CSM|SP: Apelação – Dúvida inversa – Negativa de registro de escritura de venda e compra – Vendedor identificado com RNE – Matrícula constando RG do proprietário – Coincidência no número de CPF e demais elementos – Inexistência de dúvida quanto à identidade da pessoa – Abrandamento do princípio da especialidade subjetiva – Recurso a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1016699-48.2020.8.26.0002, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MARIA GOMES DA COSTA, é apelado OFICIAL DO 18º REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 15 de abril de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1016699-48.2020.8.26.0002

Apelante: Maria Gomes da Costa

Apelado: Oficial do 18º Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.484

Apelação – Dúvida inversa – Negativa de registro de escritura de venda e compra – Vendedor identificado com RNE – Matrícula constando RG do proprietário – Coincidência no número de CPF e demais elementos – Inexistência de dúvida quanto à identidade da pessoa – Abrandamento do princípio da especialidade subjetiva – Recurso a que se dá provimento.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por MARIA GOMES DA COSTA contra a r. sentença de fl. 59/61, que julgou procedente a dúvida inversa suscitada em face do 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, mantendo-se o óbice registrário.

A Nota de Exigência de fl. 15 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“Trata-se de escritura pública de venda e compra (Livro 6891, página 061), lavrada pelo 9º Tabelião de Notas. Examinada, recebeu qualificação negativa, em vista do seguinte:

1– Conforme R.4/142.520, a vendedora Rosana da Conceição Gomes Ameixieira está identificada pelo RG 13.362.901-SP, entretanto na presente escritura, constou RG n.º 13.862.961-SSP/SP. Rerratificar onde for necessário, apresentando cópia autenticada da Cédula de Identidade, para que seja feita a devida averbação na referida Matrícula, se for o caso (art. 176 e art. 246 da Lei Fed. 6.015/73, e item 63, Cap. XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, deste Estado).

2 – Apresentar Certidão de Casamento de ARMANDO MONTEIRO DE SEQUEIRA JUNIOR e OLIVIA DE MIRANDA SEQUEIRA, em original ou cópia autenticada, atualizada, em conformidade com os arts. 167, inc. II, 5 e 246 da Lei Fed. 6.015/73, combinados com os itens 41, letra “a” e 44, letra “o”, do Cap. XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, deste Estado.”

Sustenta a recorrente, em suma, que todas as exigências foram superadas, inclusive a juntada da certidão de casamento de Armando e que a única pendência é apresentação de RNE do vendedor, mas que o documento somente é fornecido pela Polícia Federal mediante ordem judicial e que Registro Geral pode ser substituído conforme dispõe o art. 176 da Lei de Registros Públicos.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fl. 94/96).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

A apelação comporta provimento.

Com efeito, foi apresentada a registro a escritura pública de venda e compra (Livro 6891, página 061), lavrada perante o 9º Tabelião de Notas da Comarca da Capital.

Examinada, foi qualificada negativa nos termos da nota devolutiva de fl. 15.

Em referido ato notarial os proprietários compareceram como vendedores com as seguintes qualificações: Armando Monteiro de Sequeira Junior, portador do RNE – W – 506558-Z e sua mulher Olívia de Miranda Sequeira; Maria Emília Gomes Ameixieira, viúva, portadora do RNE – W – 225676-6; Rosana da Conceição Ameixieira de Godoy, portadora do RG 13.862.961 e assistida de seu marido Ailton Antônio de Godoy, com quem é casada no regime da comunhão parcial de bens; e Leonel da Silva Ameixieira Filho, solteiro, maior, RG 21.271.422.

Da matrícula n.º 142.520, por seu turno, constam como proprietários: Armando Monteiro de Sequeira Junior, português, casado, RG 1.630.840-SP (1/2); Maria Emília Gomes Ameixieira, portuguesa, viúva, RG 2.280.524-SP (1/4); Rosana da Conceição Gomes Ameixieira, solteira, RG 13.362.901-SP (1/8); Leonel da Silva Ameixieira Filho, solteiro (1/8).

Ofertada a nota devolutiva de fl. 15, informou o 18º Registrador de Imóveis da Capital a fl. 40/42 que, cumpridas algumas das exigências, o título foi reapresentado no dia 04 de maio de 2020; recepcionado e prenotado sob o n.º 781.732, persistindo, contudo, a necessidade de apresentação de cópia do RNE do titular de domínio, Armando Monteiro de Sequeira Junior.

A recusa do registrador funda-se, in casu, no princípio da especialidade subjetiva, cuja finalidade é identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis, tornando-o inconfundível com qualquer outra pessoa.

Ao Oficial Registrador cabe a qualificação dos títulos que lhes são apresentados para evitar a prática de atos atentatórios aos princípios básicos do direito registral ou que tornem insegura e não concatenada a escrituração.

Nesta ordem de ideias, a falta da qualificação do vendedor violaria o princípio da segurança jurídica que norteia os atos registrários, uma vez que gera a ocorrência de dúvida em relação à real identidade deles.

Contudo, há hipóteses excepcionais que comportam o abrandamento de referido princípio.

No caso, conquanto da escritura pública levada a registro tenha constado que Armando Monteiro de Sequeira Junior era portador do RNE W 506558-Z e da matrícula tenha constado ostentar o RG n.º 1.630.840-SP, o que possivelmente se justifica em face da opção pela Convenção de Igualdade entre Brasil e Portugal, certo é que tanto de uma quanto de outra constou o mesmo número de CPF, suficiente, pois, a identificar o vendedor do imóvel.

Ademais, incerteza não há quanto ao estado civil de Armando Monteiro de Sequeira Junior bem porque, consoante informado pelo próprio registrador (fl. 40/42), após nova prenotação do título, remanesceu apenas a divergência quanto ao documento de identidade do mesmo.

E a impossibilidade de obtenção do RNE do vendedor veio justificada pela recorrente ao aduzir que não o localizou no 9º Tabelião de Notas da Capital e tampouco lhe foi facultada cópia na Polícia Federal sem ordem judicial.

Assim, diante da suficiência de elementos aptos a identificação de Armando e a ausência de prejuízos a terceiros, de rigor a mitigação do princípio da especialidade subjetiva, afastando-se, pois, o óbice ofertado.

É, neste sentido, o entendimento do C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Promitente vendedor falecido – CPF/MF inexistente – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pela apresentante – Princípio da segurança jurídica – Princípio da razoabilidade – Dúvida improcedente – Recurso provido.” (Apelação n° 0039080-79.2011.8.26.0100, CSM, rel. Des. José Renato Nalini, 20/09/2012).

“(…) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade, é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva, dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido e consta da matrícula do imóvel (RG n.º 75.149 – mod. 19 – fls. 07), em sintonia com a carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença: a garantia registaria é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja consistência jurídica supera o formalismo (…)”.

3. Por essas razões, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida inversa e afastar o óbice registrário.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 06.07.2021 – SP)