CSM|SP: Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida – Negativa de registro de formal de partilha expedido em inventário – Ausência de menção à meação do cônjuge supérstite – Acerto do óbice registrário – Meação que integra a comunhão – Indivisibilidade – Necessidade de partilha – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003428-85.2020.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que são apelantes DRAUZIO DE CAMPOS BATISTA, DRAUZIO DE CAMPOS BATISTA JUNIOR, KLECIUS DE MACEDO BATISTA, VANESSA MACEDO BATISTA FIORELLI e VINICIUS DE MACEDO BATISTA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 25 de março de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1003428-85.2020.8.26.0223

Apelantes: Drauzio de Campos Batista, Drauzio de Campos Batista Junior, Klecius de Macedo Batista, Vanessa Macedo Batista Fiorelli e Vinicius de Macedo Batista

Apelado: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ

VOTO Nº 31.479

Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida – Negativa de registro de formal de partilha expedido em inventário – Ausência de menção à meação do cônjuge supérstite – Acerto do óbice registrário – Meação que integra a comunhão – Indivisibilidade – Necessidade de partilha – Recurso não provido.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por DRAUZIO DE CAMPOS BATISTA, DRAUZIO DE CAMPOSBATISTA JUNIOR, KLECIUS DE MACEDO BATISTA,VANESSA MACEDO BATISTA FIORELLI e VINICIUS DE MACEDO BATISTA contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarujá que recusou o registro do Formal de Partilha expedido aos 29 de junho de 2015 pelo Juízo de Direito da 4ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional II, Santo Amaro, extraído dos autos do processo n.º 1016151-33.2014.6.26.0002 da ação de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Odette Sonia de Macedo Batista.

Em suma, a Nota de Exigência de fl. 18 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“Prenotação n.º 412.166. 1) Deixamos de proceder o registro da presente partilha, uma vez que a totalidade do imóvel deve ser avaliada e levada a colação, com o pagamento da meação e respectivos quinhões, e não apenas 50% do imóvel como constou. Aditar. Fundamento: (Apelação Cível n.º 63.971-0/1, São Paulo, Capital 28/10/1999; Apelação Cível n.º 62.986-0/2, Araraquara-SP)”.

Sustentam, em síntese, os recorrentes que a sentença que homologou a partilha nos autos do inventário transitou em julgado, não cabendo ao oficial adentrar no mérito da decisão e tampouco discutir os termos da partilha.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 277/279).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito o recurso não merece provimento.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

A redação do item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, por seu turno, é expressa acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis de qualificar negativamente o título que não preencha os requisitos legais, in verbis:

“117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

Fixadas, pois, estas premissa, razão não assiste aos recorrentes.

Pretendem os apelantes o registro do formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de Odette Sonia de Macedo Batista, ocorrido em 17 de fevereiro de 2014.

Na petição de partilha não há menção à meação do cônjuge sobrevivente, constando apenas pagamento aos herdeiros necessários, nos seguintes termos:

“Como o regime de bens do casal era o de comunhão universal de bens será transmitido aos filhos 50 (cinquenta pro cento) dos bens relacionados nesta peça processual”.

O documento a fl. 64 demonstra que o apelante Drauzio de Campos Batista e a falecida casaram-se em 07 de maio de 1966, sob o regime da comunhão universal de bens.

A meação do cônjuge supérstite integra a comunhão instituída pelo casamento, que é indivisível, somente perdendo esta característica com a partilha pela separação ou divórcio, ou ainda a partilha pela sucessão causa mortis.

Consoante nos ensina Maria Berenice Dias:

“Quer no casamento, quer na união estável, quando o regime do casamento prevê a comunhão do patrimônio adquirido durante o período de convívio, os bens pertencem a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los. Cada um é titular da metade e tem direito à meação de cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome de mancomunhão, expressão corrente na doutrina, que, no entanto, não dispõe de previsão legal.

É o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Nada mais significa do que propriedade em “mão comum”, ou seja, pertencente a ambos os cônjuges ou companheiros. Tal figura distingue-se do condomínio: quando o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observada a preferência do outro (CC 1.314 e seguintes). O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão (e o respectivo registro) de partes ideais pelos antigos cônjuges por razões de duas ordens: (i) ausência de partilha, o que impossibilita o conhecimento acerca da atribuição da titularidade da propriedade e (ii) violação do princípio da continuidade por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade a falta da extinção da mancomunhão que não tem natureza jurídica de condomínio” (Manual das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, e-book, 2017).

Em comentário ao art. 993, IV, do Código de Processo Civil, preleciona THEOTÔNIO NEGRÃO:

“Os bens pertencentes ao “de cujus” em comunhão com o seu cônjuge devem ser relacionados integralmente, e não apenas a parte ideal que lhe pertencia” (Código Processual Civil e legislação processual civil em vigor, 37a. ed., São Paulo : Saraiva, 2005, p. 949).

Em suma, o patrimônio adquirido pelo casal na constância do casamento ou mesmo antes, observado o regime da comunhão universal de bens, pertence em sua totalidade a ambos os cônjuges, sendo que ao inventário deve ser levado o todo para apuração da parte pertencente a cada um deles com a extinção da comunhão.

A necessidade de constar do plano de partilha a meação do cônjuge supérstite também consta do então vigente art. 1.023 do Código de Processo Civil, atual art. 651:

“Art. 1.023. O partidor organizará o esboço da partilha de acordo com a decisão, observando nos pagamentos a seguinte ordem:

I – dívidas atendidas;

II – meação do cônjuge;

III – meação disponível;

IV – quinhões hereditários, a começar pelo coherdeiro mais velho.”

No ponto, cumpre destacar trecho da Apelação Cível n.º 764-6/8 cujo relator foi o Exmo. Sr. Des. Gilberto Passos de Freitas, então Corregedor Geral da Justiça:

“Não se discute que meação de cônjuge não se enquadra no conceito legal de herança (e, por isso, não havendo transmissão, seu valor não deve ser considerado na base de cálculo de tributo); mas isso não significa que deva ser desprezada na partilha.

Ao contrário, justamente porque a situação é de massa indivisa, que abrange a comunhão decorrente do casamento e a herança gerada pela sucessão “mortis causa”, que se extrema apenas com a partilha, não há como deixar de incluir a integridade do bem, e não apenas sua metade ideal, na partilha, que deve prever não só o pagamento do quinhão da herdeira, mas também a atribuição da parte que couber à viúva-meeira.

Diversos são, aliás, os precedentes do Conselho Superior da Magistratura neste sentido, deles destacando-se não só a verdade de que “a comunhão decorrente do casamento é pro indiviso'” (CSM, Ap. Civ. nº 404-6/6, rel. JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE) – e, por isso, a meação da cônjuge sobrevivente “só se extremará com a partilha” (CSM, Ap. Civ nºs 404-6/6, rel. JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE e 17.289-0/7, rel. JOSÉ ALBERTO WEISS DE ANDRADE) -, mas também a conseqüência lógica de que, até a partilha integral, “permanece a indivisão” (CSM, Ap.Civ. nº 15.305, rel. DÍNIO DE SANTIS GARCIA).”

Neste sentido vale lembrar, também, a lição de Afrânio de Carvalho:

“Não importa que, em se tratando de cônjuge sobrevivente casado no regime da comunhão de bens, metade do imóvel já lhe pertença desde o casamento, porque o título reúne essa parte ideal, societária, com a outra, sucessória, para recompor a unidade real do “de cujus”. A partilha abrange todo o patrimônio do morto e todos os interessados, desdobrando-se em duas partes, a societária e a sucessória, embora o seu sentido se restrinja por vezes à segunda. Por isso, dá em pagamento ao cônjuge sobrevivente ambas as metades que lhe caibam, observando dessa maneira o sentido global a operação, expressa na ordem de pagamento preceituado para o seu esboço, a qual enumera, em segundo lugar, depois das dívidas, a meação do cônjuge e, em seguida, a meação do falecido que, na hipótese, passa também ao cônjuge” (Registro de Imóveis, Forense, 3ª Ed., RJ 1982, pág. 281).

3. Por essas razões, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 09.06.2021 – SP)