CSM|SP: Registro de imóveis – Adjudicação compulsória – Ação movida pelos cessionários contra a cedente do contrato de compromisso de compra e venda – Registro da transmissão da propriedade negado – Princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008102-74.2022.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante ROBERTO ANTÔNIO SALOMÃO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 17 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1008102-74.2022.8.26.0405

APELANTE: Roberto Antônio Salomão

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 39.201

Registro de imóveis – Adjudicação compulsória – Ação movida pelos cessionários contra a cedente do contrato de compromisso de compra e venda – Registro da transmissão da propriedade negado – Princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Roberto Antônio Salomão contra a r. sentença que manteve a recusa do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Osasco/SP em promover o registro de carta de sentença oriunda dos autos da ação de adjudicação compulsória que tramitou perante a 8ª Vara Cível daquela Comarca (Processo nº 0044575-62.2011.8.26.0405), tendo por objeto o imóvel identificado como lote nº 27-B, correspondente a parte do lote 20 da quadra 14, Jardim Cipava, Osasco/SP, com origem na transcrição nº 1.066 do 4º Registro de Imóveis da Capital (fls. 379/380).

Alega o apelante, em síntese, ter adquirido o imóvel da empresa Cipava Imobiliária Ltda. que, por sua vez, havia celebrado compromisso de compra e venda com a empresa Companhia Territorial de Osasco S/A., relativamente a uma área de 576.000m², posteriormente loteada. Assim, da escritura lavrada em 10 de maio de 2007, constou como outorgante vendedora a Companhia Territorial de Osasco S/A, como anuente cedente Cipava Imobiliária (anteriormente denominada Cipava Construtora Imobiliária e Pavimentada S/A) e como outorgado comprador, Roberto Antônio Salomão, ora apelante.

Esclarece que, na ação de adjudicação compulsória, ficou expressamente decidido que não havia necessidade de inclusão da compromissária vendedora do imóvel no polo passivo da demanda, razão pela qual a exigência formulada pelo registrador merece ser afastada (fls. 395/410).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 439/440).

É o relatório.

Foi apresentada para registro a carta de sentença extraída dos autos da ação de adjudicação compulsória ajuizada por Roberto Antônio Salomão, ora apelante, contra a empresa Cipava Imobiliária Ltda., tendo por objeto identificado como lote nº 27-B, correspondente a parte do lote 20 da quadra 14, Jardim Cipava, Osasco/SP, com origem na transcrição nº 1.066 do 4º Registro de Imóveis da Capital (Processo nº 0044575-62.2011.8.26.0405 da 8ª Vara Cível da Comarca de Osasco/SP).

De início, saliente-se que a origem judicial do título não impede a sua qualificação nem implica desobediência, como está no item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e, no mais, é lição corrente deste Conselho Superior da Magistratura (mencione-se, por brevidade, o decidido na Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453, j. 25.2.2016).

Observe-se, ademais, que in casu se trata, verdadeiramente, de título judicial (passível, portanto, de qualificação), e não de ordem judicial (hipótese em que o cumprimento seria coativo e independeria do exame de legalidade próprio da atividade registral).

Destarte, deve-se considerar que, por força do princípio do trato consecutivo (ou da continuidade), como regra geral só se admite a inscrição (registro stricto sensu ou averbação – Lei nº 6.015, art. 167, I e II) “daqueles actos de disposição em que o disponente coincide com o titular do direito segundo o registo” (Carlos Ferreira de Almeida, apud Ricardo Dip, Registros sobre Registros, n.º 208).

É o que diz a Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Nas palavras de Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 304): “O princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente”.

No caso concreto, das certidões imobiliárias acostadas a fls. 46, 48 e 49 depreende-se que o imóvel em questão está registrado em nome de Companhia Territorial de Osasco S/A. Logo, por força do princípio do trato consecutivo, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referida titular de domínio. Não é isso que sucede, entretanto, com a carta de sentença em questão, eis que a ação foi ajuizada contra Cipava Imobiliária Ltda., compromissária compradora do imóvel, que, por sua vez, havia cedido seus direitos a Helio Franco Caiuby e sua esposa, Maria de Lourdes Lefevre Caiuby, que, então, cederam seus direitos ao apelante (fls. 72).

Como se vê, o título foi deficientemente formado, pois a ação deveria ter sido ajuizada também contra a titular de domínio e não apenas contra a cessionária dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda. A ausência de continuidade entre a titular de domínio do imóvel e aquela que figurou como ré na ação de adjudicação compulsória não se altera pelo fato de ter sido feita referência, na decisão judicial proferida naqueles autos, quanto à desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo. Veja-se, a propósito, que o Juiz do processo não deu nenhuma ordem no sentido da dispensa da observância do princípio da continuidade, no caso concreto.

Ora, a proprietária do imóvel, que é a promitente vendedora, não participou da ação de adjudicação compulsória como ré e nela não foi citada, bem como não anuiu expressamente com a transmissão do domínio para o apelante. Em razão disso, o registro da carta de sentença depende da prévia aquisição da propriedade do imóvel pela ré da ação de adjudicação compulsória ou do aditamento do título para que dele passe a constar a aquisição dos direitos e obrigações decorrentes da cessão do compromisso de compra e venda, tudo para que seja preservada a continuidade entre as transmitentes e seus adquirentes.

Veja-se que a exigência de respeito à continuidade, como requisito para o registro do título de transmissão do domínio, decorre de reiterada jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura e, portanto, não caracteriza inovação e não viola a segurança jurídica decorrente da coisa julgada:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Carta de sentença extraída de ação de adjudicação compulsória. Ação originariamente movida contra sucessores do proprietário e promitente vendedor do imóvel, já falecido. Necessidade de prévio registro da partilha que, em inventário ou arrolamento de bens, atribuiu o imóvel aos réus da ação de adjudicação compulsória. Princípio da continuidade. Recurso não provido.” (CSM, Apelação Cível nº 1.104-6/4, Comarca de São Caetano do Sul, Relator Desembargador Ruy Camilo, j. 16/06/2009).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Adjudicação com mandado de averbação – Ingresso obstado – Ação de Adjudicação Compulsória movida em face de pessoas apontadas como herdeiras da titular do domínio – Ofensa aos Princípios da continuidade e da disponibilidade – Transferência da propriedade imóvel que, ademais, se dá mediante o registro do título e não por averbação – Artigo 1.245 do Código Civil – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.” (Apelação Cível nº 1.170-6/4, Comarca de São Caetano do Sul, Relator Desembargador Luiz Tâmbara, j. 03/12/2009).

“Registro de Imóvel – Dúvida – Carta de sentença extraída dos autos de ação de adjudicação compulsória – Exame formal e restrito aos aspectos extrínsecos do título – Citação de apenas alguns dos titulares do domínio do imóvel e divergência entre a área descrita no compromisso de compra e venda e a área descrita na matrícula – Ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade objetiva – Recurso não provido.” (Apelação Cível nº 0003976-17.2012.8.26.0415 – Comarca de Palmital, Relator Desembargador Elliot Ackel).

“Registro de imóveis – Título judicial – Adjudicação compulsória – Proprietário tabular não integrou o polo passivo da ação judicial – Ofensa ao princípio da continuidade registral – Tempus regit actum – Impossibilidade de examinar, no âmbito administrativo, a pertinência de cancelamentos de inscrições resultantes de ordens judiciais exaradas em processos contenciosos – Formação defeituosa do título – Confirmação do juízo de desqualificação registral e, portanto, da r. sentença impugnada – Dúvida procedente – Recurso desprovido.” (Apelação Cível nº 1000328-93.2015.8.26.0451, Comarca de Piracicaba, Rel. Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 10/3/2017).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Adjudicação compulsória – Ação movida pelos cessionários de compromisso de compra e venda contra os compromissários compradores do imóvel – Registro da transmissão da propriedade – Princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.” (Apelação Cível nº 1036218-40.2019.8.26.0100 da Comarca de São Paulo, Relator Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 01.11.2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS Adjudicação compulsória Ação movida pelos cessionários contra a cedente do contrato de compromisso de compra e venda Registro da transmissão da propriedade negado Princípio da continuidade Dúvida julgada procedente Apelação não provida.” (Apelação Cível 1001281-67.2020.8.26.0100, Comarca de São Paulo, Rel. Desembargador Ricardo Anafe, j. 20/08/2020.

E mais recentemente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE. INGRESSO NO FÓLIO REAL OBSTADO POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE. CARTA DE SENTENÇA QUE DETERMINA A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE POR QUEM NÃO É TITULAR DE DOMÍNIO, APENAS COMPROMISSÁRIO COMPRADOR DEVER DO OFICIAL DE FISCALIZAR O RECOLHIMENTO DOS IMPOSTOS DEVIDOS POR FORÇA DOS ATOS QUE LHE FOREM APRESENTADOS EM RAZÃO DO OFÍCIO. APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1006371-36.2021.8.26.0451; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Piracicaba – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/08/2023; Data de Registro: 25/08/2023).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Carta extraída dos autos de ação de adjudicação compulsória. Registro negado. Réus que não são os titulares do domínio do imóvel. Necessidade de registro do título pelo qual os réus da ação de adjudicação compulsória se tornaram titulares do domínio. Imperiosa observação do princípio da continuidade. Dúvida julgada procedente. Apelação não provida.” (TJSP; Apelação Cível 1101791-54.2021.8.26.0100; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 29/04/2022; Data de Registro: 11/05/2022).

Nesse cenário, não há como superar os óbices apresentados pelo Oficial Registrador, devendo ser mantida a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 23.02.2024 – SP)