CSM|SP: Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Instrução deficitária do requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião – Obrigatoriedade de apresentação das certidões cíveis e criminais dos distribuidores da Justiça Estadual e Justiça Federal em nome do requerente, proprietário e demais possuidores e seus respectivos cônjuges ou companheiros do imóvel usucapiendo, nos termos do subitem 416.2, IV, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Óbice ao prosseguimento do requerimento mantido por falta de cumprimento de tal exigência – Dúvida procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1018159-22.2020.8.26.0309, da Comarca de Jundiaí, em que são apelantes RAIMUNDO NONATO FERREIRA e ROSELI APARECIDA CARDOSO FERREIRA, é apelado 2° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JUNDIAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 3 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1018159-22.2020.8.26.0309

Apelantes: Raimundo Nonato Ferreira e Roseli Aparecida Cardoso Ferreira

Apelado: 2° Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jundiaí

VOTO Nº 31.570

Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Instrução deficitária do requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião – Obrigatoriedade de apresentação das certidões cíveis e criminais dos distribuidores da Justiça Estadual e Justiça Federal em nome do requerente, proprietário e demais possuidores e seus respectivos cônjuges ou companheiros do imóvel usucapiendo, nos termos do subitem 416.2, IV, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Óbice ao prosseguimento do requerimento mantido por falta de cumprimento de tal exigência – Dúvida procedente – Recurso não provido.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Raimundo Nonato Ferreira Roseli Aparecida CardosoFerreira contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Jundiaí, que manteve as exigências formuladas pelo Registrador, impedindo o prosseguimento do requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel matriculado sob nº 153.907 da referida serventia extrajudicial (fl. 263/264).

Em suas razões, os recorrentes, herdeiro dos proprietários tabulares do imóvel usucapiendo e sua mulher, alegaram que exercem a posse exclusiva sobre o bem, com animus domini, por 24 anos, e sem qualquer oposição dos demais herdeiros, instruindo o pedido com todos os documentos necessários ao regular andamento do procedimento até ulterior deferimento e registro da aquisição do imóvel. Por isso, buscaram a via recursal para a reforma do r. decisório (fl. 271/275).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 301/303).

É o relatório.

2. Os recorrentes pretendem o reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel correspondente ao “LOTE DETERRENO, sob n. 06 da QUADRA “F”, da Vila Comercial, bairro Paracatu, desta cidade, com área de 250,00 m2, medindo 10,00m de frente para a RUA SETE, por 25,00m da frente aos fundos, dividindo-se de um lado com o lote 5, de outro lado com o lote 7, e pelos fundos, com a faixa de transmissão”, objeto da matrícula nº 153.907, do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Jundiaí (fl. 30/31).

Analisados o requerimento e os documentos apresentados, exigências foram feitas e remanesceram aquelas descritas na nota devolutiva emitida aos 10 de novembro de 2020, cujo teor é o seguinte (fl. 231/232):

“1. Dos documentos:

1.1. Anexar justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade e toda a cadeia possessória até chegar ao requerente, uma vez que, s.m.j. não foram apresentados todos os títulos de aquisição, iniciando no proprietário tabular até chegar ao requerente;

1.2 Apresentar formal de partilha pelo falecimento de Joaquim Ferreira da Silva e Maria Noeme de Souza Ferreira e justificativa feita pelo requerente, filho dos proprietários tabulares, sobre o óbice à correta escrituração, visto que, s.m.j. bastaria o registro do inventário pelos falecimentos de Joaquim Ferreira e Maria Noeme em favor do seu herdeiro filho, ora requerente. Alertamos aos requerentes e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei (artigo 13, §2º do Prov. 65/2017 do CNJ).

1.3. Faz-se necessária a apresentação do formal de partilha ciado no item acima para verificarmos se todos os herdeiros do falecido anuíram, venderam ou doaram para o requerente da usucapião e para promovermos a notificação de todos os herdeiros filhos;

1.4 Anexar prova de quitação através de declaração escrita ou da apresentação da quitação da última parcela do preço avençado ou do recibo do proprietário assinado com firma reconhecida.

2. Das certidões:

2.1. Apresentar:

2.1.1 certidões negativas dos distribuidores cíveis e criminais da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo e do domicílio do requerente expedidas nos últimos trinta dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas:

2.1.2 dos requerentes e do respectivo cônjuge ou companheiro, se houver;

2.1.3 dos proprietários do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou do companheiro, se houver;

2.1.4 de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo;

2.1.5 certidão dos órgãos municipais/e ou federais que demonstre a natureza urbana do imóvel usucapiendo;

2.1.6 apresentar certidão complementar em nome de Raimundo Nonato Ferreira.”

A pretensão é de usucapir imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros (o postulante Raimundo Nonato Ferreira e sua mulher Roseli Aparecida Cardoso Ferreira), cuja posse é exercida há 24 anos, de forma exclusiva, ininterrupta e sem oposição (art. 1.238 do Código Civil).

O imóvel usucapiendo foi adquirido por Maria Noeme de Souza Ferreira casada com Joaquim Ferreira da Silva, no regime da comunhão universal de bens, aos 28 de março de 1966, e, apesar de já falecidos, ainda figuram como proprietários na tábua registral (fl. 30/31).

Segundo afirmado pelo herdeiro-filho Raimundo Nonato Ferreira, o inventário dos bens deixados por Joaquim Ferreira da Silva Maria Noeme de Souza Ferreira não foi aberto devido à dificuldade de localização de alguns herdeiros que não mais residem no país.

Não obstante, cuidou o herdeiro-filho Raimundo Nonato Ferreira de formalizar, por meio de escritos particulares, a aquisição das partes pertencentes às indigitadas herdeiras-netas Gabriela Bergu FerreiraLeticia Bianchini Ferreira Alyne Amy Biachini Ferreira (filhas do herdeiro por cabeça Antonio Edvar Ferreira) e herdeiros-filhos Rita de Cassia Ferreira da Costa Vicente Ferreira da Silva Neto (fl. 47/57).

Ora, diante da afirmativa levada a cabo – não houve a abertura de inventário dos bens deixados pelos proprietários tabulares – e sem que a Lei (art. 216-A da Lei nº 6.015/1973) ou a normativa aplicável (Provimento CNJ nº 65/2017 e Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça) tenham alçado à condição de documento indispensável à formulação do requerimento administrativo, a exigência de apresentação do formal de partilha deve ser afastada.

O mesmo raciocínio para as exigências de apresentação de “todos os títulos de aquisição, iniciando no proprietário tabular até chegar ao requerente” e “prova de quitação através de declaração escrita ou da apresentação da quitação da última parcela do preço avençado ou do recibo do proprietário assinado com firma reconhecida”, que também não são documentos indispensáveis para valer-se da via extrajudicial, observado que os postulantes declararam não ter à sua disposição outros documentos além dos já colacionados para comprovar a posse longeva e pacífica.

Se, ao final do procedimento, o Registrador concluir pela ausência ou insuficiência dos documentos a demonstrar o preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento extrajudicial da usucapião, o pedido será rejeitado.

Sobre as certidões, o subitem 416.2, IV, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça prescreve:

“416.2 – O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos:

IV Certidões negativas cíveis e criminais dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel e do domicílio do requerente, expedidas nos últimos trinta dias demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas:

a) do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver;

b) do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver;

c) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião”.

Então, contrariamente aos outros documentos exigidos, as certidões são indispensáveis, devendo instruir o requerimento extrajudicial da usucapião.

Mas os requerentes não se desincumbiram a contento de tal obrigação, limitando-se a providenciar a certidão estadual de distribuições cíveis e a certidão federal de distribuições cíveis e criminais em nome tão somente do requerente Raimundo Nonato Ferreira (fl. 210/211 e 215/214).

E sequer era o caso de se aplicar a exceção prevista no subitem 416.17, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, quanto à dispensa de apresentação de certidões em nome dos titulares do domínio, porquanto conhecidos os seus dados de qualificação pessoal.

Já no que diz respeito à natureza urbana do imóvel usucapiendo, o documento apresentado a fl. 194, emitido pelo ente municipal aos 08 de setembro de 2020, relativo à inexistência de débitos do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, comprova a sua inscrição no cadastro fiscal do município, revelando-se suficiente ao propósito almejado e cumprindo a exigência, nos termos do subitem 416.2, VIII, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Em suma, ainda que relevadas algumas das exigências postas, outras são devidas, de modo que não há como prosseguir com o requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião.

3. Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 22.02.2022 – SP)