CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião por processo extrajudicial – Afastamento parcial dos óbices – Necessidade, entretanto, de notificação de titulares de servidão de passagem, de atualização de certidões do distribuidor judicial e de prova de que a interessada não tenha sido beneficiada por usucapião pró-moradia – Apelação a que se dá provimento, com determinação para prosseguimento do processo, com a possibilidade de atendimento dessas exigências.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008425-31.2016.8.26.0586, da Comarca de São Roque, em que é apelante ANA CRISTINA BORGES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO ROQUE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de abril de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1008425-31.2016.8.26.0586

Apelante: Ana Cristina Borges

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Roque

VOTO Nº 38.675          

Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião por processo extrajudicial – Afastamento parcial dos óbices – Necessidade, entretanto, de notificação de titulares de servidão de passagem, de atualização de certidões do distribuidor judicial e de prova de que a interessada não tenha sido beneficiada por usucapião pró-moradia – Apelação a que se dá provimento, com determinação para prosseguimento do processo, com a possibilidade de atendimento dessas exigências.

Cuida-se de apelação (fls. 313/320) interposta por Ana Cristina Borges contra a r. sentença (fls. 308/310) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de São Roque, Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos dessa Comarca, que julgou procedente a dúvida e manteve óbice (fls. 275/280 – prenotação n. 132.904 fls. 275 e 281) à declaração de usucapião, na via administrativa, sobre o imóvel desfalcado da transcrição n. 25.468, do livro n. 3-AI, do dito cartório.

Segundo a nota devolutiva (fls. 275/280), a pretensão da requerente Ana Cristina Borges não pode ser atendida, porque (fls. 277 e 279, especialmente): (a) todas as cópias trazidas têm de ser autenticadas; (b) as plantas e os memoriais descritivos não contêm informações acerca dos registros das propriedades confrontantes, nem trazem as assinaturas dos titulares de direitos reais registrados ou averbados sobre o imóvel desfalcado (= transcrição n. 25.468), nem dos titulares de direitos reais sobre os prédios confrontantes; desse modo, não é possível obter-lhes as anuências; (c) na planta de desdobro fiscal mostra-se a existência de certo prédio no imóvel confrontante, no trecho compreendido entre os marcos M1 e M2 (número 180), mas o levantamento indica número distinto, o que necessita esclarecimentos e comprovação; (d) a requerente tem de esclarecer qual é o imóvel dominante da servidão inscrita sob n. 2.915 do livro 4-D, e identificar o seu titular, para que se colha a anuência deste; (e) falta apresentar certidões do distribuidor judicial da Comarca de São Roque, em nome da requerente e de seus antecessores, e certidões atualizadas daquelas apresentadas para a prática do ato notarial; e (f) não há prova de que a requerente já não tivesse sido beneficiada por outra declaração de prescrição aquisitiva pró-moradia (Cód. Civil, art. 1.240).

Nos termos da r. sentença (fls. 308/310), justificam-se, segundo a letra do art. 216-A da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, as exigências concernentes à planta e ao memorial descritivo, com informações sobre as propriedades confrontantes, para averiguar-se a necessidade de anuência; à atualização das certidões dos distribuidores judiciais; ao esclarecimento sobre a servidão de passagem e “formal de partilha”; e à autenticação de cópias. Dessa maneira, a dúvida é procedente.

A apelante Ana Cristina Borges alega (fls. 313/320) que preencheu todos os requisitos legais para a usucapião especial urbana. A ata notarial enuncia os confrontantes e titulares de direitos reais, segundo a planta e o memorial descritivo, e descreve as certidões negativas; a planta e o memorial descritivo foram assinados, com firmas reconhecidas; a ata menciona, outrossim, que todos os titulares deram seu consentimento; o imóvel dominante da servidão também está descrito na ata notarial, a qual trouxe, ainda, o imóvel posto entre os pontos M1 e M2; e as certidões judiciais foram apresentadas corretamente. Por tudo isso, deve ser dado provimento à apelação, e a dúvida tem de ser declarada improcedente.

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do apelo (fls. 344/347).

É o relatório.

A apelação deve ser provida para que, afastada parte dos óbices apontados na r. sentença, prossiga o processo extrajudicial, com oportunidade de atendimento das exigências remanescentes.

Não se discute, e está na nota devolutiva (fls. 277 in fine e 279 initio) que a requerente deva trazer autenticadas por tabelião todas as cópias que apresentar para instrução do processo administrativo. Entretanto, ao formular a exigência, cumpria ao Oficial indicar cabalmente a quais documentos se referia (NSCGJ, Tomo II, Cap. XX, itens 38 e 421.2); portanto, não havendo essa explicitação, mas mera referência genérica, tampouco se pode enxergar, aí, motivo para obstar ao andamento do processo extrajudicial.

O domínio, cuja usucapião se pretende declarar, recai sobre a área descrita no memorial descritivo de fls. 58 e no levantamento planimétrico de fls. 61, e essa descrição consta ipsis litteris na ata notarial (fls. 49/50, item II, “do imóvel objeto do pedido”). Por sua vez, os confrontantes referidos a fls. 58 e 61 – a saber, Alberto de Oliveira, Techini Incorporadora Ltda., e Nanci Cobello da Silva e Mirtes Sebastião da Silva – compareceram à ata notarial e deram a sua anuência (fls. 52, final do item VII).

Esta área descrita a fls. 58 e 61 com a extensão de 250 metros quadrados (cf. também fls. 49, item II) – foi tirada de outra maior, objeto da transcrição n. 25.468 do livro 3-AI (fls. 25), com a extensão de seis mil e quinhentos metros quadrados (cf. fls. 50, início do item VII). Da certidão dessa transcrição constam como transmitentes Antonio Meleiro e sua mulher Zelinda Rantes Meleiro, e adquirentes Synésio Cobello e sua mulher Jandira Cobello (fls. 25). Segundo a ata notarial (fls. 51, item VII), por conta do falecimento de Synésio, em 1996 (menciona-se o formal de partilha passado nos autos n. 468/96 – 1ª Vara Judicial de São Roque), o imóvel dessa transcrição coube à meeira Jandira e aos herdeiros filhos Nanci Cobello da Silva e Julio Eder Cobello. Todos esses a meeira Jandira e os herdeiros Nanci e Julio, bem como os cônjuges destes dois últimos – deram a sua anuência à usucapião pretendida (fls. 52, final do item VII).

Esclareceu ainda a ata notarial, com a anuência de todos, que a requerente, ora apelante, Ana Cristina Borges, recebeu a posse de Nanci Cobello da Silva e seu cônjuge, mediante instrumento particular de cessão de direitos (cf. fls. 50, item IV).

Em suma: da ata notarial constam as anuências dos confrontantes (fls. 58 e 61: Alberto de Oliveira, Techini Incorporadora Ltda., e Nanci Cobello da Silva e Mirtes Sebastião da Silva) e dos antecessores (isto é, daqueles que cederam a posse do imóvel por usucapir, a saber Mirtes Sebastião da Silva e Nanci Cobello da Silva, e dos sucessores dos donos da área maior desfalcada, a saber Jandira Cobello, Nanci Cobello da Silva e cônjuge, e Julio Eder Cobello e cônjuge), com o que se dá por suprida a exigência posta na Lei n. 6.015/1973, art. 216-A, II e § 2º, e reproduzida nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, itens 416.2, II, e 416.9, no que diz respeito à aposição de assinaturas no levantamento planimétrico: no caso concreto, a ata notarial reproduz o memorial descritivo, e os comparecentes anuíram a isso, de modo que não há incerteza quanto ao fato de que concordam com a pretensão da apelante acerca da área que esta aponta.

A nota devolutiva (fls. 277), entretanto, prossegue dizendo que a planta e o memorial descritivo não trazem informações quanto aos registros das propriedades confrontantes. Em que pese ao cuidado do Oficial, tendo sido indicados os confrontantes e antecessores na posse (fls. 61), cumpria ao cartório, examinando os seus papéis, indicar concretamente (NSCGJ, Tomo II, Cap. XX, itens 8, 38, 38.1 e 421.2), se havia e qual era a incerteza sobre a localização do imóvel ou a identidade dos atingidos pelo pedido de usucapião. Isso, porém, não está apontado na nota, de maneira que, considerado o que já se disse sobre os consentimentos prestados, não existe, nesse ponto e neste momento, empecilho para o prosseguimento do processo extrajudicial de usucapião.

Verdadeiramente, percebe-se divergência entre a numeração de um imóvel confrontante, tal como indicado no levantamento planimétrico apresentado para instruir o pedido de usucapião (fls. 61: “Nanci Cobello da Silva Mirtes Sebastião da Silva Prédio nº 30”) e uma planta de desdobro apresentada para finalidade fiscal (fls. 69: “Área B3 Prédio n. 180”); porém, conquanto haja pedido esclarecimentos e comprovação, o Oficial não indicou nenhuma circunstância que claramente indicasse que tal discrepância tenha produzido incerteza sobre a localização do imóvel ou identificação de interessados, de forma que o óbice também não se justifica, e fica afastado.

A certidão copiada a fls. 25 realmente dá conta de que existe, no imóvel desfalcado (= transcrição n. 25.468, 6.500 metros quadrados de área), uma servidão de passagem (= inscrição 2.915, do livro 4-D “pelas terras dos devedores, por um caminho já existente, que parte do remanescente de terras dos credores, atravessa a terra dos devedores e dá acesso à avenida Brasil”. Essa servidão, como se vê, efetivamente recai sobre o imóvel (= transcrição n. 25.468 fls. 25) do qual foi retirada a parcela por usucapir (fls. 58 e 61), de maneira que, em linha de princípio, a exigência realmente faz sentido: cumpre à interessada, por conseguinte, localizar Antonio Meleiro e sua mulher Zelinda Rantes Meleiro ou identificar os sucessores, para que seja notificado, a quem de direito, o pedido de declaração de prescrição aquisitiva.

As certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio da requerente (Lei n. 6.015/1973, art. 216-A, III) de fato têm de ser todas atualizadas, e devem contemplar todas as pessoas referidas nas NSCGJ, Tomo II, Cap. XX, item 416.2, IV, e 416.17: como se vê a fls. 50 (item VI), a sua maioria foi passada em abril de 2016, isto é, mais de trinta dias antes do início do processo administrativo, em 10 de junho daquele ano (fls. 01), o que exigia a sua atualização já na data do ingresso do pedido extrajudicial.

Na forma da Constituição da República, art. 183, § 2º, e do Cód. Civil, art. 1.240, § 2º, a requerente, por fim, tem de provar que não lhe foi reconhecido, antes, o direito que agora pleiteia, o que deve fazer mediante pesquisa de bens negativa nos ofícios de registro de imóveis deste Estado, serviço que, note-se, está disponível a custo módico em meio eletrônico (https://registradores.onr.org.br/).

Em síntese: dentre as exigências formuladas na nota devolutiva (fls. 277 e 279), subsistem aquelas concernentes a: (a) notificação de Antonio Meleiro e sua mulher Zelinda Rantes Meleiro ou sucessores, titulares do imóvel dominante da servidão inscrita sob n. 2.915 do livro 4-D; (b) atualização das certidões exigidas pela Lei n. 6.015/1973, art. 216-A, III, segundo as NSCGJ, Tomo II, Cap. XX, item 416.2, IV, e 416.17; e (c) demonstração de que a requerente não tenha sido beneficiada por outra declaração de prescrição aquisitiva pró-moradia (Constituição da República, art. 183; Cód. Civil, art. 1.240).

Essas exigências têm de ser satisfeitas, na origem (= perante o ofício de registro de imóveis), no prazo de trinta (30) dias, sob pena de perda da eficácia da prenotação e extinção do processo administrativo.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo, com determinação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 26.07.2022 – SP)