CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de carta de adjudicação – Indisponibilidade de bens – Título expedido em processo judicial de extinção de condomínio – Desatendimento ao item 413, do Cap. XX das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça – Possibilidade de registro do título, subordinada a prévia decisão judicial determinando superação da indisponibilidade – Óbice mantido – Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006582-90.2023.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que é apelante GERALDO SALAROLI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DE BRAGANÇA PAULISTA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 8 de março de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006582-90.2023.8.26.0099

APELANTE: Geraldo Salaroli

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Bragança Paulista

VOTO Nº 43.166

Registro de imóveis  Dúvida julgada procedente  Registro de carta de adjudicação  Indisponibilidade de bens  Título expedido em processo judicial de extinção de condomínio  Desatendimento ao item 413, do Cap. XX das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça  Possibilidade de registro do título, subordinada a prévia decisão judicial determinando superação da indisponibilidade  Óbice mantido  Apelação improvida.

Trata-se de apelação interposta por Geraldo Salaroli contra a r. sentença de fls. 134/135 proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bragança Paulista, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro da carta de adjudicação expedida nos autos do processo judicial de extinção de condomínio do imóvel objeto da matrícula 92.171, ao fundamento de que há averbação de indisponibilidades e porque não foi providenciado o aditamento da carta de adjudicação com determinação expressa de que a adjudicação prevaleceria sobre as indisponibilidades, nos termos do item 413, Cap. XX das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça.

Sustenta o apelante, em síntese, o desacerto da sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, haja vista tratar-se de execução forçada; que o valor referente à adjudicação da fração do imóvel encontra-se depositado judicialmente; que não há voluntariedade na alienação, visto que a adjudicação foi fruto de regular processo de extinção de condomínio e não por ato de disposição dos proprietários (fls. 138/148).

A Douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 174/177).

É o relatório.

A apelação não merece provimento, devendo ser mantida a sentença lançada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

Em 3 de fevereiro de 2023, foi apresentada a registro a carta de adjudicação expedida nos autos do processo judicial de extinção de condomínio n.º 1005132-49.2022.8.26.0099 pelo MM Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Bragança Paulista, figurando como partes GERALDO SALAROLI e outros e OSCAR DA CUNHA GARCIA NETO e ELIZABETH CAROLYN BEAMAN GARCIA, tendo por objeto imóvel descrito na matrícula 92.171, tendo o Oficial de Registro de Imóveis desqualificado o título, emitindo nota devolutiva.

O óbice apresentado pelo Registrador foi baseado na constatação de que junto à matrícula há averbação de indisponibilidades, razão pela qual exigiu a retificação da carta de adjudicação para expressa indicação de que a transmissão ocorrida naquele feito deveria prevalecer sobre as indisponibilidades noticiadas na matrícula, com amparo no item 413, do Cap. XX das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, que contém a seguinte previsão:

“413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG.13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.”

Referido dispositivo determina que as indisponibilidades averbadas só não impedem a inscrição de constrições judiciais e o registro da alienação judicial do bem desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade ou se for consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.

Idêntica disposição consta do art. 16 do Provimento n.º 39/2014 do C. Conselho Nacional de Justiça, in verbis:

Art. 16. As indisponibilidades averbadas nos termos deste Provimento e as decorrentes do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.

Nenhuma dessas providências foi atendida nos autos.

O interessado não atendeu à exigência, deixando de providenciar a retificação da carta de adjudicação, alegando precedentes favoráveis do Conselho Superior da Magistratura, razão para a suscitação da presente dúvida.

Ao contrário do sustentado pelo apelante, a situação em exame realmente não autoriza o registro da carta de adjudicação, diante da ausência de determinação expressa por parte do Juízo onde expedido o título judicial, ou, ainda remotamente, decisão judicial por parte dos Juízos onde decretadas as indisponibilidades autorizando a sub-rogação do vínculo.

Há de se ressaltar que a retificação da carta de adjudicação não se mostrava óbice intransponível ao alcance do interessado, bastando que se dirigisse ao juízo do processo judicial de extinção do condomínio para a anotação da prevalência da alienação judicial em relação à restrição de indisponibilidade averbada na matrícula, o que não foi feito.

A razão disso é simples: na hipótese de reconhecimento judicial da sub-rogação real da indisponibilidade para o preço da venda judicial, que originalmente que incidia sobre a coisa, não há qualquer prejuízo a interesse de terceiros. Isso porque a indisponibilidade simplesmente se transfere do imóvel para o preço da arrematação, instaurando-se concurso de credores, O crédito que originou a indisponibilidade permanece incólume e íntegro o patrimônio do devedor que lhe serve de garantia.

Não se altera a quantidade, mas somente a qualidade do patrimônio, situação típica da sub-rogação em universalidades de direito.

Não há como aplicar a presunção para o caso em exame, diante da disciplina contida no item 413 das NSECGJ, exigindo determinação judicial expressa.

Não se sabe se houve a sub-rogação e se o valor da arrematação permanece depositado nos autos, afetado pela indisponibilidade e à disposição do credor. Essa a razão pela qual não se admite o registro do título, embora oriundo de alienação judicial.

A doutrina, ao tratar do tema, faz incluir a indisponibilidade (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 247) no campo das proibições ao poder de dispor, eis que: (a) representa uma “inalienabilidade de bens, que pode provir das mais diversas causas”, diz Valmir Pontes (Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 179); (b) constitui uma “forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade”, segundo Walter Ceneviva (Lei dos Registros Públicos Comentada, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 625, n. 671); (c) implica “a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma”, conforme o ensinamento de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109); (d) “impede apenas a alienação, mas não equivale à penhora e não acarreta necessariamente a expropriação do bem”, no dizer de Francisco Eduardo Loureiro (in José Manuel de Arruda Alvim Neto et alii (coord.), Lei de Registros Públicos comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.291); (e) “afeta os atributos da propriedade, perdendo o proprietário o poder de disposição, de modo que, para alienar ou onerar o bem é necessário o prévio cancelamento da indisponibilidade”, ensina Ana Paula P. L. Almada (Registros Públicos, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2020, p. 444); e (f) possui natureza “evidentemente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir a situação jurídica que autoriza a indisponibilidade de bens”, na opinião de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado Notarial e Registral Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.843-2.843). Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (op. cit., p. 109-110) ainda faz a seguinte precisão: “Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem-se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais. Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tenha alcançado seu poder de disposição.”

Estabelecido, assim, que a indisponibilidade é proibição ao poder de dispor, com finalidade acautelatória, resta por determinar o seu efetivo alcance no caso concreto, na medida em que o fundamento invocado no recurso repousa na alegação de que se tratou de alienação forçada.

É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a indisponibilidade dos bens decretada em Juízo inviabiliza o ingresso, no fólio real, de título que implique a alienação voluntária do imóvel.

Por outro lado, há precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura no sentido de que títulos oriundos de alienação forçada podem ingressar ao fólio real, mesmo diante da indisponibilidade (Apelação Cível 1001102-96.2021.8.26.0586, Apelação 1006029-74.2022.8.26.0100). O acesso ao registro imobiliário, contudo, se subordina à decisão judicial expressa que supere a indisponibilidade, como acima visto.

Embora a extinção de condomínio mediante alienação judicial de coisa comum, se qualifique juridicamente como alienação forçada, pois independe de ato negocial ou consentimento do condômino renitente, o acesso do título ao registro não é automático. Reconheço que no caso concreto, mais do que simples excussão, houve adjudicação da totalidade do prédio comum a um dos condôminos.

Em suma, o óbice deve ser mantido, prevalecendo a determinação no sentido de que o interessado traga aos autos decisão judicial com o reconhecimento da prevalência da adjudicação sobre as indisponibilidades anteriormente averbadas na matrícula ou comunicação do depósito judicial aos juízos que decretaram as constrições, a fim de que decidam sobre eventual levantamento das restrições.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação para manter o óbice registrário.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 14.03.2024 – SP)