2ª VRP|SP: RCPN – Habilitação de casamento – Apresentação de Escritura de União Estável com pacto adjeto antenupcial – Impossibilidade – Necessidade de Escritura única de Pacto antenupcial – Indeferimento.

Processo 1127940-87.2021.8.26.0100 

Pedido de Providências

2ª Vara de Registros Públicos

Vistos,

Cuida-se de pedido de providências formulado pelo Senhor Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Subdistrito desta Capital, suscitando dúvida quanto à habilitação de conversão de união estável em casamento, na qual os conviventes pretendem optar pelo regime da separação absoluta de bens, fazendo valer como pacto antenupcial a Escritura Pública Declaratória de União Estável e outras avenças, lavrada aos 09.12.2020.

Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 05/26.

O Ministério Público ofereceu parecer às fls. 30/32.

É o breve relatório. Decido.

Trata-se de expediente encaminhado pelo Senhor Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Subdistrito desta Capital. O i. Titular suscita dúvida quanto à habilitação de conversão de união estável em casamento, na qual os conviventes pretendem optar pelo regime da separação absoluta de bens, fazendo valer como pacto antenupcial a Escritura Pública Declaratória de União Estável e outras avenças, lavrada aos 09.12.2020.

Refere o Senhor Delegatário que os conviventes entendem que a Escritura de União Estável, lavrada perante Tabelionato de Notas desta Capital, deve ser aceita como Pacto Antenupcial porque dela constou expressamente que “vindo a se casarem, ou vindo a pedirem a conversão da união estável em casamento (…) prevalece a presente escritura como pacto antenupcial, com cláusula de estipulação do regime da separação absoluta de bens (…)”.

O Senhor Titular compreende que o referido instrumento não é hábil a servir de convenção antenupcial, posto que não foi realizado em momento pré-núpcias, ou seja, quando os nubentes já estivessem contratados para o casamento, mas foi sim aventado muito anteriormente e com validade inespecífica para a eventualidade de casamento ou conversão.

Ademais, entende o Senhor Titular que a forma solene que deve ser atribuída ao pacto não foi observada, haja vista que foi utilizado instrumento diverso, e com dupla finalidade, para se firmar o negócio jurídico.

Por fim, refere o d. Notário que a ora analisada Escritura Pública, acaso pretendesse fazer conter dois negócios jurídicos diferentes a declaração de união estável com regra patrimonial e o pacto antenupcial propriamente dito, deveria ter feito incidir sobre ela emolumentos referentes aos tais dois negócios pactuados, o que não ocorreu, de modo a indicar que somente houve a lavratura de um único instrumento notarial.

O Ministério Público, por sua vez, opinou favoravelmente à possibilidade da consignação do pacto antenupcial na escritura declaratória de união estável, na compreensão de que não há prazo estabelecido de validade do instrumento firmado.

Pois bem. Pese embora elevadas as razões apresentadas pelo i. Promotor de Justiça, entendo que o pedido de providências do Senhor Registrador deve ser acolhido, no sentido da impossibilidade de se aceitar a Escritura lavrada aos 09.12.2020, ou seja, há mais de um ano, como Pacto Antenupcial, pelas razões que passo a expor.

Primeiramente, destaco que, de fato, o prazo de validade da Escritura de Pacto Antenupcial não foi estabelecido legalmente e há divergências na doutrina quanto à solução para a questão. Nada obstante, se depreende do conjunto de regramentos legais que o pacto antenupcial deve ser realizado no contexto da habilitação de casamento, em momento no qual os consortes já pretendam e já se preparam para o casamento (ou para a conversão).

Nesse sentido é a intelecção do parágrafo único do artigo 1.640, do Código Civil:

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula.

Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas. [negrito meu]

No mesmo sentido se expressam as Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, em seu Cap. XVII, item 71, fazendo clara alusão de que o pacto deve ser realizado no contexto da preparação para o casamento, e não em momento disperso no tempo:

71. Optando os nubentes por um regime de bens diverso do legal, sua vontade deverá ser formalizada por intermédio de escritura pública até a celebração, sendo ineficaz a simples declaração reduzida a termo no processo de habilitação matrimonial.

Destaco que a palavra “nubente” – do latim “nubere”, que se traduz por “casar” – indica “que ou quem vai casar ou tem casamento marcado”. De modo mais incidente a respeito, prescreve o artigo 1653 do Código Civil:

Art. 1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento. [negrito meu] O dispositivo legal em questão efetua limite temporal de eficácia do pacto antenupcial no sentido de anteceder ao casamento, todavia, não especifica um prazo de modo direto.

Para colmatar esta lacuna por analogia na forma do art. 4º, da LINDB, compete aplicar o prazo de noventa dias para eficácia da habilitação constante do art. 1.532 do Código Civil, de modo antecedente ao casamento. Como é sabido, o prazo de validade da habilitação de casamento é de 90 dias, após o qual os atos praticados perdem seu efeito, devendo ser repetidos, para conferir segurança jurídica aos nubentes, a terceiros e ao Estado.

Carlos Roberto Gonçalves refere que a perda de validade da habilitação para o casamento ocorre em razão de, após decorrido tal prazo, a situação fática entre os consortes e entre os consortes e terceiros por ter se alterado, de modo a refletir seus efeitos no negócio jurídico (casamento) pactuado: Decorrido o prazo de quinze dias a contar da afixação do edital em cartório (e não da publicação na imprensa), o oficial entregará aos nubentes certidão de que estão habilitados a se casar dentro de 90 dias, sob pena de perda de sua eficácia. Vencido esse prazo, que é de caducidade, será necessária nova habilitação, porque pode ter surgido algum impedimento que inexistia antes da publicação dos proclamas [Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 6: Direito de Família 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012].

Por conseguinte, a validade da convenção não pode ser indeterminada, porque o que nele se fez constar pode perder a validade fática e vir a refletir efeitos jurídicos indesejados para os consortes ou para terceiros, daí a previsão de ineficácia preservada a existência e validade do negócio jurídico.

Desse modo, assinalo que a negativa do Registrador Civil, entre outros pontos, visa a garantir a segurança jurídica do negócio jurídico em questão guiado também pelo princípio da heteronomia da vontade. Seja como for, ainda que se tenha compreensão diversa, é patente que o prazo de um ano impede a utilização do conteúdo da escritura pública de união estável, a qual, ultrapassa, em muito, a dicção legal acerca da ineficácia do pacto antenupcial se não lhe seguir o casamento.

Além disso, compete ressaltar a compreensão acerca da convenção antenupcial encerrar negócio solene que deve se materializar por meio de instrumento público único. Quanto a isso, assevera Silvio de Salvo Venosa:

O pacto antenupcial é negócio jurídico de direito de família e sua finalidade é exclusivamente regular o regime patrimonial dos cônjuges no casamento a realizar-se. Não se admitem outras disposições estranhas a essa finalidade. [in: Direito civil: família 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. (Coleção Direito civil; 5), Item 15.2.2].

Bem assim, por todo o exposto, compreendo que assiste razão ao Senhor Titular e indefiro a utilização da Escritura Pública Declaratória de União Estável com estipulação de Pacto Antenupcial e outras a avenças, devendo os nubentes lavrarem o devido e específico ato ou, alternativamente, optarem pelo regime legal de bens para o casamento. Considerando-se a questão de interesse geral, publique-se a presente decisão. Ciência ao Senhor Registrador e Notário, que deverá cientificar os consortes, e ao Ministério Público.

P.I.C.

(DJe de 15.12.2021 – SP)