CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Carta de adjudicação – Ordens de Indisponibilidade que obstam o registro da alienação voluntária – Acordo de dação em pagamento homologado judicialmente que não desnatura a voluntariedade da alienação – Cláusula de retrovenda com prazo de cinco anos em afronta à norma cogente constante do art. 505 do Código Civil – Óbices mantidos – Dúvida procedente – Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003007-96.2021.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que é apelante PAULO MÁRCIO SILVA DAVANÇO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE VOTUPORANGA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1003007-96.2021.8.26.0664

Apelante: Paulo Márcio Silva Davanço

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Votuporanga

VOTO Nº 31.676

Registro de Imóveis – Dúvida – Carta de adjudicação – Ordens de Indisponibilidade que obstam o registro da alienação voluntária – Acordo de dação em pagamento homologado judicialmente que não desnatura a voluntariedade da alienação – Cláusula de retrovenda com prazo de cinco anos em afronta à norma cogente constante do art. 505 do Código Civil – Óbices mantidos – Dúvida procedente – Recurso a que se nega provimento.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por PAULO MÁRCIO SILVA DAVANÇO contra a r. sentença de fl. 94/96, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Votuporanga, mantendo-se os óbices registrários.

A Nota de Exigência de fl. 07 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“Não foram atendidas todas as exigências elaboradas nas notas de devolução anteriores. Portanto, reiteramos o seguinte: Existem na matrícula n.º 8.832 averbações de indisponibilidade de bens de Jurandir Barros Araújo e Nanci Sidnei Pires Barros Araújo. Desta forma, tratando-se de transmissão voluntária (“dação em pagamento”), NÃO é possível o registro da Carta de Adjudicação, enquanto perdurarem as ordens judiciais de indisponibilidade de bens dos proprietários do imóvel.

Ademais, não houve a adequação do prazo da retrovenda ao limite estabelecido pelo artigo 505 do Código Civil. De fato, nos peticionamentos de folhas 465 e 470/471 dos autos do processo não consta menção alguma à exigência relativa à correção do prazo da retrovenda (Notas de Devolução de 02/10/2020 e de 24/11/2020). Da mesma forma, não consta do título apresentado qualquer pronunciamento judicial determinando a prevalência do prazo convencional de 5 anos sobre o prazo legal de 3 anos (CC, artigo 505)”.

Sustenta o recorrente, em suma, que tem preferência sobre as indisponibilidades do imóvel, tendo em vista que foi o primeiro a efetuar penhora sobre ele, e também porque o imóvel serviu de garantia em contrato de locação. Acrescentou, ainda, que a questão do prazo da retrovenda não interfere no registro da carta de adjudicação.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 137/140).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

A apelação, a despeito de seus jurídicos fundamentos, não comporta provimento.

Com efeito, restou apresentada a registro a carta de adjudicação extraída dos autos da ação de despejo por falta de pagamento n.º 3001458-95.2013.8.26.0664 requerido por Paulo Marcio Silva Davanço em face de Izabel Caracanha Vicente e outros, tendo por objeto a transmissão para aquele da parte ideal de 50% do imóvel matriculado sob o n.º 8.832.

O titulo foi prenotado sob n.º 235.219 em 25 de março de 2021 e, qualificado negativamente, foi expedida a nota de devolução de fl. 07.

Compulsando os autos do processo n.º 3001458- 95.2013.8.26.0664 verifica-se que a ação de despejo por falta de pagamento foi ajuizada pelo ora recorrente em face de Izabel Caracanha Vicente, locatária; e Jurandir Barros Araujo e Nanci Sidnei Pires Barros Araujo, fiadores, titulares de domínio do imóvel matriculado sob o n.º 8.832, e julgada procedente para declarar a rescisão do contrato de locação; com decreto de despejo e condenação dos então réus ao pagamento dos aluguéis e demais encargos vencidos até a desocupação.

Iniciada a fase de cumprimento de sentença, ante o decurso do prazo para pagamento espontâneo do débito, o imóvel matriculado sob o n.º 8.832 foi penhorado, designando-se as praças, que resultaram infrutíferas.

Homologado acordo entre as partes, o lá exequente noticiou o inadimplemento dos executados, requerendo a continuidade da execução com a adjudicação do imóvel penhorado e depósito nos autos da diferença do preço, o que foi deferido pelo MM. Juiz da 4ª Vara Cível da Comarca de Votuporanga.

Sobreveio, então, novo acordo, homologado judicialmente, objeto da carta de adjudicação ora em análise.

Por meio do dito acordo Jurandir Barros Araújo e sua esposa Nanci Sidnei Pires Barros Araújo deram em pagamento da dívida 50% do imóvel objeto da matrícula n.º 8.832. Restou, também, estabelecida cláusula de retrovenda pelo prazo de 05 anos.

O oficial Registrador, como acima consignado, apontou dois óbices ao registro da carta de adjudicação, quais sejam: a) a existência de ordens de indisponibilidade na matrícula n.º 8.832 a não autorizar o registro da transmissão voluntária (dação em pagamento); e

b) a inadequação do prazo da retrovenda, superior ao limite estabelecido pelo artigo 505 do Código Civil.

Pois bem.

Consoante dispõe o item 413 do Capítulo XX, das NSCGJ:

“413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.

Referido dispositivo determina que as indisponibilidades averbadas só não impedem a inscrição de constrições judiciais e o registro da alienação judicial do bem desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade ou se foi consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.

Idêntica disposição consta do art. 16 do Provimento n.º 39/2014 do C. Conselho Nacional de Justiça, in verbis:

“Art. 16. As indisponibilidades averbadas nos termos deste Provimento e as decorrentes do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.”

Assim, à vista das ordens de indisponibilidades averbadas sob os n.º 7, 8 e 9 na matrícula n.º 8.832, a transmissão voluntária ocorrida in casu por meio da dação em pagamento, ainda que homologada judicialmente, não comporta registro.

E, o fato de o negócio ter sido celebrado e homologado no bojo de processo judicial não altera a natureza da voluntariedade do ato. Não se trata de alienação forçada.

Outro não é o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Partilha de direitos hereditários. Cessão de direitos ocorrida nos autos do arrolamento, com adjudicação integral do bem em favor de um dos herdeiros. Imóvel com ordem de indisponibilidade. Alienação voluntária. Impossibilidade de registro. Recurso desprovido.” [1]

Relevante pontuar, também, que os requisitos de validade e eficácia do título, sob a ótica registrária, são observados ao tempo da prenotação (art. 1.246 do Código Civil):

“Art. 1246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo.”

Assim, em face do princípio da prioridade, gerado pela prenotação, os títulos contraditórios, preponderam sobre o título prenotado posteriormente (art. 186 da Lei n° 6.015/73), sendo irrelevante o fato da ação de despejo por falta de pagamento ser anterior às ordens de indisponibilidade.

Tampouco há como se superar o outro óbice registrário.

Consoante dispõe o art. 505 do Código Civil:

“O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.”

No que tange à retrovenda, ensina Nelson Rosenvald:

“A retrovenda é pacto adjeto à compra e venda, pelo qual as partes estipulam que o vendedor possuirá o direito potestativo (portanto, submetido, tão só, à sua própria manifestação de vontade) de comprar a propriedade de volta, em certo prazo (não superior a três anos), sujeitando o adquirente a tanto independentemente da vontade de quem comprou), desde que deposite o preço, acrescido de despesas realizadas pelo comprador.

Acerca do prazo constante do referido dispositivo legal, prossegue o Doutrinador:

(…)

Nota-se que o prazo decadencial descrito na norma é o maximo, nada impedindo que as partes convencionem um período inferior, observando-se o disposto no art. 211 do CC. Aliás, seria ofensivo ao direito de propriedade permtir a convenção de um prazo maior, diante da insegurança que a cláusula provocaria nas ralações patrimoniais do proprietário e de terceiros que com ele eventualmente negociassem[2]

Cuida-se, portanto, de prazo decadencial, norma cogente, inalterável pelas partes, sendo pertinente o óbice registrário.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] Apelação Cível nº 1003970-04.2018.8.26.0505, Des. Relator e Corregedor Geral da Justiça Geraldo Francisco Pinheiro Franco

[2] in Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406 de 10.01.2002/ Coordenador Cezar Peluso- 9 ed. Ver. E atual-Barueri, SP: Manole, 2015, p. 538.

(DJe de 24.02.2021 – SP)