CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião na via extrajudicial – Impugnação fundamentada – Impossibilidade de prosseguimento – Remessa das partes às vias ordinárias – Inteligência do art. 216-A, §10, da Lei nº 6.015/73, e do subitem 420.5, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelação a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005029-29.2020.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante NATHALY WEHBE DAWALIBI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DO GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 14 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1005029-29.2020.8.26.0223

Apelante: Nathaly Wehbe Dawalibi

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca do Guarujá

VOTO Nº 31.655

Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião na via extrajudicial – Impugnação fundamentada – Impossibilidade de prosseguimento – Remessa das partes às vias ordinárias – Inteligência do art. 216-A, §10, da Lei nº 6.015/73, e do subitem 420.5, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelação a que se nega provimento.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Nathaly Wehbe Dawalibi contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarujá, que, reconhecendo como fundamentada a impugnação apresentada pela União, remeteu as partes interessadas às vias ordinárias para o pedido de usucapião do imóvel matriculado sob nº 26.753 da referida serventia extrajudicial (fl. 601/604).

Alega a recorrente, em síntese, que a reforma do r. decisório é medida de rigor, porquanto, na impugnação ofertada pela União, apesar de afirmada a impossibilidade de usucapir o terreno (propriedade da União) ou o domínio útil por se tratar de mera ocupação, aventou a possibilidade de usucapião das benfeitorias edificadas, Então, diante da concordância do ente público, faz jus ao reconhecimento do direito de usucapir as benfeitorias ou do direito real de laje (fl. 617/623).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 654/657).

É o relatório.

2. A recorrente pretende o reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel situado na Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, nº 604, 6º andar, apartamento nº 62, Edifício Tangaraí, Guarujá, São Paulo, objeto da matrícula nº 26.753, do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarujá (fl. 30/31).

Apresentado o requerimento instruído com os documentos necessários, procedeu-se à notificação dos órgãos públicos, sobrevindo impugnação do pedido de reconhecimento da usucapião extrajudicial ofertada pela União (fl. 577/581).

Reconhecida como fundamentada a impugnação, deliberou-se pela impossibilidade de prosseguir na usucapião extrajudicial, remetendo a requerente às vias ordinárias.

A análise cabível nestes autos, cumpre ressaltar, não se relaciona ao preenchimento dos requisitos da usucapião ordinária pela apelante, apenas à pertinência da impugnação.

A propósito do tema, o item 420 e seus subitens, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“420. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o Oficial de Registro de Imóveis tentará conciliar as partes e, não havendo acordo, remeterá, por meio eletrônico, os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.

(…)

420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.

(…)

420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.”

No caso concreto, a impugnação apresentada pela União é fundamentada, visto que não se enquadra em nenhuma das hipóteses referidas no subitem 420.2 acima transcrito.

Com efeito, as alegações deduzidas pela impugnante de que o imóvel é de propriedade da União, porque abrangente de terrenos acrescidos de marinha, e, portanto, não passível de usucapião, rechaçando ainda a pretensão de usucapir apenas o domínio útil do bem porque o regime de utilização é de mera ocupação, não de enfiteuse, revelam o caráter fundamentado da impugnação.

Logo, afastada está a via extrajudicial para a pretendida declaração da aquisição de domínio.

E essa solução não se altera em virtude do ente público ter acenado com a possibilidade de usucapião das benfeitorias edificadas em terrenos de marinha ocupados regularmente, pois o art. 216-A, §10, da Lei nº 6.015/73 veda o reconhecimento da usucapião na esfera administrativa se houver impugnação:

“Art. 216-A: (…)

§ 10 – Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.”

No mesmo sentido, prevê o art. 18 do Provimento CNJ nº 65/2017:

“Art. 18 – Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a mediação e conciliação entre as partes interessadas.

§ 1º – Sendo infrutífera a conciliação ou a mediação mencionada no caput deste artigo, persistindo a impugnação, o oficial de registro de imóveis lavrará relatório circunstanciado de todo o processamento da usucapião.

§ 2º – O oficial de registro de imóveis entregará os autos do pedido da usucapião ao requerente, acompanhados do relatório circunstanciado, mediante recibo.

§ 3º – A parte requerente poderá emendar a petição inicial, adequando-a ao procedimento judicial e apresentá-la ao juízo competente da comarca de localização do imóvel usucapiendo.”

Em suma, como está no r. decisum apelado (fl. 601/604) e, antes, na devolutiva do Oficial de Registro de Imóveis (fl. 433/434), não há como prosseguir na usucapião extrajudicial e a recorrente tem de valer-se de ação contenciosa.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 24.02.2021 – SP)