CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de sobrepartilha – Renúncia dos herdeiros ascendentes realizada por termo nos autos do arrolamento de bens judicial – Renúncia que não se aproveita aos bens desconhecidos e posteriormente sobrepartilhados – Apelo improvido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006686-02.2021.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que é apelante FATIMA PAPAROTI LEONARDO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1006686-02.2021.8.26.0019

APELANTE: FATIMA PAPAROTI LEONARDO

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA

VOTO Nº 38.868

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de sobrepartilha – Renúncia dos herdeiros ascendentes realizada por termo nos autos do arrolamento de bens judicial – Renúncia que não se aproveita aos bens desconhecidos e posteriormente sobrepartilhados – Apelo improvido.

Trata-se de apelação interposta por FÁTIMA PAPAROTI LEONARDO contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Americana, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa de registro de escritura pública de sobrepartilha, tendo por objeto o imóvel matriculado sob o n.º 71.176 da referida serventia extrajudicial.

A nota devolutiva de fls. 69/70 contém, em suma, a seguinte motivação para a recusa de ingresso do título:

“Em análise a Carta de Adjudicação e o Termo de Renúncia que fazem parte integrante deste Instrumento Público de Sobrepartilha Cumulada com Adjudicação, verifica-se que houve renúncia da herança por parte dos herdeiros ascendentes Francisco Leonardo e sua esposa Maria Angela Leonardo em favor da viúva Fátima Paparotti Leonardo, porém somente com relação ao prédio residencial situado a Rua Aurélio Cibin, nº 552 do loteamento “Morada do Sol” e ao veículo Car/Caminhoneta/Car Aberta, GM Chevrolet. Considerando que o termo de renúncia era em favor da viúva Fátima Paparotti Leonardo (tratando-se, portanto, de renúncia translativa, e não abdicativa) e referia-se somente aos bens mencionados acima, o comparecimento do casal renunciamente se faz necessário também na presente escritura.”

Alega a apelante, em síntese, que houve, à época do arrolamento de bens, a renúncia sobre a totalidade da herança, a qual não pode ser parcial e, portanto, abrange o bem objeto da sobrepartilha.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 140/142).

É o relatório.

Cuida-se de registro de escritura pública de sobrepartilha lavrada em 31 de agosto de 2012, no Livro nº 656, fls. 283/288, perante o 1º Tabelião de Notas da Comarca de Americana, tendo por objeto o imóvel matriculado sob o n.º 71.176 no Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da mesma Comarca.

O pedido foi indeferido nos moldes da nota devolutiva (fls. 69). A dúvida suscitada foi julgada procedente, mantido o óbice ao registro da escritura pública (fls. 101/105).

A despeito dos argumentos da apelante, o recurso não comporta provimento. Respeitado o entendimento do I. Oficial Registrador tem-se, a partir do que consta da carta de adjudicação e do termo de renúncia (fls. 41/68) constantes dos autos da ação de arrolamento de bens n.º 1057/06, que a hipótese mais se aproxima da renúncia pura e simples ou abdicativa.

Consta das primeiras declarações da carta de adjudicação extraída dos autos do arrolamento de bens deixados por Valdemir Aparecido Leonardo, que o de cujus deixou a viúva, ora recorrente, e os herdeiros ascendentes Francisco Leonardo e Maria Angela Leonardo, não havendo herdeiros descendentes. Por sua vez, da descrição dos bens consta: a) um prédio residencial, cadastrado na Prefeitura Municipal sob n.º 16-0084-0076-000-4; b) um veículo Car/Caminhoneta/Car Aberta, GM/Chevrolet.

Do termo de fls. 57/58, lavrado nos autos do mencionado arrolamento de bens, constou que os herdeiros ascendentes Francisco Leonardo e Maria Angela Leonardo renunciaram integralmente aos seus direitos à herança deixada pelo de cujus Valdemir Aparecido Leonardo, falecido em 14/01/2006, “direitos esses constantes dos bens que seguem descritos: “1) Prédio Residencial, situado à Rua Aurélio Cibin, nº 552, Bairro Morada do Sol, em Americana/SP, e seu respectivo lote nº 4-A da quadra 25, medindo 6,00m de frente para a Rua Aurélio Cibin; mesma medida nos fundos confrontando com parte do lote 09; 39,00m de ambos os lados da frente aos fundos, confrontando com os lotes 05 e 4-B, perfazendo uma área superficial de 234,00m2, cadastrado na Prefeitura Municipal sob nº 16-0084-0076-000-4; e, 2) Um veículo Car/Camioneta/Car Aberta, GM Chevrolet, placa DGW 8973, cor azul, chassi C144DBR04630B, ano/modelo 1974″, mencionado nos autos de Arrolamento, nº 1057/06, requerido por Fátima Paparoti Leonardo, face ao falecimento de Valdemir Aparecido Leonardo, em curso por este Juízo de Direito da Vara da Família e das Sucessões de Americana/SP, em favor de FÁTIMA PAPAROTI LEONARDO, brasileira, viúva, do lar, RG 25.395.092-2 e CPF 154.824.778-27, residente à Rua Aurélio Cibin, nº 552, Morada do Sol, em Americana/SP, como de fato e na verdade renunciados tem.”

Como se sabe, no direito sucessório, consideram-se existentes duas modalidades de renúncia: a abdicativa e a translativa. Na primeira, é feita uma renúncia em favor do monte partível, sem indicação de um beneficiário específico. Na outra, há uma renúncia em favor de determinado beneficiário, no caso, de um ou mais herdeiros.

In casu, consta expressamente que os herdeiros ascendentes renunciaram integralmente aos seus direitos à herança.

No caso telado, a indicação da destinatária (única herdeira remanescente) e os bens renunciados (integralidade do patrimônio) apresentou-se com caráter explicativo, sem importar em renúncia translativa.

Não se verificou a escolha de beneficiário específico em detrimento de outro e sim ao monte (no caso a única herdeira remanescente).

A corroborar, observa-se nos autos do arrolamento de bens o recolhimento exclusivo do ITCMD, incompatível com a renúncia translativa.

Contudo, o alcance do art. 1.808, do Código Civil não é o pretendido pela recorrente.

Conforme dispõe o mencionado dispositivo legal:

“Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

§ 1º – O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los, renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los.

§ 2º – O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia.”

Na lição de Mauro Antonini[1]:

“O artigo principia por estabelecer não ser possível parcial aceitação ou renúncia à herança. Do contrário, o herdeiro só aceitaria o ativo ou, então, renunciaria ao passivo, subvertendo o princípio de que herda o patrimônio do de cujus, incluindo o ativo e o passivo.”

Sob o argumento de que o herdeiro não pode renunciar em parte a herança, pretende a recorrente aproveitar o mencionado termo de renúncia para que o mesmo passe a incidir também sobre o bem sobrepartilhado posteriormente.

Foi o que constou do ato notarial levado a registro:

“Os herdeiros ascendentes, Francisco Leonardo e Maria Ângela Leonardo, RENUNCIARAM à herança de seu filho, o falecido Valdemir Aparecido Leonardo, cf. termo de renúncia que integra à carta de adjudicação extraída do processo nº 1057/06 que tramitou pelo Juízo de Direito da Vara da Família e das Sucessões desta comarca. Sendo a renúncia à herança irrevogável, desnecessária o comparecimento desses herdeiros neste instrumento de sobrepartilha” (fls. 15/21).

Ocorre que, por lógica, o alcance do referido art. 1.808, do Código Civil, destina-se apenas ao herdeiro que conhece o que está aceitando/recusando.

Não se pode admitir, à evidência, que o herdeiro renuncie a patrimônio do qual sequer tinha notícia no momento da renúncia.

Essa é a conclusão a que se chega, também, a partir do art. 1.793, §1º, do Código Civil, que estabelece que a cessão feita pelo herdeiro não alcança os direitos que eventualmente lhe sejam atribuídos, no futuro, em virtude de substituição ou de direito de acrescer.

Em suma, descobrindo-se após o encerramento do arrolamento de bens a existência de novo bem do falecido, não se pode estender a renúncia antecedente a este bem sobre o qual os renunciantes não tinham conhecimento.

Nesta ordem de ideias, não há como se ultrapassar o óbice registral que negou o acesso ao fólio real da escritura pública de sobrepartilha, exigindo-se renúncia expressa sobre o imóvel matriculado sob o n.º n.º 71.176.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 11º edição, 2017, pág. 2102.

(DJe de 13.03.2023 – SP)