CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de dação em pagamento – Imóvel que sofreu destaque decorrente de desapropriação – Necessidade de prévia retificação de registro para adequação da descrição do imóvel e apuração da área remanescente – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Controle da disponibilidade – Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1013702-20.2022.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante COMERCIAL AGRICOLA E ADMINISTRADORA MORIANO LTDA, é apelado OFICIAL DO REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1013702-20.2022.8.26.0068

APELANTE: Comercial Agricola e Administradora Moriano Ltda

APELADO: Oficial do Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Barueri

VOTO Nº 39.082

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de dação em pagamento – Imóvel que sofreu destaque decorrente de desapropriação – Necessidade de prévia retificação de registro para adequação da descrição do imóvel e apuração da área remanescente – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Controle da disponibilidade – Recurso a que se nega provimento.

Cuida-se de apelação interposta por COMERCIAL AGRÍCOLA E ADMINISTRADORA MORIANO LTDAem face da r. sentença (fls. 101/102), de lavra da MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Barueri, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o acesso ao registro imobiliário da escritura pública de dação em pagamento lavrada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Jardim Silveira da Comarca de Barueri que tem por objeto o imóvel matriculado sob o n.º 15.693.

Da nota devolutiva de fls. 62/63, que qualificou negativamente o título, constou a seguinte exigência:

“Foi apresentado requerimento datado de 07 de julho de 2022, no qual consta a solicitação para o registro da escritura de dação em pagamento lavrada aos 01 de dezembro de 1998, no livro 93, às fls. 051/054, do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Jardim Silveira, com base no §17 do artigo 176 da Lei 6.015/73, incluído pela Lei n.º 14.382/2022.

Do referido dispositivo consta o seguinte: (…) §17 Os elementos de especialidade objetiva ou subjetiva que nãoalterarem elementos essenciais do ato ou negócio jurídicopraticado quando não constantes do título ou do acervo registral, poderão ser complementados por outros documentos ou, quando se tratar de manifestação de vontade, por declarações dos proprietários ou dos interessados, sob sua responsabilidade.

Pelo referido dispositivo é possível a complementação por outros documentos ou por declarações quando não alterarem elementos essenciais do ato ou negócio praticado, todavia, com relação ao título em questão o óbice está justamente no objeto do negócio jurídico, ou seja, o imóvel que está sendo dado em pagamento, cuja descrição constante da escritura não coincide com a descrição real existente no imóvel, uma vez que necessária a prévia apuração do remanescente, cujo procedimento possui dispositivo próprio, nos termos do artigo 213 da Lei n.º 6.015/73.

Além disso, conforme consta do próprio requerimento, já foi prenotado neste Oficial procedimento de apuração de remanescente (protocolo 495.657), o qual foi arquivado sem a prática de ato, conforme decisão deste Oficial de Registro de Imóveis, devendo o deslinde do caso ocorrer na via judicial, com ampla dilação probatória e elaboração de laudo por perito nomeado pelo juízo, além de outros meios de prova apropriados à situação.

Diante do exposto, este Oficial deixa de praticar o ato pretendido, e reitera a decisão de que para o registro da escritura seja realizada a prévia apuração do remanescente do imóvel, visto tratar-se de alteração em elemento essencial do negócio jurídico realizado.”

Sustenta a apelante, em suma, que não há incompatibilidade entre o título levado a registro e a descrição constante da matrícula. A existência de requerimento de apuração de remanescente não impede o registro da escritura pública de dação em pagamento à vista do §17 do art. 176 da Lei n.º 6.015/73.

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 161/163).

É o relatório.

Respeitados os argumentos expendidos, a apelação não comporta guarida.

O destaque decorrente de desapropriação levada a efeito pelo Município de Barueri fez com que a matrícula imobiliária nº 15.693 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Barueri (fls. 64/68) perdesse suas características de especialização objetiva: ou seja, a descrição original já não corresponde à atual configuração do imóvel.

Com efeito, o imóvel não tem mais 8.000 m² e as confrontações como antes descritas, pois sofreu os destaques de 2.017,80 m² (Av. 10) decorrente de desapropriação.

O título apresentado a registro, por sua vez, faz referência à descrição original do imóvel, sem qualquer menção à área destacada (fls. 52/55).

Ora, desfigurado o imóvel primitivo, de rigor a apuração da área remanescente, sem o que não é viável o registro do título que lhe diz respeito, sob pena de violação ao princípio da especialidade objetiva, nos termos do art. 225 da Lei de Registros Públicos.

Pelo princípio da especialidade, todo e qualquer imóvel precisa ter perfeita e correta identificação, para não ser confundido com outro. Tal princípio exige que o bem seja descrito como corpo certo, identificado e caracterizado.

Na lição de Afrânio de Carvalho, “significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado”… ou seja, conter “os dados geográficos que se exigem para individuar o imóvel, isto é, para determinar o espaço terrestre por ele ocupado” (“Registro de Imóveis”, 4ª ed., Forense, RJ, 1998, p. 203).

Nesse sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura de compra e venda. Área maior transcrita, com marcos imprecisos e contendo diversos desfalques, perdendo suas características de especialização objetiva. Necessidade de retificação. Apuração de remanescente. Dúvida procedente. Recurso desprovido”. (Apelação n º 1000035-06.2018.8.26.0068, da Comarca de Barueri, Rel. DES. GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO).

A própria Lei de Registros Públicos, em seu artigo 213, §7º, estabelece a adoção do procedimento previsto no artigo 213, II, da Lei nº 6.015/1973, quando a descrição original do imóvel sofreu alteração em razão de desfalque parcial sem que tenha ocorrido a apuração do remanescente.

Certo é que à vista do destaque não se permite o perfeito controle da disponibilidade, com sérios reflexos em face da especialidade objetiva.

Desta forma, para a própria segurança do registro imobiliário e dos efeitos dele irradiados e com a finalidade de preservar a especialidade registrária, sem a prévia retificação do registro, consistente em apurar-se a caracterização do imóvel que remanesce na matrícula, dando-lhe descrição e atribuindo-lhe área certa, inviável a pretendida inscrição na tábua registral.

Finalmente, indiscutível que o negócio jurídico celebrado (dação em pagamento) tem como elemento essencial o imóvel, descrito com a área total constante da matrícula quando de sua abertura, desconsiderando o destaque realizado em razão de desapropriação, de modo que inaplicável o §17, do art. 176 da Lei de Registros Públicos, que assim dispõe:

“Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

§ 17. Os elementos de especialidade objetiva ou subjetiva que não alterarem elementos essenciais do ato ou negócio jurídico praticado, quando não constantes do título ou do acervo registral, poderão ser complementados por outros documentos ou, quando se tratar de manifestação de vontade, por declarações dos proprietários ou dos interessados, sob sua responsabilidade. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)”

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 01.11.2023 – SP)