1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Escritura pública de Doação – Doação de imóvel de descendente para ascendente – Exigência de justa causa para a imposição da cláusula de incomunicabilidade – Ausência de disposição legal que incida sobre o caso concreto – Dúvida improcedente.

Processo Digital nº: 1050799-55.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Fabiana Ferreira Bassetto

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Fabiana Ferreira Bassetto diante da negativa em proceder ao registro de escritura eletrônica de doação relativa ao imóvel da matrícula n.22.864 daquela serventia.

A recusa se fundamenta na ausência de indicação de justa causa para imposição de cláusula restritiva de incomunicabilidade do bem prevista no título, por se tratar de doação de descendente para ascendente, conforme orientação do Conselho Superior da Magistratura.

O Oficial observa que o óbice poderia ser superado mediante declaração expressa da doadora de que o bem integra a parte disponível de seu patrimônio, sendo essa manifestação necessária para afastar a presunção de que o imóvel integra a legítima dos herdeiros necessários.

Documentos vieram às fls.07/46.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.66/69, alegando que não se aplica a presunção de antecipação de legítima prevista no artigo 544 do Código Civil, uma vez que o dispositivo não trata de doação de descendente para ascendente, como ocorre na espécie, e, também, não se pode exigir o cumprimento do artigo 1.848 do Código Civil, pois não se trata de testamento, mas de doação pura de filha para mãe, sendo que declarou expressamente que possui outros bens que garantem a sua subsistência.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls.72/74).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Primeiramente, verifica-se que, com a reapresentação do título sob o protocolo n.257.076, restou superada a exigência relativa à assinatura eletrônica do Tabelião, que fora formulada por ocasião da devolução relativa à prenotação n.255.720. Tanto é assim que o Oficial informa a manutenção apenas da exigência de retificação do título para fazer constar justa causa para imposição da cláusula restritiva.

No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

No caso concreto, a parte suscitada adquiriu o imóvel quando ainda era solteira. Agora, casada sob o regime da comunhão parcial de bens e com anuência do marido, doou-o para a mãe, que é casada pelo regime da comunhão universal de bens com seu pai, com cláusula de incomunicabilidade.

Resta evidente, portanto, que não se está restringindo o pleno exercício da propriedade por parte da donatária, que poderá, inclusive, alienar o bem.

O objetivo da doadora com a imposição da cláusula restritiva é claramente afastar seu genitor de eventual participação na propriedade do bem, nos termos do artigo 1668, I, do Código Civil, notadamente diante do regime de bens adotado pelos pais ao se casarem.

Observe-se que, nos termos dos artigos 1.845 e 1.846 do Código Civil, são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, a quem pertence metade dos bens da herança, que constitui a legítima.

Entretanto, a lei somente presume adiantamento de legítima nos casos de doação a descendente ou cônjuge (artigo 544 do CC).

Também ao tratar da colação, o Código Civil informa, em seu artigo 2.005, que a finalidade desse instituto é igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, sem incluir o interesse dos ascendentes.

Neste ponto, o diploma legal dispõe apenas que estão sujeitas a redução as doações feitas a herdeiros necessários que excedam a respectiva legítima mais a quota disponível (artigo 2.007, §3º, do CC).

É certo que a orientação jurisprudencial é pela interpretação sistemática do disposto nos artigos 544 e 1.848 do Código Civil, com conclusão pela necessidade de declaração de justa causa também na doação, quando se tratar de adiantamento de legítima, sob pena de burla à restrição prevista no artigo 1.848 do mesmo diploma legal (doação ainda em vida com imposição de restrições ao donatário – fl.05).

Contudo, no caso concreto, não há dispositivo legal que permita presumir pelo adiantamento de legítima no caso de doação de descendente para ascendente.

Ademais, a causa de imposição da restrição resta perfeitamente clara, como visto: o afastamento de qualquer direito do pai da doadora sobre o imóvel doado para a mãe.

Ressalte-se que não se está impondo restrição à legítima da donatária, mas eventualmente afetando a legítima do outro ascendente, o que não pode ser imediatamente apurado e, se o caso, deverá ser discutido oportunamente, com observância de contraditório.

Neste ponto, como ressaltado pelo Ministério Público, eventual interesse do ascendente prejudicado poderá ser questionado no momento oportuno, conforme forem abertas as sucessões da doadora ou da donatária, que são eventos indeterminados e não podem ser especulados pelo Oficial registrador para impedir o registro do título.

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para, consequentemente, determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 22 de junho de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito

(DJe de 23.06.2022 – SP)