CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião na via extrajudicial – Prazo para impugnar que não é preclusivo – Possibilidade de apresentação das razões da discordância a destempo pelos titulares do domínio do imóvel usucapiendo, ainda que em sede de procedimento de dúvida – Motivação que deve ser apreciada, por primeiro, pelo Registrador, após ouvida do requerente, resguardando-se assim a regularidade procedimental – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida, com determinação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004398-87.2020.8.26.0481, da Comarca de Presidente Epitácio, em que são apelantes JOAQUINA DE JESUS PEREIRA OLIVEIRA CINIRA PEREIRA DA SILVA OLIVEIRA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PRESIDENTE EPITÁCIO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram da apelação, com determinação, v.u”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1004398-87.2020.8.26.0481

Apelantes: Joaquina de Jesus Pereira Oliveira e Cinira Pereira da Silva Oliveira

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Presidente Epitácio

VOTO Nº 31.677

Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião na via extrajudicial – Prazo para impugnar que não é preclusivo – Possibilidade de apresentação das razões da discordância a destempo pelos titulares do domínio do imóvel usucapiendo, ainda que em sede de procedimento de dúvida – Motivação que deve ser apreciada, por primeiro, pelo Registrador, após ouvida do requerente, resguardando-se assim a regularidade procedimental – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida, com determinação.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Cinira Pereira da Silva Oliveira Joaquina de Jesus Pereira Oliveira contra a r. decisão proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Presidente Epitácio, que, em sede de dúvida inversa, manteve a rejeição das impugnações ofertadas ao pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião relativa ao bem imóvel matriculado sob nº 2.718 da referida serventia extrajudicial, determinando o prosseguimento do procedimento (fl. 565/568).

Em suas razões, as recorrentes, em síntese, titulares de direitos sobre o bem imóvel usucapiendo, afirmam que tiveram seu direito de defesa cerceado no procedimento extrajudicial de reconhecimento de usucapião, de modo que foram obrigadas a desencadear o procedimento de dúvida para trazer à lume questões que necessariamente remeterão as partes interessadas às vias ordinárias, inquinando de nulo os documentos apresentados pelo requerente (cessão de direitos hereditários e procuração pública) para supedanear a sua pretensão. Se não bastasse, o bem imóvel (parte ideal) é objeto de inventário e alguns herdeiros sequer foram notificados para exercer o direito de se opor ao pleito de prescrição aquisitiva. Por isso, aguardam que a sentença seja anulada ou convolado o procedimento administrativo em judicial (fl. 579/593).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 614/619).

É o relatório.

2. Analisado o procedimento de usucapião extrajudicial em trâmite perante o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Presidente Epitácio, verificou-se que o pedido foi desencadeado por Andrey Leandro de Oliveira e, na fase de notificação dos titulares de direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo, Cinira Pereira da Silva Oliveira Joaquina de Jesus Pereira Oliveira discordaram do pedido (fl. 284, 286, 294, 296, 389 e 392).

O Oficial de Registro de Imóveis considerou as impugnações infundadas, rejeitando-as e determinando o prosseguimento do procedimento extrajudicial (fl. 38/40).

Inconformadas, valeram-se da chamada dúvida inversa para dar suas razões do inconformismo perante o MM. Juiz Corregedor Permanente (fl. 01/40), que, ao julgá-la, asseverou que as impugnações eram mesmo infundadas, legitimando a ultimação dos atos até o pronunciamento final do Registrador sobre o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião (fl. 565/568).

E é contra essa decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente que foi interposto o recurso de apelação para “anular a r. sentença, para que outra seja proferida, ou perante o processo maduro que a modifique para determinar que o processo administrativo da usucapião, seja convolado em judicial, conforme as razões supramencionadas e pelo império da lei.” (fl. 579/593).

O procedimento extrajudicial seguiu até aqui livre de mácula e o Oficial de Registro de Imóveis apenas cumpriu à risca as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (Capítulo XX, itens 416 e seguintes).

Na fase das notificações dos titulares do domínio do imóvel usucapiendo e dos confrontantes, assim que notificadas, as recorrentes deixaram bem claro que discordavam do pleito de usucapião extrajudicial (fl. 284, 286, 294 e 296).

Com o intento de verificar as razões das insurgências manifestadas, o Oficial de Registro de Imóveis houve por bem ouvir as impugnantes, que reafirmaram a sua discordância, quedando, contudo, inertes quanto à motivação (fl. 389 e 392).

Diante das impugnações infundadas, o Oficial de Registro de Imóveis acabou por rejeitá-las, sendo determinada a intimação das impugnantes, ressalvado que o prazo para a apresentação de recurso era de 10 dias (fl. 395/397).

As impugnantes, por seu advogado, deixaram de apresentar recurso, optando por peticionar diretamente perante o MM. Juiz Corregedor Permanente, fazendo-o por meio da chamada dúvida inversa (fl. 01/40).

Quanto às impugnações, o item 420 e seus subitens, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça prescrevem:

“420. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o Oficial de Registro de Imóveis tentará conciliar as partes e, não havendo acordo, remeterá, por meio eletrônico, os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.

(…)

420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.

(…)

420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.”

Como visto, as impugnações apresentadas ao Oficial eram de fato infundadas, já que desprovidas de qualquer motivação, agindo assim com acerto ao rejeitá-las.

Frise-se que apenas houve a rejeição das impugnações com a consequente determinação para prosseguimento do procedimento extrajudicial, sendo equivocada a afirmação de que foi deferido o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião.

Não obstante, neste procedimento de dúvida inversa, vieram à tona os motivos das discordâncias exaradas relacionados à suposta falsidade de alguns documentos que instruíram o pedido de usucapião extrajudicial (cessão de direitos hereditários e procuração pública), além do bem usucapiendo (parte ideal) ter sido arrolado nos autos de um inventário judicial e alguns herdeiros ainda não terem sido notificados.

Sobre o prazo para impugnar, já se decidiu que ele não é preclusivo e eventual discordância tem de ser examinada ainda que apresentada a destempo (Apelação Cível nº 1000378-32.2020.8.26.0100), de modo que nada impede que os motivos ora deduzidos para supedanear as impugnações apresentadas sejam apreciados.

O que, contudo, terá de ser feito no procedimento extrajudicial de reconhecimento da usucapião pelo Registrador, após a ouvida do requerente, resguardando-se assim a regularidade procedimental.

A MM. Juíza Corregedora Permanente deverá providenciar o encaminhamento da petição da dúvida ao Oficial para a juntada aos autos do procedimento extrajudicial de reconhecimento de usucapião que deverá seguir tal como ordenado.

3. Diante do exposto, pelo meu voto, julgo prejudicada a dúvida e não conheço da apelação, com determinação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 24.02.2021 – SP)