CSM|SP: Registro de imóveis – Ausência da certidão de localização expedida pelo município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou – Óbice mantido – Baixa do cadastro no INCRA que será possibilitada com a apresentação da certidão em apreço, nos termos da instrução normativa do INCRA Nº 82/2015 e da correspondente nota técnica INCRA/DF/DFC Nº 02/2016 – Exigência quanto ao reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição de sociedade com integralização do capital afastada a certidão de inteiro teor da JUCESP instruída com o instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens é hábil a registro inteligência do artigo 54 da Lei Nº 8.934/94 – Dúvida que procede por não afastados todos os óbices – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006225-47.2022.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que é apelante PRÓSPERO INVESTIMENTOS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BRAGANÇA PAULISTA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 22 de setembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006225-47.2022.8.26.0099

APELANTE: PRÓSPERO INVESTIMENTOS LTDA

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BRAGANÇA PAULISTA

VOTO Nº 39.117

Registro de imóveis – Ausência da certidão de localização expedida pelo município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou – Óbice mantido – Baixa do cadastro no INCRA que será possibilitada com a apresentação da certidão em apreço, nos termos da instrução normativa do INCRA Nº 82/2015 e da correspondente nota técnica INCRA/DF/DFC Nº 02/2016 – Exigência quanto ao reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição de sociedade com integralização do capital afastada a certidão de inteiro teor da JUCESP instruída com o instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens é hábil a registro inteligência do artigo 54 da Lei Nº 8.934/94 – Dúvida que procede por não afastados todos os óbices – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação (fls. 108/118) interposta por Próspero Investimentos Ltda. contra a r. sentença (fls. 96/97) que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bragança Paulista, São Paulo, em promover o registro da transferência do imóvel da matrícula nº 53.626 do patrimônio dos sócios para o da sociedade em decorrência da integralização do capital, devido à necessidade de prévia audiência do INCRA para alteração da natureza do bem, de rural para urbano, e de reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição de sociedade com integralização de bens.

A r. sentença manteve a dúvida no entendimento de que a audiência do INCRA para alteração da natureza do imóvel está prevista no artigo 53, da Lei nº 6.766/79 e porque a exigência de firma reconhecida consta no artigo 221, II, da Lei nº 6.015/1973, não havendo exceção para os atos registrados na junta comercial.

Houve interposição de embargos de declaração da sentença, que foram rejeitados por pretenderem discutir o mérito da decisão (fls. 105).

Alega a apelante, em síntese, que a manifestação do INCRA é desnecessária porque o imóvel é tributado por IPTU e o próprio Oficial Registrador reconhece que a área não é mais rural, e que o título dominial foi registrado na JUCESP, sendo dispensável o reconhecimento das firmas por meio físico.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 137/140).

É o relatório.

Próspero Investimentos Ltda. requereu ao Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bragança Paulista, em 02/06/2021, a transferência do imóvel de matrícula nº 53.626 para seu nome, em razão da integralização do bem levada a efeito pelos sócios, Marcos Rimoli Prospero e sua mulher Carla Hanli Cavalcanti Yue, por ocasião da constituição da sociedade.

Sobreveio a nota de exigência n° 275507, com o apontamento de quatro óbices (fls. 58/59). Com a perda da validade da prenotação, o título foi reapresentado em 19 de julho de 2022 e prenotado sob nº 290195, prevalecendo três óbices (fls. 77/84), adiante indicados:

“1. como os assentos registrários estão nos mostrado (sic) o imóvel em questão, como rural, e o expediente a que citada nota de devolução está a se reportar, como urbano, necessárias providências para que possa esta Serventia cancelar o cadastro do citado bem junto ao INCRA, e averbar seu cadastro como urbano, junto à Prefeitura de Vargem, município de sua localização, o que ainda não foi apresentado à Serventia;

2. temos também informações no expediente que motivou a análise resultante da sobredita nota de devolução, de que citado imóvel encontrasse no perímetro urbano do município de Vargem desta comarca de Bragança, o que precisa ser demonstrado com documento da Prefeitura do município de sua localização; e

3. necessidade de prova do reconhecimento das firmas lançadas no instrumento particular que cuidou da constituição da empresa Prospero Investimentos Ltda., que está fazendo parte da certidão expedida pela Junta Comercial deste estado (sic) de São Paulo”.

E a r. sentença (fls. 96/97) manteve os óbices registrais.

Em que pese às razões recursais, a exigência quanto à demonstração de que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, deve prevalecer.

Com efeito, apesar da sentença ter mantido a exigência sob fundamento de que é necessária a prévia audiência do INCRA para a baixa do cadastro do imóvel de rural para urbano, invocando o artigo 53 da Lei nº 6.766/79, vê-se que o Oficial não exigiu a referida baixa, apenas solicitou a apresentação dos documentos necessários para que pudesse realizar o cancelamento do cadastro do citado bem naquele instituto.

Confira-se novamente a exigência:

“1. – como os assentos registrários estão nos mostrado (sic) o imóvel em questão, como rural, e o expediente a que citada nota de devolução está a se reportar como urbano, necessárias providências para que possa esta Serventia cancelar o cadastro do citado bem junto ao INCRA, e averbar seu cadastro como urbano, junto à Prefeitura de Vargem, município de sua localização, o que ainda não foi apresentado à Serventia;

2. temos também informações no expediente que motivou a análise resultante da sobredita nota de devolução, de que citado imóvel encontrasse no perímetro urbano do município de Vargem desta comarca de Bragança, o que precisa ser demonstrado com documento da Prefeitura do município de sua localização;” (g.n.)

O que o Registrador está a exigir, portanto, é a apresentação dos documentos necessários para a comprovação de que o imóvel teve alterada sua natureza de rural para urbana, a fim de possibilitar oportuna baixa do imóvel no INCRA.

E dita comprovação se faz com a apresentação da certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, nos termos do que estabelece a Instrução Normativa do INCRA de nº 82/2015.

Muito embora o artigo 53 da Lei nº 6.766/79 mencione a necessidade da prévia audiência do INCRA para a alteração da destinação do uso do imóvel de rural para urbano, o próprio instituto entende que o cumprimento do disposto neste artigo dá-se apenas mediante a apresentação de certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, conforme o artigo 23, II, da Instrução Normativa do INCRA nº 82/2015:

“Art. 23. O requerimento será instruído com a seguinte documentação:

[…]

II – certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou;”

O INCRA emitiu nota técnica com a seguinte conclusão a respeito da questão:

“d) a prévia audiência do INCRA para alteração de uso do solo rural para fins urbanos, a que se refere o art. 53 da Lei 6.766/79, deve ser interpretada como realização das operações cadastrais pertinentes, nos termos do Capítulo VI da Instrução Normativa INCRA nº 82/2015, após a prática dos atos registrais respectivos” (Nota Técnica INCRA/DF/DFC nº 02/2016).

E com referência à documentação exigida para a comprovação da alteração do uso do solo de rural para urbano destaca-se justamente a do inciso II do artigo 23 da IN do INCRA nº 82/2015, com a exigência de apresentação da “certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou”.

Então, necessária a apresentação da certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou (art. 23, II, da IN do INCRA nº 82/2015), o que possibilitará, inclusive, a baixa no INCRA.

A Ficha de Cadastro Imobiliário (fls. 53/54), a Certidão de Dados Cadastrais e Valor Venal do Imóvel (fls. 55) e o boleto para pagamento do IPTU (fls. 56) não são documentos que suprem a certidão do Município de que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com a indicação do ato legislativo que o delimitou, à evidência. Não se trata de se apegar a formalismo exagerado, mas de dar cumprimento ao que as normas aplicáveis consideram ser a documentação pertinente a comprovar a alteração do uso do solo de rural para urbano.

A derradeira exigência, todavia, não prevalece.

A certidão de inteiro teor do registro realizado pela JUCESP com referência à constituição da sociedade com integralização de bens (fls. 32/51) é que foi apresentada a registro, e o instrumento particular correspondente apenas fez parte integrante da documentação que acompanhou a certidão da JUCESP (fls. 34/45).

Aliás, isso é o que constou expressamente da manifestação do Oficial a seguir transcrita: “3. necessidade de prova do reconhecimento das firmas lançadas no instrumento particular que cuidou da constituição da empresa Prospero Investimentos Ltda., que está fazendo parte da certidão expedida pela Junta Comercial deste estado (sic) de São Paulo” (grifa-se).

Não se tratou, portanto, de mera apresentação do instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens a registro, mas de certidão de inteiro teor do registro realizado pela JUCESP, que se fez acompanhar de cópia da documentação, inclusive do instrumento em apreço.

E nos termos do artigo 64, da Lei nº 8.934/94, que cuida do Registro Mercantil, “a certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital”.

Trata-se de norma especial que prevalece sobre a norma geral contida no artigo 108 do Código Civil.

Como na hipótese “sub judice” foi apresentada a certidão de inteiro teor do registro realizado na JUCESP, documento hábil à efetivação do registro da transferência do imóvel, “ex vi” do disposto no artigo 64, da Lei nº 8.934/94, a exigência de reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens era descabida.

Em suma, prevalecendo a exigência quanto à apresentação da certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, ainda que afastada a outra exigência, a dúvida procede e o recurso de apelação deve ser rejeitado.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 21.11.2023 – SP)