CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Doação – Objeto cujo valor é superior a 30 salários mínimos – Necessidade de formalização por meio de escritura pública – Inteligência do art. 108 do Código Civil – Dúvida procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1094074-88.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes HENRI BENEZRA, ISAAC BENEZRA e MAURICE BENEZRA, é apelado 13º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v. u..”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 7 de abril de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1094074-88.2021.8.26.0100

APELANTES: Henri Benezra, Isaac Benezra e Maurice Benezra

APELADO: 13º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 38.663

Registro de Imóveis – Dúvida – Doação – Objeto cujo valor é superior a 30 salários mínimos – Necessidade de formalização por meio de escritura pública – Inteligência do art. 108 do Código Civil – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Henri Benezra, Maurice Benezra e Isaac Benezra contra a r. sentença de fls. 107/110, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital e manteve a recusa ao registro de Instrumento Particular de Doação referente a parte ideal do imóvel objeto da matrícula n.º 104.590.

Em síntese, sustentam os apelantes que o Sr. Oficial de Registro de Imóveis deixou de observar o disposto no artigo 541, do Código Civil, que prevê a possibilidade de a doação ser feita por instrumento particular e que, por isso, a exigência quanto à escritura pública de doação seria inadequada.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 148/149).

É o relatório.

Foi apresentado no Registro Imobiliário o instrumento particular de doação firmado em 16/07/2021, que tem por objeto a parte ideal de 50% do apartamento localizado no 15º andar do Edifício Sarty, situado na Alameda Itu n.º 1.183, matriculado sob o n.º 104.590, em que figuram como outorgante, o apelante Henri, e, outorgados, os recorrentes Maurice e Isaac.

Após a qualificação registral, foi expedida a nota devolutiva de fls. 87/88 em que constaram os seguintes óbices:

“1. Considerando o valor do imóvel do qual parte está sendo doada, a escritura pública é essencial à validade do ato, na forma estabelecida pelo artigo 108 do Código Civil.

2. Para fins de identificação do imóvel e do negócio amparados pela tutela proferida em sede de mandado de segurança, sem prejuízo do item anterior, anexar cópia da petição inicial do processo n.º 1033745-57.2021.8.26.0053 (Lei Federal n.º 6.015/1973, art. 289)”.

A exigência n.º 02 foi devidamente cumprida pelos apelantes, subsistindo, pois, o óbice indicado no n.º 01.

Nos termos do artigo 108 do Código Civil:

“Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

In casu, incontroverso que o imóvel sobre o qual recai a doação (apartamento n.º 151 situado na Alameda Itu n.º 1.183) tem valor superior a trinta salários mínimos, competindo a formalização das vontades por meio de instrumento público, sob pena de nulidade, à luz do artigo 166, inciso IV, do mesmo Diploma Legal, in verbis:

“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

IV – não revestir a forma prescrita em lei”.

É, neste sentido, a lição de Nelson Rosenvald ao comentar o art. 541 do Código Civil [1]:

“Assim, a doação será, obrigatoriamente, por escritura pública quando se tratar de bem imóvel, acima do valor mencionado pela legislação (art. 108 do CC), de trinta vezes o salário mínimo. Nos demais casos (bem móvel ou bem imóvel com valor inferior a trinta salários mínimos), a doação pode ser realizada por instrumento particular”.

A propósito, no que concerne ao artigo 541 do Código Civil – “A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular”, relevante consignar que recentemente o C. Superior Tribunal de Justiça decidiu que em uma interpretação sistemática dos artigos 107, 108, 109 e 541 do Código Civil, as doações cujo objeto tenha valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País devem ser efetivadas mediante escritura pública:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO. SUPOSTA INEXECUÇÃO DO ENCARGO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DOAÇÃO DE IMÓVEL. INDISPENSÁVEL A ESCRITURA PÚBLICA. FORMA PREVISTA EM LEI. CONTRATO BENÉFICO/GRATUITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CARÁTER PURO E SIMPLES DA DOAÇÃO EVIDENCIADO. DESCABIMENTO DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO CONFORME A REAL VONTADE DAS PARTES E A BOA-FÉ OBJETIVA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” [2]

Do v. Acórdão vale destacar o seguinte trecho:

“Diversamente da conclusão do TJMS, não vejo como aplicar o princípio da especialidade, o qual pressupõe a existência de um aparente conflito de normas, e de conflito efetivamente não se trata, pois, nos moldes acima alinhavados, ambas as regras coexistem harmonicamente, impondo-se apenas uma adequada interpretação. Dessa maneira, em interpretação sistemática dos arts. 107, 108, 109 e 541 do CC, a doação por consistir na transferência de bens ou vantagens do patrimônio do doador para o do donatário , quando recair sobre imóvel cujo valor supere o equivalente a 30 (trinta) salários mínimos, deve observar a forma solene, efetivando-se, com isso, mediante escritura pública. (g.n.).

Nesse sentido, confira-se a seguinte lição doutrinária:

Forma de doação – A doação far-se-á por instrumento público ou particular (art. 541 do Cód. Civil de 2002). Na verdade, a doação pode celebrar-se por três formas diversas: a) verbalmente, seguidas de tradição imediata, se são móveis e pequeno valor os bens doados (parágrafo único do art. 541 do Cód. Civil de 2002) […]; b) por escrito particular, se de valor considerável os móveis doados; c) por escritura pública, se se trata de imóvel de valor superior ao legal, sujeita a registro no Registro Imobiliário (art. 167, item 1, n. 33, da Lei n. 6.015, de 31-12-1973). (MONTEIRO, Washington de Barros, et al. Curso de Direito Civil, volume 5 – 41ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, ebook)”.

Nesta ordem de ideias, havendo nulidade do título por vício de forma, não cabia seu acesso ao registro imobiliário em razão da sanção imposta pelo ordenamento jurídica na espécie.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso 11 ed. rev. E atual.: Manole, 2017.

[2] RECURSO ESPECIAL Nº 1.938.997 – MS (2020/0254297-7) RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE.

(DJe de 27.07.2022 – SP)