CSM|SP: Registro de imóveis – Formal de partilha – Recusa do registro, em virtude da não observância dos termos do testamento da falecida e da mancomunhão entre herdeiros – Temas que, na espécie, vão além dos limites da qualificação registral – Mérito de decisão judicial transitada em julgado que não pode ser revisto na via administrativa – Exigências feitas pelo oficial, ademais, que não terão efeito prático – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1105510-73.2023.8.26.0100, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante ANDRE PASQUALE ROCCO SCAVONE, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVÉIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de março de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1105510-73.2023.8.26.0100

APELANTE: Andre Pasquale Rocco Scavone

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imovéis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.149

Registro de imóveis – Formal de partilha – Recusa do registro, em virtude da não observância dos termos do testamento da falecida e da mancomunhão entre herdeiros – Temas que, na espécie, vão além dos limites da qualificação registral – Mérito de decisão judicial transitada em julgado que não pode ser revisto na via administrativa – Exigências feitas pelo oficial, ademais, que não terão efeito prático – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por André Pasquale Rocco Scavone contra a sentença de fls. 268/272, que manteve o óbice ao registro do formal de partilha extraído dos autos de arrolamento de bens deixados por Anna Antonia Scavone (processo nº 0910924-86.1979.8.26.0000, que tramitou perante a 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Capital).

Sustenta o apelante, em resumo, que as exigências feitas pelo Oficial vão além do exame de qualificação, entrando no mérito de decisão judicial transitada em julgado. Diz que a recusa não gera efeito prático e sua manutenção resultaria em formalismo excessivo.

Pede o provimento da apelação (fls. 278/286).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 306/307).

É o relatório.

De acordo com a nota devolutiva de fls. 14/16, o óbice ao ingresso do formal de partilha apresentado se deu por duas razões: 1) a metade ideal do imóvel matriculado sob nº 91.415 foi partilhada a Cristófaro e seu cônjuge Maria Francisca, na proporção de uma “quarta parte ideal” para cada um, quando o correto seria, em virtude da mancomunhão decorrente do regime de bens adotado pelo casal (comunhão universal), a atribuição da metade ideal aos casal; 2) nos termos do testamento de fls. 25/28, a metade ideal do bem caberia à mãe de Anna Antonia Scavone, Adelina Barbaro Scavone, que faleceu após sua filha.

Na hipótese, porém, nota-se que o registrador foi além do que lhe é permitido no exame de qualificação de um título judicial.

Isso porque, na esfera administrativa, tentou rediscutir questão já resolvida na esfera judicial e transitada em julgado há anos.

A questão da mancomunhão se trata de tecnicidade cujo não reconhecimento no caso dos autos não implica prejuízo a ninguém. Indiferente, na espécie, que o casal receba 50% em conjunto ou 25% cada se o casamento durou até o óbito de um dos cônjuges. Se há decisão judicial homologatória sobre o tema, não cabe ao registrador questionar seu cumprimento.

E o óbice pelo suposto descumprimento do testamento também não vinga. Com efeito, mesmo que de acordo com o testamento e em observância do princípio da saisine o imóvel deixado por Anna devesse ter sido herdado primeiramente por sua mãe, Adelina, para só aí ser transmitido a seu irmão e sua cunhada, Cristófaro e Maria Francisca, fato é que tal questão, com o auxílio do Partidor (fls. 158/174) e acompanhamento do Ministério Público (fls. 180), foi apreciada judicialmente em 1988 (fls. 181), com trânsito em julgado certificado a fls. 183. Note-se que a retificação do formal de partilha pretendida pelo registrador não tem efeito prático algum, pois Cristófaro era o único herdeiro de Adelina, de forma que o imóvel, de um modo ou de outro, terminaria em seu patrimônio.

E evidentemente não se pode admitir que o registrador, em exame de qualificação, questione o mérito ou, pior, por via transversa, pretenda reformar decisão judicial transitada em julgado.

Se a coisa julgada material torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso (art. 502 do CPC), não parece razoável que, trinta e cinco anos depois da sentença que homologou a partilha, sem violação a princípio registral algum, abra-se discussão acerca do cumprimento adequado de testamento lavrado em 1959 (fls. 25).

Nesse ponto, adequada a citação de decisão da 1ª Vara de Registros Públicos, proferida no início da década de oitenta pelo MM. Juiz Narciso Orlandi Neto, e já citada pelo recorrente a fls. 4:

Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (artº 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no art. 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.” (Processo nº 973/81)

Em caso muito semelhante, decidiu este Conselho Superior:

No caso em exame, o Oficial recusou o ingresso do formal de partilha, pois da análise do formal de partilha percebe-se que quando do óbito de Basílio Ferreira o interessado Basílio Ferreira Filho era casado pelo regime da comunhão universal de bens com Eliane Fernandes Ferreira. Por outro lado, quando do óbito de Antonia Madureira Ferreira, Basilio Ferreira Filho já era separado judicialmente. Portanto, o auto de partilha deve refletir as consequências patrimoniais decorrentes da Saisini relativamente ao estado civil do herdeiro (fls. 09).

A qualificação do Oficial de Registro de Imóveis, ao questionar o título judicial, ingressou no mérito e no acerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional. (Ap. Cível nº 0001717-77.2013.8.26.0071, Rel. José Renato Nalini).

Neste mesmo sentido, apelações nº 1025290-06.2014.8.26.0100 e 0006128-03.2012.8.26.0362, ambas de relatoria do então Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Elliot Akel e apelações nº 1015351-23.2015.8.26.0405, 1000291-81.2015.8.26.0252 e 1006527-23.2015.8.26.0196, todas de relatoria do então Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças.

É o caso, portanto, de afastamento das exigências apresentadas pelo Oficial e mantidas pelo MM. Juiz Corregedor Permanente na r. sentença proferida.

Ante o exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do formal de partilha.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator.

(DJe de 07.03.2024 – SP)