CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de divórcio e partilha de bens – Excesso de meação na partilha – Transmissão não onerosa de bem imóvel – Doação configurada – ITCMD recolhido – Inexistência de fato gerador do ITBI – Exigência de comprovação do recolhimento do imposto municipal afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1112232-31.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SIGRID SIQUEIRA PESSANHA, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 16 de junho de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1112232-31.2020.8.26.0100

Apelante: Sigrid Siqueira Pessanha

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.523

Registro de Imóveis – Escritura pública de divórcio e partilha de bens – Excesso de meação na partilha – Transmissão não onerosa de bem imóvel – Doação configurada – ITCMD recolhido – Inexistência de fato gerador do ITBI – Exigência de comprovação do recolhimento do imposto municipal afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título.

Trata-se de recurso de apelação interposto por SIGRID SIQUEIRA PESSANHA contra a sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Décimo Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que julgou prejudicada a dúvida suscitada diante da recusa ao registro da escritura pública de divórcio consensual, seu aditamento e partilha de Sigrid Siqueira Pessanha e Diego Nascimento Correia (fl. 46/50).

Alega a apelante, em síntese, que a dúvida não está prejudicada, pois os óbices ao registro da escritura pública admitidos como corretos (itens 1, 2 e 4 da nota de devolução) foram cumpridos antes de desencadeado o procedimento de dúvida, deixando para o debate exclusivamente o atinente ao imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI (item 3 da nota de devolução). A exigência de pagamento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI é indevida, porquanto não constitui fato gerador do tributo o excedente da meação, sem compensação pecuniária, em partilha do patrimônio de cônjuges, sendo exigido apenas o imposto de transmissão “causa mortis” e doação de quaisquer bens e direitos ITCMD, o que foi recolhido. Por isso, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para julgar improcedente a dúvida, determinando o registro do título independentemente do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI (fl. 56/67).

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento parcial do recurso (fl. 85/87).

É o relatório.

O registro da escritura pública de divórcio consensual e respectivo aditamento e partilha foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução com o seguinte teor (fl. 30/32):

“1. Conforme se verifica do R.4/133.267, o imóvel foi adquirido por SIGRID SIQUEIRA PESSANHA e DIEGO NASCIMENTO CORREIA qualificado com o RG nº 43.510.613-4 SSP-SP, tal como constou do título aquisitivo e diversamente do que consta da escritura de divórcio e partilha ora apresentada, na qual está qualificado como portador da cédula de identidade RG nº 43.510.631-4 SSP/SP. (…)

2. Conforme ainda se verifica, o imóvel acha-se alienado fiduciariamente ao ITÁU UNIBANCO S/A (R.5/133.267). Portanto, o credor fiduciário deverá figurar como anuente. (Art. 29 da Lei 9.514/97).

3. A Lei Municipal nº 11.154/1991 e o anexo único do Decreto Municipal nº 55.196/2014) dispõem que:

“Art. 2 Estão compreendidos na incidência do Imposto:

VI o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerados, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”. (Grifo nosso).

No caso concreto, considerando apenas o bem imóvel do casal avaliado em R$250.989,00, o valor da meação cabente a cada ex-cônjuge é de R$125.494,50.

Portanto, conforme já decidido pela 1 Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo-SP, nos autos de Suscitação de Dúvida, processo nº 1043473-49.2019.8.26.0100 (sentença anexa), há necessidade de apresentação de guia e comprovante de recolhimento do ITBI-IV decorrente da partilha do imóvel objeto da matrícula nº 133.267, calculado sobre o valor do imóvel, mediante aplicação do percentual de 50%.

4. Apresentar certidão de casamento atualizada (se cópia, autenticada) de DIEGO NASCIMENTO CORREIA e VÂNIA MARIA FERREIRA CORREIA, para que possa ser efetuada a necessária averbação do casamento na matrícula nº 133.267, em respeito ao princípio da continuidade subjetiva, nos termos do art. 246, 1, da Lei n. 6.015/73”.

Cumpridas as exigências elencadas nos itens 1, 2 e 4 da nota devolutiva, tal como consignado pelo Registrador ao suscitar a dúvida, o único óbice impugnado é o descrito no item 3 relativo ao imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI.

Logo, a dúvida não está prejudicada, pois, eventualmente afastada a exigência questionada, o título ingressará no fólio real.

A controvérsia cinge-se à possibilidade ou não de ser exigido o comprovante de recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis – ITBI para o acesso do título no ofício de registro de imóveis.

Segundo os termos do art. 156, II, da Constituição Federal, o fato gerador do ITBI é a “transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

Analisada a escritura pública de divórcio consensual e seu aditamento e partilha (fl.15/24), verifica-se que o patrimônio imobiliário partilhado era composto apenas pelos direitos de fiduciante sobre o imóvel objeto da matrícula nº 133.267 avaliados em R$ 250.989,00, os quais foram atribuídos com exclusividade à mulher, ao passo que o único bem móvel (veículo) estimado em R$ 51.695,00 ficou pertencendo ao homem.

Somados os referidos valores, o patrimônio total partilhado atingiu a cifra de R$ 302.684,00, constatando-se o excesso de meação em prol da mulher no importe de R$ 99.647,00.

Sobre o excesso de meação, a escritura pública dispõe que “é transmitido do Primeiro Divorciado à Segunda Divorciada a título gratuito em caráter puro e simples, sem cláusulas ou restrições” (fl. 21).

Na hipótese, a atribuição de valor superior à meação a um dos cônjuges, ainda que considerado tão somente o valor dos direitos de fiduciante, não configurou ato oneroso, mas sim doação.

A entrega de valor superior à meação, sem a respectiva torna ou contraprestação, não tem o condão de ensejar o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis – ITBI, pois caracteriza doação, sendo devido apenas o imposto de transmissão “causa mortis” e doação de quaisquer bens e direitos – ITCMD, o que foi recolhido (fl. 25 e 27).

Portanto, não realizado o fato gerador a justificar a incidência do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis – ITBI, não há como condicionar a inscrição do título ao recolhimento deste tributo.

O dever de fiscalização do Oficial de Registro pressupõe o recolhimento de impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados, em razão do seu ofício, nos termos do art. 289 da Lei de Registros Públicos.

Por todo o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida, determinado o ingresso do título no fólio real.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

(DJe de 13.09.2021 – SP)