CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida inversa – Escritura de venda e compra – Formação de condomínio voluntário pela alienação parcial do imóvel a diversos adquirentes sem vínculo pessoal que justifique a aquisição em condomínio geral – Suspeita fundada da existência de situação de fraude à lei, com o escopo de violar normas cogentes da Lei n°. 6.766/79 – Situação prevista e vedada de MDO expresso pelas normas de regência – Registro negado – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1012223-96.2022.8.26.0292, da Comarca de Jacareí, em que é apelante ABIGAIL MARQUES DE SOUZA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JACAREÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1012223-96.2022.8.26.0292

APELANTE: Abigail Marques de Souza

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jacareí

VOTO Nº 42.989 

Registro de imóveis – Dúvida inversa – Escritura de venda e compra – Formação de condomínio voluntário pela alienação parcial do imóvel a diversos adquirentes sem vínculo pessoal que justifique a aquisição em condomínio geral – Suspeita fundada da existência de situação de fraude à lei, com o escopo de violar normas cogentes da Lei n°. 6.766/79 – Situação prevista e vedada de MDO expresso pelas normas de regência – Registro negado – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Abigail Marques de Souza contra a r. sentença de fls. 59/61, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jacareí, que manteve a recusa em se proceder ao registro de escritura de venda e compra por meio da qual os proprietários tabulares alienaram, para dezoito compradores sem vínculo pessoal entre si ou com os vendedores, frações ideais em proporções variadas, que totalizam 84,11% do imóvel (prenotação n. 292.726).

A conclusão foi de que o óbice encontra fundamento no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, o qual veda “a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra”, notadamente porque, no caso concreto, não há indício de vínculo dos compradores entre si ou com os vendedores e algumas das frações alienadas correspondem a área menor do que o módulo mínimo estabelecido pelo INCRA, situação que revela potencial parcelamento irregular do imóvel.

A parte suscitada apela alegando, em resumo, que a alienação contratada não caracteriza parcelamento irregular, uma vez que os adquirentes estão cientes de se tratar de condomínio pro indiviso, cujas frações ideais não correspondem a parcelas certas e localizadas do terreno; que não existem elementos que apontem a divisão fática; que se trata da estipulação de condomínio em multipropriedade, nos termos do artigo 1.358-C do Código Civil, no qual cada um dos coproprietários exerce uso e gozo sobre a totalidade do imóvel por uma fração de tempo equivalente à sua fração ideal (fls. 69/72).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento (fls. 98/99).

É o relatório.

Decido.

Por primeiro, vale notar que, embora a dúvida inversamente suscitada pela parte tenha sido julgada improcedente, o comando judicial foi pela manutenção do óbice.

No mérito, o recurso não comporta provimento.

Como se sabe, o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994).

Na hipótese em análise, o título apresentado envolve a alienação de 84,11% do imóvel para dezoito compradores em frações diferenciadas: 20,78%; 1,95%, 4,43%; 3,21%; 4,13%; 5,19%; 4,11%; 14,14%; 1,70%; 1,50%; 2,55%; 2,50%; 3,90%; 5,24%; 2,26%; 2,35%; 2,48% e 1,69%, permanecendo os proprietários tabulares com a fração de 15,89% (fls. 08/19).

Não há qualquer informação sobre eventual vínculo entre os contratantes ou sobre a razão para a formação voluntária do condomínio pretendido sobre o imóvel rural, que tem área de 5,9524 hectares. A distinção entre as frações atribuídas se dá apenas pela proporção ao preço pago por cada comprador.

O Oficial qualificou negativamente o título, entendendo inviável o registro devido à formação de condomínio voluntário, notadamente à vista da ausência de vínculo entre os contratantes e a distribuição de pequenas frações ideais inferiores ao módulo rural estabelecido pelo INCRA para a localidade, que é de 2 hectares, o que chega, “em alguns casos a representar as diminutas áreas de 892,86m², 1.005,95m², 1.011,90m², 1.517,86m²” (fls. 36/38).

O Ministério Público requereu a manifestação do Município de Jacareí, anotando que “o bairro Varadouro possui diversos imóveis em condição de parcelamento irregular do solo” (fls. 56/57).

O Corregedor Permanente, por sua vez, concluiu que a formação de condomínio voluntário caracteriza hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo, cujo registro é vedado nos termos do item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, ainda que a alienação não se refira a área certa e determinada.

A sentença não merece reparo, pois acompanhou a orientação deste Conselho Superior da Magistratura.

Conforme voto proferido no julgamento da Apelação Cível n. 990.10.512.895-5, em maio de 2011, de lavra do Corregedor Geral da Justiça Des. Maurício Vidigal:

“A ausência de atrelamento da fração ideal ao solo, por si só, não legitima o registro, porquanto a simples expansão de condomínio supostamente pro indiviso no tempo, sem nenhuma relação de parentesco entre os sujeitos de direito, é indicativo, segundo o que normalmente acontece, de divisão informal, sem o controle registrário”.

No mesmo sentido foi a orientação nas Apelações Cíveis n. 0009405-61.2012.8.26.0189, 1004264-05.2015.8.26.0362, n. 1000352-08.2018.8.26.0584 e 1007822-05.2019.8.26.0019, dentre outras.

No caso concreto, além da situação incomum de aquisição conjunta por dezoito compradores sem vínculo e em proporções bastante distintas, a matrícula n. 96.208 indica que se trata de imóvel rural encravado, situado no Bairro do Varadouro (fl. 30), localidade com diversos imóveis irregularmente parcelados, sendo a situação conhecida do Ministério Público local (fls. 56/57).

Também não pode ser admitida a justificativa do estabelecimento de condomínio em multipropriedade, pois o título não traz indicação sobre a fração de tempo atribuída a cada adquirente ou remissão à Convenção do Condomínio, como determinam os artigos 1.358-F e 1.358- G do Código Civil, bem como o item 458 do Capítulo XX das NSCGJ.

Em suma, o formato do negócio entabulado e o contexto fático conhecido indicam parcelamento irregular do solo, com descumprimento do Estatuto da Terra (módulo rural mínimo), o que é vedado nos termos do item 166 do Capítulo XX das NSCGJ.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 22.02.2024 – SP)