibilização do título judicial (16 de setembro de 2021 – fls. 702) e sua apresentação na serventia imobiliária (20 de junho de 2022 – fls. 1), ocorreu o registro na matrícula nº 142.371 do 2º Registro de Imóveis de Campinas da alienação judicial do imóvel em favor de Interapoio – Serviços e Métodos Construtivos, a qual foi determinada no processo nº 1055031-86.2017.8.26.0100, que tramitou perante a 8ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, Comarca da Capital.

Para o ingresso do título no fólio real, em obediência ao princípio da continuidade, PDG Barão Geraldo Incorporações SPE Ltda. deveria ostentar a condição de proprietária ou titular de direitos inscritos.

E embora a empresa ostentasse essa condição por ocasião do leilão judicial e da expedição da carta de arrematação, a propriedade do bem foi transmitida a terceiro por força da inscrição de título judicial.

Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio. Deve, pois, haver perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso em pauta.

A propósito, ensina Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

Ademais, a alienação forçada em processo judicial, diversamente do consignado pelo recorrente, encerra transmissão derivada do direito de propriedade. Não se desconhece que, em data relativamente recente, o C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação/adjudicação constituía modo originário de aquisição da propriedade. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos: “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária”. (in PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 111 e 112).

Diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro de carta de arrematação ou de adjudicação quando o imóvel não se encontra em nome daqueles que figuraram no polo passivo da lide:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Observância do princípio da continuidade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1020648-60.2019.8.26.0602; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 28/4/2020; Data de Registro: 14/5/2020).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Carta de arrematação – Qualificação obrigatória dos títulos judiciais – Propriedade do imóvel registrada em nome do executado e de terceira, em regime de condomínio – Ausência de participação do condômino na ação executiva ou decisão judicial determinando a eficácia da arrematação em relação à sua parcela da propriedade – Ofensa ao princípio da continuidade – Origem do débito em obrigação propter rem que não afasta a incidência do princípio e, consequentemente, o impedimento ao registro – Dúvida procedente – Recurso não provido” (TJSP; Apelação Cível 1007324-58.2017.8.26.0477; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 3/3/2020; Data de Registro: 10/3/2020). Finalmente, deve-se destacar que a discussão a respeito de eventual fraude na transmissão da propriedade de PDG Barão Geraldo Incorporações SPE Ltda. a Interapoio – Serviços e Métodos Construtivos deve ser travada na esfera jurisdicional, na qual a todos os interessados serão garantidos o contraditório e a ampla defesa.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 14.03.2024 – SP)