CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Contrato particular de compra e venda de imóvel a que atribuído valor superior a trinta salários mínimos – Obrigatoriedade de celebração do negócio jurídico por instrumento público, na forma do art. 108 do Código Civil – Não incidência, para esse efeito, do piso salarial fixado para determinadas categorias profissionais em legislação estadual – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1065900-69.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes LETICIA NOGUEIRA GONÇALVES PITON e OLAVO PITON JUNIOR, é apelado 12º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1065900-69.2021.8.26.0100

Apelantes: Leticia Nogueira Gonçalves Piton e Olavo Piton Junior

Apelado: 12º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.634

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Contrato particular de compra e venda de imóvel a que atribuído valor superior a trinta salários mínimos – Obrigatoriedade de celebração do negócio jurídico por instrumento público, na forma do art. 108 do Código Civil – Não incidência, para esse efeito, do piso salarial fixado para determinadas categorias profissionais em legislação estadual – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. 12º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo e manteve a recusa do registro de contrato de compra e venda de imóvel celebrado por instrumento particular, porque foi atribuído ao imóvel valor superior a trinta vezes o salário mínimo nacional (fl. 61/63).

Os apelantes alegaram, em suma, que o negócio jurídico teve o valor de R$ 34.992,00 que é igual ao valor de referência do imóvel. Disseram que esse valor é inferior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país que, por sua vez, é o fixado por lei do Estado do Paraná e corresponde a R$ 1.692,00. Ademais, o valor do negócio jurídico não superou trinta vezes o salário mínimo fixado no Estado de São Paulo, que é de R$ 1.183,33. Aduziram que o art. 108 do Código Civil prevê o requisito da escritura pública para o negócio jurídico sobre imóvel com valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País e, portanto, deve ser interpretado de forma extensiva para considerar os salários mínimos fixados por todos os entes federativos. Asseveraram que a existência de diferentes salários mínimos também decorre da Lei nº 9.560-A, de 1966 que dispõe sobre o salário mínimo dos diplomados pelos cursos regulares superiores mantidos pelas Escolas de Engenharia, de Química, de Arquitetura, de Agronomia e de Veterinária, o que demonstra a admissão da existência de diferentes salários mínimos (fl. 68/75).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 96/97).

É o relatório.

2. Os recorrentes pretendem o registro de contrato particular de compra e venda da vaga da garagem nº 135 do Condomínio Residencial Casa Alta, situado na rua Coronel Meireles, 788, Vila Lais, objeto da matrícula nº 163.773 do 12º Registro de Imóveis da Comarca da Capital, celebrado em 08 de março de 2021, em que foi atribuído ao negócio jurídico o valor de R$ 34.992,00 (fl. 14/17).

Esse valor supera a quantia de R$ 33.000,00 que corresponde a trinta vezes o salário mínimo vigente na data do negócio jurídico.

E a escritura pública é essencial para a validade do negócio de transmissão de direito real sobre imóvel com valor superior a trinta vezes o salário mínimo, como previsto no art. 108 do Código Civil:

Art. 108 – Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País“.

Em decorrência, o contrato particular de compra e venda não é passível de registro. Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada parcialmente procedente – Instrumento particular de compra e venda – Pretensão de ingresso no fólio real como compromisso de compra e venda – Termos do contrato que deixam clara a existência de contrato de compra e venda – Consenso válido sobre a coisa, o preço e as condições do negócio – Promessa de futura expedição de quitação definitiva após o pagamento do preço que não desnatura a compra e venda simples, não sendo o pagamento do preço elemento essencial do contrato – Ausência de obrigação das partes firmarem negócio futuro, característica essencial da promessa de contratar Imóvel negociado de valor superior a trinta salários mínimos – Escritura pública obrigatória, nos termos do art. 108 do Código Civil – Exigência mantida – Recurso não provido” (CSM, Apelação Cível nº 1037437-12.2016.8.26.0224, Comarca de Guarulhos, Rel. Desembargador Ricardo Anafe, j. 13.02.2020);

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa de registro de instrumento particular de compra e venda de imóvel – Alienação de 1/14 do bem – Dispensa de escritura pública quando o imóvel tem valor até 30 salários mínimos Irrelevância que o negócio jurídico verse apenas sobre fração ideal de valor menor – Inteligência do art. 108 do Código Civil – Recurso não provido” (CSM, Apelação Cível nº 0007514-42.2010.8.26.0070, da Comarca de Batatais, Rel. Desembargador Maurício Vidigal, j. 28.07.2011);

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente Instrumento particular de venda e compra de imóvel com valor acima de 30 salários mínimos. Ofensa ao artigo 108 do Código Civil. Obrigatoriedade de escritura pública. Irrelevância de o negócio ter valor inferior ao limite da lei, por corresponder a parte ideal do bem. Fracionamento do negócio que, se considerado, conduziria à fraude e ao esvaziamento do comando legal. Recurso não provido” (CSM, Apelação Cível nº 1.088-6/0, da Comarca de Paraguaçu Paulista, Rel. Desembargador Ruy Camilo, j. 02.06.2009).

Por sua vez, o valor do salário mínimo a ser considerado para efeito de exigência do instrumento público é o previsto no art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;” (grifei).

A fixação de piso salarial superior ao salário mínimo prevista no inciso V do art. 7º da Constituição Federal se destina à remuneração de categoria específica de trabalhador, em conformidade com a complexidade do trabalho, e não se confunde com o salário mínimo nacional a que se refere o art. 108 do Código Civil.

Esse valor, portanto, não se confunde com o salário mínimo de abrangência nacional porque é limitado a categoria específica que for prevista em lei estadual ou do Distrito Federal, sendo por essa razão denominado no inciso V do art. 7º da Constituição Federal como piso salarial, e não salário mínimo:

V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;” (grifei).

De igual modo se verifica no art. 1º da Lei Complementar nº 103/2000:

Art. 1º – Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7º da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho” (grifei).

Destarte, para efeito de obrigatoriedade da escritura pública como requisito de validade do negócio jurídico sobre imóvel, como previsto no art. 108 do Código Civil, prevalece o salário mínimo vigente no País que, em razão da data do negócio jurídico, é o previsto na Lei nº 14.158/2021:

Art. 1º – A partir de 1º de janeiro de 2021, o salário mínimo será de R$ 1.100,00 (mil e cem reais)“.

3. Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso.

São Paulo, 21 de outubro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 24.02.2021 – SP)