CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de promessa de compra e venda de unidade imobiliária – Impossibilidade do registro com efeito translativo da propriedade, ainda que quitado o preço – Necessidade de escritura pública definitiva – Inteligência dos arts. 108, 1.245. 1.417 e 1.418 do Código Civil – Aplicação do art. 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79 que se restringe a loteamentos – Óbice mantido – Dúvida procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007897-24.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JULIA MOHOVIC, é apelado 18º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 30 de julho de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1007897-24.2021.8.26.0100

Apelante: Julia Mohovic

Apelado: 18º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.530

Registro de Imóveis – Escritura pública de promessa de compra e venda de unidade imobiliária – Impossibilidade do registro com efeito translativo da propriedade, ainda que quitado o preço – Necessidade de escritura pública definitiva – Inteligência dos arts. 108, 1.245. 1.417 e 1.418 do Código Civil – Aplicação do art. 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79 que se restringe a loteamentos – Óbice mantido – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por JULIA MOHOVIC contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 18º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que manteve a negativa de registro da escritura pública de promessa de compra e venda firmada por Gafisa S/A Julia Mohovic relativa ao imóvel matriculado sob nº 194.598 como título para a transmissão da propriedade (fl. 76/79).

Alega a apelante, em síntese, que a escritura pública de promessa de compra e venda quitada serve como título para a transmissão da propriedade, dispensada nova escritura pública definitiva. Para ancorar sua pretensão, socorre-se do disposto no art. 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79, o qual deve ser aplicado ao caso em tela promessa de compra e venda pactuada sob o regime jurídico da Lei nº 4.591/64 – diante da omissão legislativa, em prestígio à tutela do consumidor. Por isso, requer o provimento do recurso para julgar improcedente a dúvida, valendo como título para registro da propriedade a escritura pública de promessa de compra e venda quitada (fl. 85/97).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 114/117).

É o relatório.

Pretende a recorrente o registro da escritura pública de promessa de compra e venda quitada não com efeito de direito real de aquisição (art. 1.417 do Código Civil), mas sim como sucedâneo de título translativo de propriedade de acordo com o art. 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79.

O contrato de promessa de compra e venda de unidade futura integrante de incorporação imobiliária foi celebrado por instrumento público e o pagamento do preço de R$135.279,60 efetivado à vista (fl. 42/57).

Ainda assim, o título não é hábil à transferência do domínio.

Como regra, a promessa de compra e venda firmada por instrumento público ou particular, sem cláusula de arrependimento, registrada no Cartório de Registro de Imóveis, atribui ao promitente comprador direito real à aquisição do imóvel, oponível a terceiros (arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil).

Direito real de aquisição que não se confunde com o direito de propriedade.

Logo, a promessa de compra e venda mesmo que já saldado o seu preço não constitui título hábil à transferência do domínio do imóvel, sendo indispensável a celebração do contrato definitivo e seu registro posterior, nos termos dos arts. 108 e 1.245 do Código Civil.

No contrato preliminar – como a promessa de compra e venda – ainda que concentrada a maioria da carga negocial, o seu objeto é a outorga da escritura definitiva.

Inclusive, no caso concreto, em que pese o pagamento do preço à vista, as partes comprometeram-se a finalizar, a posteriori, o contrato de compra e venda, mediante futura outorga de escritura definitiva (cláusula 3.4).

Não se olvida que o pacto em questão foi celebrado sob o regime jurídico da Lei nº 4.591/64, o qual submete-se ao regramento estatuído para as promessas de compra e venda reguladas pelo Código Civil, observadas as peculiaridades da lei de regência que também deixa bem claro que o único direito conferido ao promitente comprador que se acautelou e levou a registro o seu contrato é o direito real (art. 32, § 2º, da Lei de Incorporação Imobiliária).

À evidência, a hipótese em testilha não se ajusta àquela preconizada no art. 26, § 6º, da Lei nº 6.766/79, in verbis:

“§ 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.”

Apenas o compromisso de compra e venda de lote urbano, firmado entre o loteador e o adquirente, quando acompanhado da prova de quitação do preço, serve como título para a transmissão da propriedade imobiliária perante o Cartório de Registro de Imóveis, dispensando a lavratura de escritura pública, independentemente do valor do negócio ou do imóvel.

Trata-se, pois, de exceção à regra geral e, como tal, sua interpretação deve se dar no contexto da legislação em que prevista.

Outra não é a conclusão de Francisco Eduardo Loureiro, que aponta:

“Embora defenda José Osório de Azevedo Júnior a tese da possibilidade da dispensa da escritura definitiva, substituída pelo compromisso acompanhado de prova de quitação, tal conclusão implica violação ao disposto no art. 108 do CC (‘O compromisso de compra e venda’. In: FRANCIULLI NETO, Domingos (coord.), MENDES, Gilmar Ferreira & MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O novo Código Civil: estudos em homenagem ao prof. Miguel Reale. São Paulo, LTr, 2003, p.450).

Não pode prevalecer, portanto, o Enunciado n. 87 do Centro de Estudos Judiciários do CJF, por ocasião da Jornada de Direito Civil realizada entre 11 e 13 de setembro de 2002, cujo teor é o seguinte: ‘Considera-se também título translativo, para fins do art. 1.245 do CC, a promessa de compra e venda devidamente quitada (arts. 1.417 e 1.418 do CC e § 6°do art. 26 da Lei n. 6.766/79)” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 14ª ed., São Paulo: Manole, 2020, p. 1.497).

No mesmo sentido, a apelação nº 1036475-31.2020.8.26.0100 de minha relatoria:

Apelação – Dúvida – Recusa a transmissão da propriedade – Termo de quitação de compromisso de venda e compra que não constitui título translativo do domínio – Necessidade de título hábil Inteligência do art. 1.417 do Código Civil – Promitente comprador que adquire direito à aquisição do imóvel – Aplicação restrita do art. 26, §6º, da Lei nº 6.766/79 aos casos em que o compromisso de venda e compra foi celebrado pelo próprio loteador – Inteligência do art. 167, II, item 32 da Lei de Registros Públicos para fins específicos – Desprovimento do recurso.”

O título apresentado a registro não é apto a transferir o domínio à recorrente, portanto.

Por todo o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 20.10.2021)