1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Usucapião Extrajudicial – Impugnação – Sem exposição, ainda que sumária, de tais detalhes, a alegação genérica deve ser reputada, notadamente porque não permite defesa da parte suscitada ou confrontação com os outros elementos de prova apresentados – A parte inconformada, caso tenha interesse em impugnar requerimento de usucapião, deve apresentar fatos concretos e elementos de prova, ainda que indiciários – Impugnações rejeitadas.

 

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1170870-52.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado e Requerido: Tka Investimentos e Participações Ltda e outros

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital em decorrência de impugnação contra requerimento de TKA Investimentos e Participações Ltda pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião de imóvel localizado na alameda Jaú, n. 571 e 575, com área de 250 m², no 28º Subdistrito Jardim Paulista, em área remanescente objeto da transcrição n. 239 daquela serventia (prenotação n. 561.585, de 31 de janeiro de 2019).

Documentos vieram às fls. 02/2311, incluindo relatório circunstanciado (fls.02/07) e cópia integral do procedimento extrajudicial (fls.10/2311).

A parte suscitada aduz que adquiriu a posse do imóvel de Nedilson Jorge do Carmo por escritura de cessão de direitos possessórios lavrada em 28/06/2016; que o cedente, por sua vez, declarou ter mantido posse de boa-fé, sem contestação, desde 1986, quando foi residir no imóvel a convite de Marina Catena Aragão, onde permaneceu após o falecimento dela, assumindo todas as despesas (fls.11/22 e 166/176). Iniciada a fase de notificação, houve impugnação por parte de Fernando Cattena e sua mulher, Marilene Aparecida da Silva Cattena, sucessores dos proprietários tabulares, os quais alegaram que a posse de Nedilson não atende os requisitos legais; que, conforme fatura de energia elétrica apresentada, ele tinha domicílio na cidade de Guarulhos; que a testemunha Thomas Law não poderia atestar a veracidade das declarações de Nedilson, que não efetuou o pagamento do imposto predial no período de 1991 a 2017. Assim, impugnaram a constatação da posse feita pelo Tabelião que lavrou a ata notarial, sustentando que a ação proposta para discutir os débitos fiscais e as escrituras de cessão e declaração de posse são uma combinação entre Nedilson e a empresa requerente para obter vantagem econômica (fls. 1731/1737).

O sucessor Maurício Cattena e sua mulher, Soraya Souza Moraes, representados pelo mesmo procurador de Fernando e Marilene, apresentaram impugnação com os mesmos argumentos (fls. 1854/1860).

A sucessora Vanessa Catena de Santana Vilches e seu marido, Paulo Roberto Vilches, manifestaram oposição, alegando a existência de contrato verbal de locação, sem autorização para venda do imóvel (fls. 1837/1840).

No mesmo sentido, Oswaldo José Cattena, Laís dos Santos Spinello, Paulo Eduardo Catena, casado com Clotilde dos Santos Catena, Juliana Fernanda Catena Reis, Marcus Vinícius Catena Reis, Marlene Gomes da Silva, Luis Roberto Gomes Catena, Simone Aparecida Gomes Catena e Vitória Gabriela Catena Silva apresentaram impugnação, alegando que a posse de Nedilson decorreria de contrato de locação verbal havido com Roberto Catena, herdeiro dos proprietários, sem autorização para venda (fls. 1902/1908).

A parte suscitada respondeu às impugnações, defendendo serem elas infundadas e protelatórias, notadamente diante do exercício de posse qualificada, que é suficiente para o reconhecimento da usucapião (fls. 1775/1779, 1850/1853, 1876/1880 e 1943/1948).

Após o agendamento de reunião para tentativa de conciliação, outros sucessores dos proprietários se manifestaram: Antônio Jacob Cattena, Paulo Afonso Catena, Olga Kisielow Cattena, Raquel Cattena Laís Vasquez Cattena também apresentaram impugnações, aduzindo a tempestividade de sua oposição, bem como a inviabilidade da usucapião diante da litigiosidade instalada e da ausência de animus domini (fls. 2151/2158 e 2164/2174, com resposta às fls.2204/2208 e 2209/2215).

As partes não chegaram a um acordo (fls.2159/2160).

Na sequência, o Oficial rejeitou as impugnações apresentadas por Antônio Jacob Cattena, Paulo Afonso Catena, Olga Kisielow Cattena, Raquel Cattena e Laís Vasquez Cattena, entendendo que se limitam a apontar vícios nos documentos apresentados para comprovação da posse pela parte suscitada, sem esclarecer se detinham posse e o motivo de nunca terem manifestado oposição (fls.2226/2228 e 2230/2232).

Notificada, a impugnante Laís Vasquez Cattena apresentou recurso, alegando que a posse de Nedilson é precária pois decorre de contrato de locação; que, diante das impugnações, restando frustrada a conciliação, o procedimento deve prosseguir na via judicial (fls. 2235/2241).

A parte suscitada apresentou suas contrarrazões às fls. 2249/2250, sustentando que as razões recursais apenas reproduzem os argumentos da impugnação.

O procedimento extrajudicial foi remetido à apreciação deste juízo (processo de autos n. 1094171-20.2023.8.26.0100 – fls. 2252/2259), que se restringiu ao recurso de Laís Vasquez (fls. 2235/2241), dado que os herdeiros Antônio, Paulo, Olga e Raquel não manifestaram inconformismo contra a decisão de fls. 2226/2228 e as demais impugnações não foram avaliadas pelo Oficial (fls.1731/17437, 1837/1840, 1854/1860 e 1902/1908).

No que diz respeito à impugnação de Laís Vasquez, o recurso por ela apresentado foi rejeitado, com determinação para regular prosseguimento do procedimento extrajudicial e apreciação, pelo Oficial, das impugnações copiadas às fls.1731/1737, 1837/1840, 1854/1860 e 1902/1908 (fls. 2252/2259).

Em atenção ao quanto determinado, o Oficial apreciou as impugnações remanescentes, rejeitando-as (fls. 2261/2264).

Notificados (fls. 2266/2267), os impugnantes Oswaldo José Cattena, Laís dos Santos Spinello, Paulo Eduardo Catena, casado com Clotilde dos Santos Catena, Juliana Fernanda Catena Reis, Marcus Vinícius Catena Reis, Marlene Gomes da Silva, Luis Roberto Gomes Catena, Simone Aparecida Gomes Catena e Vitória Gabriela Catena Silva apresentaram recurso (fls. 2270/2272), alegando que a parte suscitada e Nedilson não tinham animus domini, já que sua relação com o imóvel decorria de contrato locativo, sem pagamento das despesas de IPTU; que o preço ajustado e pago pela parte suscitada a Nedilson corresponde a apenas 10% do valor venal do imóvel, muito inferior ao de mercado, o que confirma conluio.

Na sequência, os impugnantes Fernando Cattena e sua mulher, Marilene Aparecida da Silva Cattena, juntamente com Maurício Cattena e sua mulher, Soraya Souza Moraes, manifestaram-se (fls. 2274/2275), objetivando a reavaliação da decisão do Oficial, já que resta configurado conflito em relação ao imóvel.

A parte suscitada apresentou suas contrarrazões às fls. 2277/2281 e 2293/2300, sustentando que os impugnantes apresentaram os mesmos argumentos já rechaçados pelo Oficial, sem que produzissem prova capaz de comprovar posse em qualquer momento; que não há impedimento à usucapião em razão de o antigo possuidor Nedilson deter a posse de outros imóveis; que os documentos produzidos comprovam preenchimento do lapso temporal da pretensão aquisitiva, tal como contas de água e luz do período de 1989 a 2016 em nome do antigo possuidor (posse por mais de quinze anos de forma contínua e ininterrupta); que a data de constituição da sociedade empresária requerente é irrelevante, assim como o fato de Thomas Law ter apenas cinco anos quando Nedilson iniciou a posse; que, em relação aos débitos de IPTU, comprovou parcelamento administrativo referente ao período de 2013 a 2019, restando essa questão superada por ocasião do anterior julgamento proferido por este juízo; que ausente qualquer prova do contrato de locação celebrado por Nedilson com um dos herdeiros dos proprietários, Roberto Catena; que todas as impugnações são infundadas e protelatórias, notadamente diante do exercício de posse qualificada, que é suficiente para o reconhecimento da usucapião.

O Ministério Público opinou pela negativa de prosseguimento pela via extrajudicial, já que o caso demanda dilação probatória (fls. 2317/2318).

Na sequência, a parte suscitada veio espontaneamente aos autos manifestar-se a respeito do parecer ministerial, afirmando serem as demais impugnações semelhantes à impugnação apresentada por Laís Vasquez, julgada infundada no processo de autos n. 1094171-20.2023.8.26.0100 (fls. 2252/2259), notadamente porque não há elemento concreto de prova capaz de macular a origem e a continuidade de sua posse e a de seu antecessor, Nedilson (fls. 2320/2322).

É o relatório.

Fundamento e decido.

O procedimento de usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do §10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73

As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no item 420.5 de seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória:

“420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.

Como bem esclarece o dispositivo, tal julgamento deve se dar de plano ou após instrução sumária, não cabendo ao juiz corregedor permitir a produção de prova para que se demonstre a existência de óbice ao reconhecimento da usucapião.

Neste juízo administrativo, portanto, permite-se apenas o afastamento de impugnações infundadas, conforme Capítulo XX, das NSCGJ:

“420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião”.

É dizer que, apresentada impugnação, deve-se apenas verificar se seu caráter é meramente protelatório ou completamente infundado.

Havendo qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (item 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

No caso em tela, como visto, já houve julgamento anterior (processo de autos n. 1094171-20.2023.8.26.0100, fls. 2252/2259), com análise da impugnação de Laís Vasquez (fls. 2164/2174):

“No que diz respeito à impugnação de Laís, esta veio às fls.2185/2195, tratando, preliminarmente, de sua tempestividade e, no mérito, da ausência de animus domini à posse alegada pela parte requerente, a qual seria precária por decorrer de contrato de locação firmado entre o herdeiro Roberto Cattena e Nedilson, e que, diante das impugnações e da ausência de conciliação, o procedimento não pode mais prosseguir na via extrajudicial.

Conforme já esclarecido, o prazo para impugnação no procedimento extrajudicial não é preclusivo, de modo que a matéria por ela veiculada deve ser analisada, mesmo que intempestiva.

Nesse sentido:

“Registro de Imóveis Dúvida Usucapião na via extrajudicial Impugnação apresentada em nome de titular de direito e de um terceiro e que, mesmo intempestiva, pode ser conhecida Prazo para impugnar que não é preclusivo Exposição, ainda que sumária, das razões de discordância Litigiosidade Óbice registral mantido e sentença confirmada, remetendo-se os requerentes para a via contenciosa Apelação a que se nega provimento” (TJSP; Apelação Cível 1000378-32.2020.8.26.0100; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 04/05/2021; Data de Registro: 12/05/2021).

Quanto à precariedade da posse, verifica-se que não há qualquer informação mais detalhada sobre a relação de locação que haveria com Nedilson: não há esclarecimento sobre a época aproximada da contratação, o valor mensal que seria pago, a forma de pagamento, o prazo avençado nem a responsabilidade pelos demais encargos que incidem sobre o imóvel.

Sem uma exposição sumária de tais detalhes, a alegação genérica deve ser reputada infundada nos termos do item 420.2, Cap. XX, notadamente porque não permite a defesa da parte requerente ou a confrontação com outros elementos de prova apresentados.

Como se sabe, diante do princípio da saisine, os herdeiros recebem o acervo hereditário desde a abertura da sucessão, o qual será indivisível até a finalização da partilha, seguindo as normas relativas ao condomínio (artigos 1.784 e 1.791 do Código Civil).

Assim, a posse sobre os imóveis do autor da herança é transmitida ope legis aos seus herdeiros por translatio possessionis, independentemente de qualquer ato de apreensão em primeira mão. Recebida a posse indireta sobre os bens, o processo de inventário e partilha do patrimônio hereditário deve ser instaurado no prazo de dois meses e, até o compromisso do inventariante, a administração do bem incumbirá ao herdeiro que detém a posse (artigo 611 do CPC e artigo 1.797, II, do CC).

Nesse primeiro momento, o herdeiro conserva a posse em nome do espólio e pode administrá-lo, inclusive com celebração de negócios como locação.

Todavia, é possível a transformação do caráter original da posse exercida pelo locatário, de não própria para própria, rompendo a ligação com o locador pela comprovação da interversão da posse, o que tem fundamento no artigo 1.203 do Código Civil.

Outrossim, a interversio possessionis não depende exclusivamente de ato bilateral entre o possuidor direto e o locador. O caráter da posse pode ser alterado unilateralmente mediante atos concretos e materializados que exteriorizem a mudança subjetiva da intenção do possuidor.

No julgamento do REsp nº 220.200-SP, com Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do STJ decidiu que há sempre a possibilidade da mudança do caráter da posse, de não própria para própria, mas, para que isto se verifique, “deve o possuidor praticar atos que demonstrem o querer agir na condição de proprietário, como a realização de benfeitorias, a interrupção do pagamento de aluguéis, a desobediência às ordens do proprietário”.

Não obstante, o possuidor indireto também deve demonstrar que continuou agindo na condição de proprietário.

No caso concreto, vê-se que a causa possessionis indicada pela parte requerente é distinta e vem apoiada em elementos concretos de prova, que serão melhor analisados pelo Oficial registrador ao final do procedimento.

Havendo interesse em impugnar o requerimento, a parte inconformada também deve apresentar elementos concretos de prova.

Se alega uma relação de locação, deve esclarecer a forma como o herdeiro administrador recebeu a posse do bem, o valor e a forma de pagamento dos aluguéis. Ainda que se alegue locação verbal, a relação contratual pode ser demonstrada por outros elementos concretos como comprovantes bancários de transferência ou pagamento ou por troca de mensagens tratando de qualquer assunto relativo ao imóvel.

Obviamente, se não há cobrança de aluguel em uma relação de locação, a conclusão é de que o próprio locador reconhece o rompimento dessa relação contratual e da perspectiva de devolução futura da coisa, devendo agir em tempo razoável, sob pena de sujeitarse aos efeitos de sua inércia.

Assim, por não haver uma exposição ao menos sumária dos motivos da sua discordância (apresentou-se tese genérica de locação sem esclarecimentos maiores e provas), a impugnação apresentada por Laís foi corretamente rejeitada.

Por fim, importante reiterar que a mera apresentação de impugnação não inviabiliza o procedimento extrajudicial, que somente estará prejudicado se houver indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses.

Diante do exposto, RATIFICO a decisão do Oficial, REJEITANDO a impugnação de fls.2185/2195 (correspondentes às fls.1834/1844 dos autos do procedimento extrajudicial) e o recurso apresentado, de modo que o procedimento extrajudicial possa ter regular prosseguimento, após o trânsito em julgado, com apreciação, pelo Oficial registrador das impugnações copiadas às fls.1736/1742, 1842/1845, 1859/1865 e 1907/1913″.

Em suma, como inexistia qualquer elemento suficiente ao esclarecimento da tese sobre a relação de locação que haveria entre o antigo possuidor Nedilson e um dos herdeiros dos proprietários tabulares, a impugnação de Laís Vasquez foi rejeitada.

Já nesta fase do procedimento extrajudicial, verifica-se que o Oficial cumpriu o determinado no julgamento anterior, analisando as demais impugnações, as quais foram rejeitadas (fls. 2261/2264).

Posteriormente, e em relação às impugnações apresentadas por Fernando Cattena e sua esposa, Marilene Aparecida da Silva Cattena (fls. 1731/1737) e Maurício Cattena e sua esposa, Soraya Souza Moraes (fls. 1854/1860), os impugnantes apresentaram manifestação conjunta contra a decisão do Oficial de fls. 2261/2264 (fls. 2274/2275).

Em relação à impugnação de fls. 1902/1908, os impugnantes Oswaldo José Cattena, Laís dos Santos Spinello, Paulo Eduardo Catena, Juliana Fernanda Catena Reis, Marcus Vinícius Catena Reis, Marlene Gomes da Silva, Luis Roberto Gomes Catena, Simone Aparecida Gomes Catena e Vitória Gabriela Catena Silva também se opuseram à decisão do Oficial de fls. 2261/2264, apresentando recurso às fls. 2270/2272.

Apenas os herdeiros Vanessa Catena de Santana e seu marido Paulo Roberto Vilches não se insurgiram.

Passo, assim, à análise das impugnações copiadas às fls. 1731/1737, 1854/1860 e 1902/1908, bem como dos respectivos recursos (fls. 2274/2275 e 2270/2272).

Quanto às impugnações apresentadas por Fernando Cattena e sua esposa, Marilene Aparecida da Silva Cattena (fls. 1731/1737), e Maurício Cattena e sua esposa, Soraya Souza Moraes (fls. 1854/1860), representados pelo mesmo procurador, a tese é de que o antigo possuidor, Nedilson, não possuía posse qualificada, faltando animus domini, requisito essencial para a usucapião, notadamente porque residia em local diverso, rua Cassiano Gomes, n. 3, Jardim Acácio, Guarulhos – SP, conforme fatura de energia elétrica (fl. 1738).

Alegam, ainda, que o depoimento da testemunha Thomas Law, sócio administrador da parte suscitada (cláusula 4.1, contrato social – fl. 31), conforme escritura de declaração de posse (fls. 101/102), carece de veracidade, notadamente porque teria apenas cinco anos de idade na ocasião em que o Sr. Nedilson declarou ter adentrado na posse do imóvel, em 1986, como também em razão do início das atividades da empresa em 2013; que não houve pagamento do Imposto Territorial Urbano (IPTU) do imóvel no período de 1991 a 2017, conforme ação anulatória de débito fiscal ajuizada pela parte requerente perante a 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital (processo de autos n. 1036641-78.2018.8.26.0053), o que corrobora a falta de posse qualificada no período, haja vista que fosse Nedilson proprietário ou possuidor, teria consciência da obrigatoriedade e da importância de honrar os pagamentos de IPTU; que houve conluio entre Nedilson e a parte suscitada, tendo em vista o valor negociado e o valor de mercado do imóvel.

Aduzem, por fim, a existência de efetivo conflito quanto aos direitos sobre o

imóvel, o que torna necessária análise pelas vias ordinárias (há ação de usucapião extraordinária ajuizada pela parte suscitada requerente, autos n. 1021258-50.2017.8.26.0100, com trâmite suspenso perante a 2ª Vara de Registros Públicos da Capital).

No que diz respeito à impugnação de Oswaldo José Cattena, Laís dos Santos Spinello, Paulo Eduardo Catena, Juliana Fernanda Catena Reis, Marcus Vinícius Catena Reis, Marlene Gomes da Silva, Luis Roberto Gomes Catena, Simone Aparecida Gomes Catena e Vitória Gabriela Catena Silva, copiada às fls. 1902/1908, a tese também é de precariedade da posse exercida por Nedilson, notadamente em razão da falta de animus domini.

Sustentam que o antigo possuidor celebrou contrato locativo com um dos herdeiros dos proprietários tabulares, Roberto Catena, e que, mesmo havendo comprovantes de pagamento de encargos relativos ao imóvel às expensas de Nedilson, como também a realização de benfeitorias necessárias por sua parte, não há descaracterização da relação jurídica locativa; que nem todos os encargos de IPTU foram pagos pelo antigo possuidor, o que confirma a falta de animus domini; que o preço pago pela parte suscitada ao antigo possuidor é muito inferior ao valor de mercado do bem, que caracteriza preço vil e traz dúvida sobre a real intenção das partes com o negócio, em prejuízo aos proprietários.

Pois bem.

Conforme já esclarecido por ocasião do julgamento anteriormente proferido (sentença copiada às fls. 2252/2259), verifica-se que os impugnantes não alegaram posse nem trouxeram qualquer informação mais detalhada sobre a suposta relação de locação que haveria com Nedilson: não há esclarecimento sobre a época aproximada da contratação, o valor mensal que seria pago, a forma de pagamento, o prazo avençado nem a responsabilidade pelos demais encargos que incidem sobre o imóvel.

Sem exposição, ainda que sumária, de tais detalhes, a alegação genérica deve ser reputada infundada nos termos do item 420.2, Cap. XX, NSCGJ, notadamente porque não permite defesa da parte suscitada ou confrontação com os outros elementos de prova apresentados.

A parte inconformada, caso tenha interesse em impugnar requerimento de usucapião, deve apresentar fatos concretos e elementos de prova, ainda que indiciários.

Se alega relação de locação (ausência de animus dominis), deve esclarecer o meio pelo qual o herdeiro administrador recebeu a posse do bem, o tempo da contratação, o valor e a forma de pagamento dos aluguéis.

Ainda que se alegue locação verbal, a relação contratual pode ser demonstrada por outros elementos concretos como comprovantes bancários de transferência ou pagamento ou por troca de mensagens tratando de qualquer assunto relativo ao imóvel.

Obviamente, se não há cobrança de aluguel em locação, a conclusão é de que o próprio locador reconhece o rompimento dessa relação contratual e da perspectiva de devolução futura da coisa, devendo agir em tempo razoável, sob pena de sujeitar-se aos efeitos de sua inércia.

Em relação à existência de conta de luz em nome do antigo possuidor, Nedilson, referente a imóvel de outra Comarca (fl. 1738), no ano de 2012, período compreendido no tempo de posse alegada, observa-se que a modalidade pleiteada pela parte suscitada é de usucapião extraordinária (fl. 03). Assim, não há qualquer óbice para o pedido de usucapião, mesmo se o possuidor não faz do bem a sua moradia.

Por sua vez, as contas de água e luz (fls. 126/155), declarações de posse (fls. 101/106 e 106/109), ata notarial (fls. 35/48) e inclusive a existência de débitos fiscais (IPTU) no período de 1991 a 2013, em relação aos quais a parte suscitada noticia parcelamento junto ao fisco (fl. 2297), confirmam a posse qualificada alegada.

Em outros termos, a alegação de posse exclusiva sobre a totalidade do bem por Nedilson desde o ano de 1986 (fls. 101/102), com ânimo de dono e sem qualquer oposição, com continuidade pela parte suscitada a partir de 28/06/2016 (escritura pública de cessão de direitos possessórios), conta com respaldo documental satisfatório, como bem verificado pelo Oficial (fls. 2.261/2.264).

Neste contexto, a rejeição das impugnações, por tecerem teses genéricas e desprovidas de esclarecimentos maiores ou prova, foi adequada.

Diante do exposto, RATIFICO a decisão do Oficial de fls. 2.261/2.264, REJEITANDO as impugnações e os recursos apresentados, de modo que o procedimento extrajudicial possa ter regular prosseguimento.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito

(DJe de 19.12.2023 – SP)