2ª VRP|SP: Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – Expedição de certidão em inteiro teor – Existência de dados sensíveis – Expedição somente aos próprios interessados, seus representantes legais ou mandatários com poderes especiais – O Oficial pode solicitar a firma reconhecida no requerimento ou esteja assinado digitalmente – Procedimento arquivado.

Processo 0046856-13.2023.8.26.0100

Pedido de Providências

Registros Públicos – C.G.J.

S.P.D. e outro

Vistos

Trata-se de representação efetuada perante a E. Corregedoria Nacional de Justiça encaminhada pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça referindo irregularidades na exigência de pedido de reconhecimento de firma em procuração outorgada a Dr. Advogado para expedição de certidão de registro civil em inteiro teor (a fls. 01/26).

Houve a juntada aos autos de cópias de outros expedientes que tramitaram perante esta Corregedoria Permanente (a fls. 30/162).

A Sra. Oficial prestou informações (a fls. 165/175).

É o breve relatório.

O artigo 5º, inciso I, da LDPG, estabelece:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural; (grifos meus)

A cor da pele é uma diferença pessoal muito utilizada para vincular uma pessoa a uma raça, ainda que seja apenas uma característica. Da mesma forma, a indicação de religião no registro vinculada uma pessoa à convicção religiosa.

Desse modo, a cor da pele e indicação de religião são dados pessoais sensíveis e, portanto, necessário autorização do titular de forma específica e destacada, para finalidades específicas nos termos do art. 11, inciso I, da LGPD.

Os pedidos de certidões do registro civil com dados sensíveis devem ser realizados pelo próprio registrado ou por terceiro com expressa autorização daquele. O registrado pode ser representado pelo seu representante legal ou convencional; não ocorrendo, em regra, atuação da Corregedoria Permanente.

Essa previsão consta dos artigos 114 e 116 do Provimento n. 149 da Corregedoria Nacional de Justiça que consolidou o regramento antes constante do Provimento n. 134/2022 do mesmo órgão, como segue:

Art. 114. As certidões de registro civil em geral, inclusive as de inteiro teor, requeridas pelos próprios interessados, seus representantes legais, mandatários com poderes especiais, serão expedidas independentemente de autorização do juiz corregedor permanente.

§ 1.º Nas hipóteses em que a emissão da certidão for requerida por terceiros e a certidão contiver dados sensíveis, somente será feita a expedição mediante a autorização do juízo competente.

§ 2.º Após o falecimento do titular do dado sensível, as certidões de que trata o caput deste artigo poderão ser fornecidas aos parentes em linha reta, independentemente de autorização judicial.

(…)

Art. 116. As solicitações de certidões por quesitos, ou informações solicitadas independentemente da expedição de certidões, receberão o mesmo tratamento destinado às certidões solicitadas em inteiro teor quando os dados solicitados forem restritos, sensíveis ou sigilosos.

§ 1.º São considerados elementos sensíveis os elencados no inciso II do art. 5.º da Lei n. 13.709/2018, ou outros, desde que previstos em legislação específica.

§ 2.º São considerados elementos restritos os previstos no art. 45 e art. 95 da Lei n. 6.015/1973, no art. 6.º e seus parágrafos da Lei n. 8.560/1992, nas normas de alteração de nome ou sexo no caso de pessoa transgênero, ou outros, desde que previstos em legislação específica.

§ 3.º São considerados elementos sigilosos os previstos no parágrafo 7.º do artigo 57 da Lei n. 6.015/1973, ou outros, desde que previstos em legislação específica. A Sra. Oficial atuou em conformidade à disciplina legal ao qualificar o pedido de certidão de inteiro teor integrada por dado sensível existente no assento.

Passo ao exame da representação. Inicialmente, observo que a procuração não confere poderes específicos para representar a registrada em pedido de certidões de registro civil em que haja dados sensíveis na medida em constam poderes especiais genéricos, como se observa do seguinte extrato (a fls. 07): inclusive com poderes especiais para receber intimação, desistir, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, bem como representar em procedimentos administrativos (como de retificação civil e suscitação de dúvida), requerer e retirar documentos e certidões (incluindo inteiro teor) perante órgãos extrajudiciais como de Registro de Civil de Pessoas Naturais (RCPN).

Como consta do artigo 11, inciso I, da LGPD, é imprescindível no caso de dado sensíveis autorização do registrado de forma específica e destacada, para finalidades específicas, assim, não ocorre consentimento para dados sensíveis e tampouco a finalidade específica.

Essa situação, igualmente, configura legalidade do procedimento ante a total convergência a disciplina legal incidente. Mas não é só. A representação afirma abusiva exigência de firma reconhecida na procuração outorgada a Dr. Advogado, o qual tem poderes para estabelecer a autenticidade da assinatura da representada.

O artigo 5º da Lei n. 8.952/94 afastou a necessidade do reconhecimento de firma no mandato judicial, como era previsto no artigo 1.289, parágrafo 3º, do Código Civil de 1916; revogado.

Não obstante, o artigo 654, parágrafo 2º, do Código Civil, estabelece:

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

(…)

§ 2º O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.

Nessa perspectiva, é possível no caso de mandado judicial a exigência do reconhecimento de firma a partir da aplicação dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Os dados pessoais sensíveis são direitos humanos e direitos fundamentais, destarte, não é exagerada a providência do Oficial de Registro Civil no sentido de exigir reconhecimento de firma ou certificação digital da assinatura nos padrões ICP-Brasil ou sistema gov.br. Anoto, inclusive, que a procuração não apresentava certificação digital nesses padrões.

Essa atuação, de um lado garante a segurança dos dados pessoais sensíveis e, de outro, impede a responsabilização civil do Oficial do Registro Civil. Essa compreensão é conforme ao estabelecido no artigo 117 do Provimento n. 149 da Corregedoria Nacional de Justiça, a saber:

Art. 117. A emissão de certidão em inteiro teor sempre depende de requerimento escrito com firma reconhecida do requerente ou com assinatura digital nos padrões ICP-Brasil, no padrão do sistema gov.br ou com assinatura confrontada com o documento de identidade original.

§ 1.º O reconhecimento de firma será dispensado quando o requerimento for firmado na presença do oficial ou de preposto.

§ 2.º Os requerimentos poderão ser recepcionados por e-mail ou por meio da Central de Informações do Registro Civil (CRC), desde que assinados digitalmente, nos padrões da ICP-Brasil, cuja autenticidade e integridade serão conferidas no verificador de conformidade do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), por meio do sistema de assinatura gov.br ou com assinatura confrontada com o documento de identidade original.

§ 3.º O requerimento de certidão em inteiro teor deverá conter a identificação do requerente, o motivo em virtude do qual se requer a certidão sob a forma de inteiro teor e o grau de parentesco com o registrado, caso exista, bem como o fato de ser este falecido ou não.

§ 4.º A certidão com referência à circunstância de ser legítima a filiação poderá ser fornecida, inclusive a terceiros, independentemente de autorização judicial. Ora, se ao próprio registrado é exigida autenticação da assinatura, não é abusiva exigência correlata no caso de representação por mandado judicial.

Nessa ordem de ideias, no que pese o absoluto respeito e compromisso à facilitação da atuação do Dr. Advogado, bem como, a expedição da certidão ser conforme à sustentabilidade econômica da delegação; respeitosamente, cabe o arquivamento desta representação em razão da ausência, salvo melhor juízo dos órgãos correcionais superiores, da existência de indícios de ilícito administrativo.

Ante ao exposto, determino o arquivamento da representação. Remeta-se cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente decisão como ofício.

P.I.C.

(DJe de 28.09.2023 – SP)