1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Exigência de notificação judicial –Necessidade de notificação dos proprietários tabulares, no caso, os sócios da pessoa jurídica – Uma vez frustrada a tentativa, a notificação por edital é devida na forma da lei – Dúvida parcialmente procedente.

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1021118-40.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: José de Brito e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de José de Brito e Maria do Carmo Amin Salomão de Brito à vista de exigência feita em procedimento extrajudicial de reconhecimento de usucapião do imóvel objeto da matrícula n. 108.206 daquela serventia, com a qual a parte suscitada não concorda.

Esclarece o Oficial que necessária notificação judicial da titular do domínio, Construtora Mendes Pereira Ltda, na pessoa da representante Rita Lazara Camargo Mendes Pereira; que indeferiu notificação da proprietária por edital, muito embora tenham sido realizadas diversas diligências na tentativa de localizar pessoalmente a representante, porque não preenchidos os requisitos do artigo 11 do Provimento CNJ n. 65/2017; que o endereço é conhecido, em que houve notificação por hora certa em ação judicial, conforme informado pela parte requerente; que não foram esgotados todos os meios de notificação; que, neste sentido, há precedente desta Corregedoria (processo de autos n. 1095394-81.2018.8.26.0100 – fls. 01/05).

Documentos vieram às fls. 06/1731.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada defende a possibilidade de notificação da titular do domínio por edital, uma vez que infrutíferas as tentativas de localização nos endereços que constam na Jucesp e no registro, bem como por já terem sido realizadas diligências no endereço dos sócios (art. 11 do Provimento CNJ n. 65/2017); que a notificação judicial, prevista no art. 726 do CPC, não tem aplicação ao procedimento da usucapião extrajudicial.

Em sede de impugnação (fls. 1735/1741), a parte aduz que o precedente mencionado pelo Registrador não regulou caso semelhante a este, uma vez que ali os titulares do domínio tinham endereço em outro país, com pretensão de citação por edital sem esgotamento prévio das formas de citação; que todos os endereços conhecidos da titular do domínio, bem como da sócia majoritária, Rita Lazara Camargo Mendes Pereira, foram diligenciados; que a notificação da representante em seu endereço residencial restou frustrada tanto pelos correios (três tentativas), como por Oficial de Registro de Títulos e Documentos (sete diligências); que o imóvel estava fechado (ausentes moradores); que, embora tenha noticiado citação positiva em ação judicial, a representante encontra-se em local incerto, haja vista as inúmeras tentativas atuais de notificação; que a notificação judicial fere os princípios da celeridade e da economia processual. Pretende, assim, notificação por edital da titular do domínio, Construtora Mendes Pereira Ltda.

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 1745/1747).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é parcialmente procedente. Vejamos os motivos.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

Neste sentido, decidiu o Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1004044-52.2020.8.26.0161, com relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Ricardo Anafe (destaque nosso):

“Usucapião Extrajudicial – Direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos – Possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo –  recusa indevida quanto ao processamento do pedido – Dúvida improcedente – Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião Extrajudicial”.

Na hipótese, a parte interessada busca alcançar o domínio do apartamento n. 133, localizado no 13º andar do Edifício Jatobá – Bloco ‘D’, integrante do Residencial Jardins da Liberdade, situado na rua São Joaquim, 513, e rua Galvão Bueno, no 2º Subdistrito – Liberdade, cuja posse adquiriu em razão de instrumento particular de adesão a empreendimento imobiliário firmado com a proprietária (fls. 64/73).

O imóvel em questão está descrito na matrícula n. 108.206 do 1º Registro de Imóveis da Capital, tendo como proprietária tabular Construtora Mendes Pereira Ltda (fls. 1725/1729).

Conforme certidão do 2º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital (fl. 1474), a proprietária não foi encontrada no local de sua sede, o qual vem informado em seus atos constitutivos e na matrícula, av. Adolfo Pinheiro, 1000, 10º andar, conj. 102, Santo Amaro, São Paulo (fls. 522, 536, 1532 e 1725).

Naquela oportunidade, houve a primeira recusa de notificação por edital (fl. 1549).

Seguiu-se nova tentativa de notificação da titular do domínio na rua Ministro Roberto Cardoso Alvez, 774, Santo Amaro, São Paulo, a qual restou infrutífera, conforme certidão do 8º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital (fl. 1616).

Cumpre destacar, neste ponto, que, embora os endereços que constam na certidão da Jucesp, fls. 1550/1552, não tenham sido diligenciados, conforme referido pelo Oficial à fl. 1549, verifica-se que a notificação da empresa não se daria de forma adequada diante da averbação de encerramento da filial Nire 35902458921 (sessão de 17/07/2002), bem como da alteração do endereço de sua sede para avenida Adolfo Pinheiro, 1000, 10º andar, conj. 102, Santo Amaro, São Paulo (sessão de 18/11/2005).

Passou-se, então, a se perseguir a notificação da proprietária na pessoa de sua representante, Rita Lazara Camargo Mendes Pereira, domiciliada na rua Nove de Julho, 590, Santo Amaro, Capital, em cujo endereço havia sido citada por hora certa em ação judicial (fls. 1640/1641).

Notificação pessoal não foi possível diante da ausência constatada pelos Correios nas três tentativas de entrega da correspondência (fl. 1676), bem como por estar o imóvel fechado nas sete diligências efetivadas pelo 3º Oficial de Registro de Títulos e Documentos de Pessoa Jurídica da Capital (fl. 1712).

Novo requerimento de citação da titular do domínio por edital foi afastado pelo Registrador, contra o que a parte requereu a presente suscitação de dúvida (fl. 1719).

No processo extrajudicial de usucapião, como regra geral, impõe-se a notificação de titulares de direitos que não tenham dado prévia anuência à pretensão do interessado usucapiente.

Nesse sentido, a redação do parágrafo 2º, artigo 216-A, da Lei n.6015/73:

“§ 2° Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância”.

Como exceção à regra, possibilita-se dispensa com a demonstração de consentimento expresso pelos titulares de direitos, conforme hipóteses previstas nos artigos 10 e 13 do Provimento CNJ n. 65/2017, que não se fazem presentes neste caso.

Assim, indiscutível a imprescindibilidade da notificação.

Vale observar que não há previsão da notificação judicial dos titulares de direitos reais no procedimento da usucapião extrajudicial, pelo que exigência neste sentido não pode subsistir.

Esta conclusão se reforça pelo fato de terem restadas frustradas várias tentativas de notificação da empresa-proprietária, inclusive via diligência junto à sócia Rita, em endereço informado nos atos constitutivos da empresa (fl. 1642).

Quando impossível notificação pessoal, seja por não ter sido encontrada a parte ou por encontrar-se em lugar incerto e não sabido, bem como porque esgotados os meios de localização, deve o Oficial promover notificação por edital nos termos dos artigos 11 do Provimento CNJ n. 65/2017 e 216-A, §13, da LRP, bem como do item 418.16 das NSCGJ:

“Art. 11. Infrutíferas as notificações mencionadas neste provimento, estando o notificando em lugar incerto, não sabido ou inacessível, o oficial de registro de imóveis certificará o ocorrido e promoverá a notificação por edital publicado, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretando o silêncio do notificando como concordância”.

“Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: (…)

§ 13. Para efeito do § 2o deste artigo, caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância”.

“418.16. Caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, ou inacessível, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância”.

Note-se que o caso citado como precedente para a exigência formulada, de notificação judicial na forma do artigo 726 do CPC (processo de autos n. 1095394-81.2018.8.26.0100), não se assemelha ao presente: naquele, os proprietários tabulares encontravam-se residindo na Alemanha. A notificação por edital foi afastada porque possuíam endereço certo. Assim, porque não presente hipótese de dispensa de notificação e porque a solução dependia de cooperação internacional, remeteu-se a parte para a via judicial.

No caso sob exame, a representante Rita Lazara não foi localizada em seu endereço, inobstante as várias diligências efetivadas (dez ao total), pelo que seria viável, a princípio, a notificação editalícia da titular do domínio.

Todavia, verifica-se que não se tentou notificação da proprietária na pessoa do sócio administrador Nelson Vieira da Conceição, que também assina por ela (fls. 528, 1638/1639, 1691 e 1642), conforme autoriza a regra do art. 10, §9º, do Provimento CNJ n. 65/2017, e do item 418.9 das NSCGJ.

Há que se concluir, portanto, ainda que sob fundamento diverso, que não se esgotaram todas as formas de notificação da titular do domínio, pelo que incabível, por ora, notificação por edital.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida a fim de determinar a restituição do procedimento ao Registrador para que possibilite à parte requerente notificação da proprietária tabular, Construtora Mendes Pereira Ltda, na pessoa do sócio Nelson Vieira da Conceição, afastando a exigência de notificação judicial e observando que, uma vez frustrada a nova tentativa, notificação por edital é devida na forma da lei.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 07 de abril de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito

(DJe de 11.04.2022 – SP)