CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital de desconhecidos herdeiros de titulares de direitos inscritos – Necessidade de observar-se o disposto no Prov. 65/2017, art. 12, e nas NSCGJ, II, XX, item 418.14 – Apelação a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000523-45.2020.8.26.0470, da Comarca de Porangaba, em que são apelantes EMANUEL FERNANDO DE JESUS MARQUES, GUSTAVO FUDOLI DE OLIVEIRA e LUCAS FRANCISCO DA COSTA HELT, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE PORANGABA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000523-45.2020.8.26.0470

Apelantes: Emanuel Fernando de Jesus Marques, Gustavo Fudoli de Oliveira e Lucas Francisco da Costa Helt

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Porangaba

VOTO Nº 31.635

Registro de Imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital de desconhecidos herdeiros de titulares de direitos inscritos – Necessidade de observar-se o disposto no Prov. 65/2017, art. 12, e nas NSCGJ, II, XX, item 418.14 – Apelação a que se nega provimento.

1. Trata-se de apelação (fl. 705/729) interposta por Emanuel Fernando de Jesus Marques, Gustavo Fudoli de Oliveira e Lucas Francisco da Costa Helt contra a r. sentença (fl. 699/702) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Porangaba, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/06) e manteve óbice ao avanço de processo extrajudicial de usucapião concernente a uma fração ideal do imóvel da matrícula nº 13.421, daquele cartório (fl. 82/84 – prenotação nº 21.791).

Segundo a r. sentença (fl. 699/702), no processo extrajudicial de usucapião é possível notificar por edital os herdeiros de titulares de direitos reais que estejam em lugar incerto, ou não sabido, ou inacessível; por falta de previsão legal, contudo, não é lícita a notificação por edital quando os próprios herdeiros são desconhecidos ou incertos, como ocorre na hipótese; logo, a dúvida é procedente, e a declaração de usucapião não pode correr na via extrajudicial.

Os apelantes alegam (fl. 705/729) que desde o início do processo vêm tentando identificar e localizar os herdeiros dos falecidos titulares de direitos reais; as tentativas, porém, foram baldadas, o que justificava (ao contrário do que foi concluído pela r. sentença) a notificação por edital. Não há, no direito vigente, nenhuma distinção entre notificando incerto ou desconhecido, de um lado, e notificando em lugar incerto ou desconhecido, de outro, de modo que num e noutro caso é possível notificar por edital, como indica o Cód. de Proc. Civil, art. 256, I e II. Além disso, a anuência dos herdeiros é mera possibilidade, mas não constitui condição para o prosseguimento do feito extrajudicial. A notificação por edital, por conseguinte, é cabível, nos termos do art. 11 do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça, e do item 418.16 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça NSCGJ. Logo, a r. sentença tem de ser reformada, para que se defira a notificação por edital e, com isso, continue o processo extrajudicial.

A ilustre Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 741/745).

É o relatório.

2. Os donos tabulares do imóvel usucapiendo são (a) Pedro Quintino de Camargo, (b) Odorica Quintino de Camargo, (c) Domingas Quintino de Camargo e seu marido (d) Hermelino Pinto da Silveira, (e)Luiza Afonso de Camargo, (f) Maria Ivanilde de Goes Acosta, casada com Wilman Acosta, (g) Mario Martins de Oliveira, (h) Clovis Vieira, e (i) Adilson Martins de Oliveira (matrícula nº 13.421, do Ofício de Registro de Imóveis de Porangaba, copiada a fl. 82/83, matrícula inicial e R. 2).

O Oficial de Registro de Imóveis exigiu a anuência dos herdeiros de (a) Pedro Quintino de Camargo, (b) Odorica Quintino de Camargo, (c) Domingas Quintino de Camargo e seu marido (d) Hermelino Pinto da Silveira, (e) Luiza Afonso de Camargo, e dos herdeiros de Wilman Acosta, casado com (f) Maria Ivanilde de Goes Acosta (fl. 03).

Os apelantes, entretanto, sustentam que é cabível promover, desde logo, a notificação dos herdeiros eventuais por meio de edital, para que se lhes supra a anuência; o Oficial, por sua vez, insiste que, em caso de falecidos titulares de direitos reais sobre o imóvel, tal providência não é cabível nessa forma, uma vez que o art. 12 do Prov. nº 65/2017, da Corregedoria Nacional de Justiça, e o item 418.14 do Cap. XX do Tomo II das NSCGJ dão solução diferente: a anuência dos herdeiros tem de estar secundada por escritura pública declaratória de que sejam os únicos sucessores, com nomeação de inventariante.

Ora, razão realmente assiste o Oficial de Registro de Imóveis, em que pese aos argumentos trazidos pelos apelantes.

Como está nos §§ 4º e 13 do art. 216-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (e também no Prov. nº 65/2017, arts. 11 e 16, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.16 e 418.21), no processo extrajudicial de usucapião a notificação por edital é cabível para a ciência (a) de terceiros eventualmente interessados e (b) de notificandos que não tenham sido encontrados, ou que estejam em lugar incerto ou não sabido.

A questão concernente aos herdeiros de notificandos, contudo, está regulada de forma diversa: a anuência desses sucessores só pode ser eficaz, se eles apresentarem escritura pública declaratória de herdeiros únicos, com nomeação de inventariante (Prov. nº 65/2017, art. 12; NSCGJ, II, XX, itens 418.14). Isto é: não é bastante a notificação deles, é preciso que a situação sucessória esteja totalmente esclarecida, pois, do contrário, o consentimento que prestarem não se poderá considerar eficaz, por não se saber se efetivamente tinham legitimidade para o exercício dessa forma de disposição.

Ora, se não é suficiente a mera notificação dos herdeiros, ainda quando conhecidos (pois o seu consentimento, como dito, tem de estar expresso pelo modo muito específico prescrito, repita-se, no Prov. nº 65/2017, art. 12, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.14), muito menos pode sêlo quando esses sucessores não estejam identificados e venham a ser notificados por edital. Essa providência, nos termos dos regulamentos vigentes, é realmente incabível.

Não favorecem os apelantes as alegações de que os incisos I e II do art. 256 do Cód. de Proc. Civil devam ser aplicados, ou de que negar a notificação por edital dos herdeiros seja medida que contravenha a teleologia do processo extrajudicial de usucapião. O Cód. de Proc. Civil tem aplicação supletiva, é verdade (cf. art. 15), mas por isso mesmo (i. e., por tratar-se de um suplemento, ou complementação) é que não pode ser invocado aqui, onde já existe, como se viu, regra regulamentar específica.

Por outro lado, o processo extrajudicial de usucapião, justamente porque não produz coisa julgada (esse é o ponto), tem de ser marcado pela absoluta certeza do consenso ou, pelo menos (depois das alterações trazidas pelo art. 7º da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017), pela falta de oposição; quando não se puder obter essa certeza como é o caso da notificação por edital de herdeiros não identificados aos interessados não resta outra opção, a não ser a via jurisdicional.

Nesse sentido, de resto, já decidiu este C. Conselho Superior da Magistratura em caso análogo:

“Dúvida. Registro imobiliário. Usucapião extrajudicial exigências previstas nos art. 216-A, §2º, LRP c. c. art. 10, § 9º, Provimento nº 65/2017 do CNJ e item 418.9, do capítulo XX das NSCGJ.

Impossibilidade de identificação do representante do titular de domínio. Ausência de comprovação da posse qualificada. Inconsistências não passíveis de solução na via administrativa. Recurso não provido.” (Apelação Cível n. 1004685-12.2019.8.26.0408, j. 28.4.2020, DJe 01.6.2020)

Consta das razões de decidir:

“Tampouco seria o caso de notificação por edital conforme pretendem os recorrentes. O item 418.16, do Capítulo XX, das Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça admite a notificação por edital apenas quando o titular de direitos registrados estiver em lugar incerto ou não sabido, ou inacessível, não sendo a hipótese dos autos, vez que o titular de domínio sequer é conhecido.”

Em suma: o óbice – a impossibilidade de proceder à notificação por edital de herdeiros desconhecidos, no processo extrajudicial de usucapião, considerada a normativa vigente – foi bem lançado, como reconheceu a r. sentença, a qual, por sua vez, não merece reforma.

3. Ante o exposto, por meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 24.02.2021 – SP)