1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóvel – Conferência de Bens – Exigência de recolhimento de ITBI entre o valor atribuído e o valor venal de referência – Preenchimento da declaração de não incidência do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo-paradigma do Tema n.1.113) – Cumpre destacar que somente o valor que excede o limite do capital integralizado está sujeito à incidência do ITBI – Exigência afastada – Dúvida improcedente.

SENTENÇA

Processo nº: 1123933-81.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis

Suscitado: Ricardo Antonio Sparvoli

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Ricardo Antonio Sparvoli tendo em vista negativa de registro de instrumento particular de transformação de contrato social, por meio do qual sócio resolveu pelo aumento do capital social mediante conferência do imóvel objeto da matrícula n. 4.527 daquela serventia (prenotação n. 602.032).

O Oficial informa que a negativa foi motivada pela necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a diferença apurada entre o valor atribuído ao imóvel (R$ 2.225.879,00) e o valor venal de referência (R$ 2.790.339,00), notadamente porque a lei impõe aos registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal.

Documentos vieram às fls. 04/46.

Em manifestação dirigida ao Oficial e em impugnação, a parte suscitada alegou que o capital social da empresa foi integralizado pelo imóvel da matrícula n. 4.527, com atribuição de valor de R$ 2.225.879,00, tal como consta na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física do sócio proprietário, o que é autorizado pelo artigo 23 da Lei n. 9.249/95; que a incidência do ITBI é exigida quando o valor do bem tem apenas parte integralizada ao capital social, com remanescente destinado a constituição de reserva de capital; que não houve excesso de valor além daquele integralizado, inexistindo qualquer imposição legal quanto à obrigatoriedade da aplicação do valor venal considerado unilateralmente na exigência apresentada; que todo o patrimônio imobiliário foi integralizado na conta de capital social, não havendo incidência do ITBI com base na tese firmada pelo STF para o tema n. 796 (fls. 13/24 e 47/55).

O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls. 59/63).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n.8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Não se desconhece que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n.8.935/1994).

Entretanto, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Nessa mesma linha, este juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processo de autos número 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100 e 1039015-81.2022.8.26.0100).

No caso concreto, verifica-se que o aumento de capital no valor de R$ 2.225.879,00 foi integralizado pelo sócio Ricardo Antonio Sparvoli mediante conferência do imóvel objeto da matrícula n. 4.527 do 10º RI da Capital (fls. 04/09), valor esse que foi informado à municipalidade conforme declaração de não incidência de fl. 35.

Em que pese a ausência de demonstração do valor declarado do imóvel para efeitos de imposto de renda, o preenchimento da declaração de não incidência do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo-paradigma do Tema n.1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral:

“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.

Cumpre destacar que somente o valor que excede o limite do capital integralizado está sujeito à incidência do ITBI, conforme tese firmada pelo STF para o tema n.796 de Repercussão Geral, nos seguintes termos:

“A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Outrossim, quanto à data do fato gerador informada na declaração de imunidade, deve-se atentar que a hipótese de incidência surge justamente na ocasião do registro do título, como reconheceu o STF no julgamento de mérito do Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.294.969/SP, com repercussão geral (processo-paradigma do Tema n. 1124 ITBI –  Ausência Registro Cartório):

“O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

Nesse contexto, incumbe à municipalidade questionar as informações prestadas pelo contribuinte e exigir o que entender devido pela via adequada.

A exigência formulada na nota de devolução de fls. 44/46 deve, portanto, ser afastada.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, consequentemente, determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 05 de outubro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito

(DJe de 09.10.2023 – SP)