CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de bens imóveis com valores distintos e torna – Negócio jurídico oneroso – ITBI recolhido – Inexistência de fato gerador do ITCMD – Exigência de comprovação do pagamento do imposto estadual afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1099753-06.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes RENATO MUNHÓS DE CARVALHO e WILSON BARBOZA DE OLIVEIRA JUNIOR, é apelado 4° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 26 de agosto de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1099753-06.2020.8.26.0100

Apelantes: Renato Munhós de Carvalho e Wilson Barboza de Oliveira Junior

Apelado: 4° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.539

Registro de Imóveis – Escritura pública de permuta de bens imóveis com valores distintos e torna – Negócio jurídico oneroso – ITBI recolhido – Inexistência de fato gerador do ITCMD – Exigência de comprovação do pagamento do imposto estadual afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Renato Munhós de Carvalho Wilson Barboza de Oliveira Junior contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que manteve a negativa de registro da escritura pública de permuta de bens imóveis em razão da não apresentação de prova da quitação do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações ITCMD (fl. 64/67).

Em suas razões, os recorrentes, em síntese, além da alegação de nulidade do procedimento de dúvida por ausência de cientificação de um dos apresentantes do título para a impugnação, afirmam que a permuta é um negócio jurídico oneroso e, como tal, devido apenas o Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” de bens imóveis, pouco importando que o valor atribuído a um dos imóveis negociado seja inferior ao seu valor venal de referência. A discrepância de valores é insuficiente para caracterizar a gratuidade inerente ao contrato de doação e assim justificar a incidência do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações ITCMD. Por isso, aguardam o acolhimento da pretensão recursal para afastar o óbice ao ingresso do título na tábua registral (fl. 77/96).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 121/125).

É o relatório.

De rigor o afastamento da alegação de nulidade do procedimento.

A ausência de cientificação de um dos apresentantes do título para a impugnação não maculou este procedimento de dúvida.

Vale registrar que o apresentante devidamente cientificado do prazo, que se fez representar pelo outro apresentante, advogado, nesta via recursal, sequer apresentou impugnação.

Ademais, o recurso de apelação contra a r. sentença foi interposto por ambos os interessados, permitindo o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Superado isso, no mérito recursal, a razão está com os recorrentes.

O registro da escritura pública de permuta de bens imóveis com torna foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução com o seguinte teor (fl. 10):

“Considerando a diferença entre os valores fiscais dos imóveis permutados, uma vez que o Conjunto 101 do Edifício Santos Dumont possui valor venal de referência de R$ 1.552.647,00 e a Sala para Escritório nº 806, do Edifício First Office Flat, o valor venal de R$ 354.522,00, e que o valor atribuído na permuta ao Conjunto 101 é muito inferior ao venal de referência, apresentar recolhimento do ITCMD, correspondente à diferença. Sobre esse entendimento cita-se decisão proferida no Processo n 1003262-68.2019.8.26.0100 da 1ª Vara de Registros Públicos.”

A questão, pois, cinge-se à exigência do recolhimento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações ITCMD.

De acordo com a escritura pública lavrada aos 14 de agosto de 2020, pelo 22º Tabelião de Notas desta Capital, os recorrentes permutaram os imóveis matriculados sob nºs 137.339 e 145.644, o primeiro com valor venal de referência de R$ 1.552.647,00 e o segundo com valor venal de referência de R$ 307.433,00 sendo atribuídos aos bens, para efeito da permuta, as quantias de R$ 660.000,00 e R$ 360.000,00, respectivamente, com torna de R$ 300.000,00 (fl. 27/36).

O Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” de bens imóveis ITBI foi recolhido nos importes de R$ 46.579,41 e R$ 10.800,00 (fl. 37/40).

Os recolhimentos observaram o maior valor entre o declarado e o venal de referência para cada um dos imóveis, quais sejam, R$ 1.552.647,00 e R$ 360.000,00.

A permuta de bens com valores desiguais atribuídos e contraprestação pecuniária, igualando-os, não deixa dúvida sobre o caráter oneroso do negócio a atrair a incidência do Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos” de bens imóveis ITBI.

Nos exatos termos da Lei Municipal nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991, que dispõe sobre o Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título por ato oneroso, de bens imóveis:

“Art.2º Estão compreendidos na incidência do imposto:

(…);

III – a permuta;

(…);”

Nelson Rosenvald ao discorrer sobre o contrato de permuta ou troca pontua que:

“Cuida-se de um contrato bilateral oneroso, pelo qual as partes transferem, reciprocamente, quaisquer objetos diversos do dinheiro de sua propriedade para a outra.

Assumem, pois, os permutantes ou tradentes, obrigações recíprocas, com sacrifícios e vantagens comuns, mesmo que, eventualmente, os bens tenham valores diversos (o que, aliás, acontecerá no mais das vezes).” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 573)

A discrepância entre o valor atribuído a um dos bens permutados e o seu valor venal de referência não descaracteriza a onerosidade do contrato celebrado, afastando assim a hipótese de incidência do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações ITCMD, prevista no art. 2º, II, da Lei Estadual nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000.

Também nas palavras de Nelson Rosenvald, ao conceituar o contrato de doação:

“A doação é uma relação jurídica (contrato) pela qual uma pessoa física ou jurídica (doador ou benfeitor) assume a obrigação de transferir um bem jurídico ou uma vantagem para o patrimônio de outra pessoa (donatário ou beneficiário), decorrente de sua própria vontade e sem qualquer contraprestação.” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 579)

Portanto, não há como condicionar a inscrição do título ao recolhimento deste tributo.

O dever de fiscalização do Oficial de Registro pressupõe o recolhimento de impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados, em razão do seu ofício, conforme o disposto no art. 289 da Lei de Registros Públicos.

Por todo o exposto, pelo meu voto, afastada a alegação de nulidade do procedimento, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida, determinando o ingresso do título no fólio real.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 12.11.2021 – SP)