CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Compra e Venda e Cessão de Compromisso de Compra e Venda – Escritura Pública – Impossibilidade de aferir se os anuentes-cedentes que constam da escritura pública são os compromissários compradores que constam da transcrição – Ofensa à especialidade subjetiva e ao trato consecutivo – Rogação que abrange os dois atos (o registro da compra e venda e a averbação da cessão de compromisso) – Impossibilidade de cisão, considerada a rogação dos interessados, ora recorrentes – Apelação a que se nega provimento, mantidos o óbice registral e a r. Sentença.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1011206-80.2020.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que são apelantes JOSE FELIX FIGUEIREDO e RITA DE CÁSSIA TRONQUINI FIGUEIREDO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n.º 1011206-80.2020.8.26.0361

Apelantes: Jose Felix Figueiredo e Rita de Cássia Tronquini Figueiredo

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi das Cruzes

VOTO N.º 31.597

Registro de Imóveis – Dúvida – Compra e Venda e Cessão de Compromisso de Compra e Venda – Escritura Pública – Impossibilidade de aferir se os anuentes-cedentes que constam da escritura pública são os compromissários compradores que constam da transcrição – Ofensa à especialidade subjetiva e ao trato consecutivo – Rogação que abrange os dois atos (o registro da compra e venda e a averbação da cessão de compromisso) – Impossibilidade de cisão, considerada a rogação dos interessados, ora recorrentes – Apelação a que se nega provimento, mantidos o óbice registral e a r. Sentença.

1. Trata-se de apelação (fl. 101/107) interposta por José Felix Figueiredo e Rita de Cássia Tronquini Figueiredo contra a r. sentença (fl. 95/96) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mogi das Cruzes, que julgou procedente a dúvida (fl. 1/7) e manteve óbice (fl. 61/74) ao registro stricto sensu de uma compra e venda e à averbação de uma cessão de compromisso de compra e venda, negócios jurídicos esses trazidos por escritura pública (fl. 5/9) e referentes a um imóvel (Lote 1 da Quadra 294-B) ainda inscrito numa área maior, objeto da transcrição n. 31.780, do Livro 3-AU, do 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos daquela mesma comarca (fl. 11/14).

Segundo a r. sentença (fl. 95/96), o imóvel em questão estava sob o domínio de Enéas de Arruda Santos e de sua mulher Armanda Muller Arruda (fl. 11/14, 19, 21/22, 31 e 33). Enéas e Armanda, como promitentes, celebraram compromisso de compra e venda com Eros Zucchini, casado com Caterina Lasalvia Zucchini (fl. 35 e 37). A escritura pública apresentada a registro tem como figurantes os interessados José Felix Figueiredo e Rita de Cássia Franquini Figueiredo, como compradores, e o espólio de Enéas Arruda Santos, como vendedor, e também comparecem, como anuentes, Eros Zuschini e sua mulher Helena Zuschini. A descrição desses anuentes, assim no título como no assento (i. e., na transcrição) é, contudo, deficiente, e os documentos apresentados pelos interessados José e Rita de Cássia não comprovam que os cessionários presentes na escritura pública efetivamente eram os compromissários compradores apontados pela transcrição. Assim, não é possível proceder à inscrição da cessão do compromisso de compra e venda e, por via de consequência, tampouco é lícito deferir-se o registro da compra e venda, pois se trata de negócios jurídicos interligados e, além disso, o compromisso continuaria a constar dos assentos, com prejuízo à segurança jurídica. Portanto, resta aos interessados (que admitiram não poder obter a complementação faltante) a via da usucapião, e as inscrições rogadas têm de ser indeferidas, a bem da continuidade e da especialidade subjetiva.

Os apelantes alegam (fl. 101/107), em síntese, que a existência do compromisso não impede o registro da compra e venda, inscrição essa que deverá ser feita sem nenhum gravame na matrícula a ser aberta em favor dos recorrentes.

A ilustre Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 130/132).

É o relatório.

2. A r. sentença tem de ser mantida como lançada, em que pese aos fundamentos do recurso.

A escritura pública apresentada pelos apelantes (fl. 5/9) traz em si dois negócios jurídicos: (a) uma compra e venda celebrada entre o Espólio de Enéas de Arruda Santos e Armanda Muller Arruda, vendedores, e José Felix Figueiredo e sua mulher Rita de Cássia Franquini Figueiredo (fl. 6/7); e (b) uma cessão da posição de compromissário comprador, feita por Eros Zuschini e sua mulher Helena Zuschini aos ditos José Felix e Rita de Cássia (fl. 6 e 8).

Como se vê nas razões de dúvida (fl. 61/67) e na r. sentença (fl. 95/96), as inscrições foram adiadas, porque os interessados pediram tanto o registro stricto sensu da compra e venda, quanto a averbação da cessão (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 167, II, 3), mas este último não se pôde praticar, em atenção aos princípios do trato consecutivo (ou continuidade) e da especialidade subjetiva. É que, como fez notar o ofício de registro de imóveis (fl. 67/68, especialmente), na transcrição consta que o compromissário comprador é “Eros Zucchini, casado, tapeceiro, domiciliado na Rua Treze de Maio, 966”, e no título figuram, como anuentes e cedentes, “Eros Zuschini, tapeceiro, portador da cédula de identidade RG n. 3.715.819-SSP/SP, e sua mulher Helena Zuschini, do lar, portadora da cédula de identidade RG n. 7.812.019- SSP/SP, ambos brasileiros, casados sob o regime da comunhão parcial de bens, anteriormente à vigência da Lei n. 6.515/77, inscritos no CPF/MF sob o n. 305.732.429/00, residentes e domiciliados à Rua Albuquerque Lins nº 66, São Paulo, Capital.”, de modo que não é possível estabelecer, entre aquele e estes, identidade subjetiva que permita concluir que o disponente, na cessão, é o legitimado, no assento imobiliário (perceba-se, em especial, a discrepância quanto ao nome do cônjuge).

Como se sabe, por força do princípio do trato consecutivo (ou da continuidade), como regra geral só se admite a inscrição (registro stricto sensu ou averbação Lei n. 6.015, art. 167, I e II) “daqueles actos de disposição em que o disponente coincide com o titular do direito segundo o registo” (Carlos Ferreira de Almeida, apud Ricardo Dip, Registros sobre Registros, n. 208).

É o que diz a Lei n. 6.015/1973:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

Nas palavras de Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 304):

“O princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões que derivam umas da outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente”.

Logo, realmente não era dado ao oficial de registro de imóveis, nessas condições, proceder às inscrições pretendidas. Note-se que os apelantes não tiveram interesse em cindir o título, para obter a entrada apenas do negócio jurídico de compra e venda (fl. 70, 83/84 e 106/107), e não se pode deixar de atender exatamente ao que rogaram, pois o oficial (Lei n. 6.015/1973, art. 13) e, muito menos, o juiz dos registros não atuam de ofício ou por cima da vontade do interessado. Pelo contrário: sempre que ouvidos (fl. 83/84 e 106/107), insistiram na pretensão de ver registrada a compra e venda, sem que se mantivesse a averbação do compromisso, o que, como visto, é inviável, porque não se sabe se a cessão operara pelas mãos de quem de direito.

Em suma, é necessário que os apelantes realmente corrijam o título ou a transcrição, sem o que, como disseram corretamente o Oficial e a r. sentença recorrida, não se pode deferir o que pediram nem, é claro, dar provimento ao apelo.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 22.02.2022 – SP)