CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada improcedente – Apelante que pretende discutir a validade do negócio jurídico consubstanciado na escritura pública levada a registro – Impossibilidade – Título formalmente em ordem – Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004790-20.2023.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante ANTONIO TARCISIO MENDES DA NOBREGA, é apelado DANIEL PERICLES DE AS ALVES.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1004790-20.2023.8.26.0223

APELANTE: Antonio Tarcisio Mendes da Nobrega

APELADO: Daniel Pericles de Sa Alves

VOTO Nº 39.240

Registro de imóveis – Dúvida julgada improcedente – Apelante que pretende discutir a validade do negócio jurídico consubstanciado na escritura pública levada a registro – Impossibilidade – Título formalmente em ordem – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Antonio Tarcísio Mendes da Nobrega contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Guarujá/SP, que julgou improcedente a dúvida suscitada e afastou o óbice que ensejou a recusa do registro da escritura pública de compra e venda do imóvel matriculado sob nº 104.801 junto à referida serventia imobiliária (fls. 158/160).

O apelante, na qualidade de terceiro interessado, insiste na impossibilidade de registro do título, ao argumento de que o negócio jurídico consubstanciado na escritura pública é nulo. Aduz ter ocorrido simulação, pois os valores ajustados não foram devidamente quitados, bem como porque o procurador constituído para prática do ato agiu de má-fé ao aceitar o recebimento de maquinários como parte do preço. Ressalta, por fim, ter revogado a procuração outorgada, no mesmo dia em que lavrada a escritura pública levada a registro (fls. 165/184).

Contrarrazões recursais a fls. 218/227.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 240/241).

É o relatório.

Apresentada a registro escritura pública de compra e venda datada de 09 de março de 2023, lavrada pelo 23º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 4849, fls. 217/220), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 104.801 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Guarujá/SP (fls. 30/33), o registrador, ao qualificar o título, encontrou óbice ao seu ingresso no álbum registral (fls. 09), que, no entanto, foi afastado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 158/160).

Como é sabido, o processo administrativo de dúvida não admite dilação probatória, cumprindo deliberar-se sobre a questão exclusivamente à luz da documentação apresentada ao Oficial. É, nestes moldes, o precedente deste C. Conselho Superior da Magistratura: “Dúvida registrária é só para dirimir o dissenso, entre o registrador e o apresentante, sobre a prática de ato de registro, referente a título determinado que, para esse fim (registro) foi protocolado e prenotado. Logo, não se admite, no seu curso, diligências ou dilação de provas destinadas à complementação de título desqualificado, à apuração de fatos extratabulares (…). A razão dessa restrição cognitiva, ademais, é evitar a indevida prorrogação do prazo da prenotação, consoante firme orientação deste Conselho Superior da Magistratura: ‘A dilação probatória em procedimento desta natureza prorrogaria indevidamente o prazo da prenotação, potencializando prejuízo para o direito de prioridade de terceiros, que também tivessem prenotado outros títulos que refletissem direitos contraditórios.’ ” (Apelação Cível nº 027583-0/7, Santa Rosa do Viterbo, j. 30.10.1995, rel. Des. ALVES BRAGA, in Revista de Direito Imobiliário 39/297-298).

Assim sendo, a r. sentença recorrida deve ser mantida.

Com efeito, como consignado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, o título apresentado a registro está formalmente em ordem, certo que o procurador constituído pelo ora apelante “possuía, incólume, no momento em assinou a escritura de compra e venda, poderes para alienar o apartamento triplex nº 164-A, localizado nos 16º ao 18º do Edifício Salinas, bloco A, integrante do Condomínio Solaris, situado na Avenida General Monteiro de Barros nº 638, na cidade de Guarujá/SP, matriculado sob o nº 104.801. (…) A revogação da procuração em horário posterior não invalida o ato perfeitamente formal realizado, sendo possível seu registro. Sem prejuízo, os horários dos selos digitais dos atos (escritura de venda e compra e revogação da procuração) reforçam a circunstância acima apontada, sendo bastante verossímil, ainda, por ser prática comum nos Cartórios Extrajudiciais, a alegada comunicação entre prepostos dos cartórios para aferir se, no momento da lavratura da escritura de compra e venda, a procuração ainda estava destilando seus efeitos jurídicos. E, como já abordado, tal circunstância é positiva. Questões sobre eventual simulação, discordâncias entre mandante e mandatário, falta de pagamento e possíveis ameaças não podem ser tratadas nesta via administrativa, que tem por escopo, unicamente, analisar o respeito à formalidade do ato.

Por outro lado, é preciso anotar que a procuração pública outorgada pelo apelante a Rondinele da Silva Freitas conferiu poderes ao mandatário para “vender, permutar, ou prometer à venda, autorizar, anuir, assistir ou por qualquer outra forma ou título alienar a quem quiser, pelo preço, modo e condições que convencionar o seguinte imóvel: o apartamento triplex nº 164-A, localizado nos 16º ao 18º pavimentos do Edifício Salinas, Bloco A, integrante do CONDOMÍNIO SOLARIS, situado na Avenida General Monteiro de Barros, nº 638, na cidade de Guarujá, Estado de São Paulo, imóvel este melhor descrito e caracterizado na Matrícula nº 104801 do Oficial de Registro de Imóveis de Guarujá, Estado de São Paulo (…).” (fls. 17/18). Destarte, irrelevante o fato de ter sido revogado o mandato em momento posterior à compra e venda, ainda que anterior ao registro, uma vez que, nos exatos termos do artigo 682, inciso IV, do Código Civil, cessa o mandato, entre outras causas, pela conclusão do negócio a que visa. Como ensina Washington de Barros Monteiro, “não há de se cogitar, porém, de revogação, quando o mandato já se acha inteiramente cumprido e concluído o negócio” (in “Curso de Direito Civil”, vol. 5, 26a Edição, 1.993, p. 271).

Nesse cenário, inexistente vício extrínseco na escritura de compra e venda, deverá o apelante, se o caso, valer-se de ação própria, observado o devido processo legal com as garantias do contraditório e da ampla defesa, para atacar o título que deu lastro ao registro postulado.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 14.03.2024 – SP)