CSM|SP: Registro de imóveis – Apelação – Dúvida – Negativa de registro de escritura pública de permuta – Cindibilidade do título permitida – Imóveis situados na mesma circunscrição imobiliária – Precedentes do CSM – Art. 187 da LRP que não exige a efetivação de todos os registros mas apenas traz técnica de inscrição no protocolo – Recurso a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1008124-45.2019.8.26.0565, da Comarca de São Caetano do Sul, em que é apelante DJANIRA LASELVA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO CAETANO DO SUL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para permitir o registro da escritura de permuta somente em relação aos imóveis matriculados sob os nºs 36.417, 36.440, 36.441 e 36.470, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 11 de fevereiro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n.º 1008124-45.2019.8.26.0565

Apelante: Djanira Laselva

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Caetano do Sul

VOTO N.º 31.456

Registro de imóveis – Apelação – Dúvida – Negativa de registro de escritura pública de permuta – Cindibilidade do título permitida – Imóveis situados na mesma circunscrição imobiliária – Precedentes do CSM – Art. 187 da LRP que não exige a efetivação de todos os registros mas apenas traz técnica de inscrição no protocolo – Recurso a que se dá provimento.

1. Cuida-se de recurso de Apelação interposto por Djanira Laselva em face da r. sentença de fl. 70/71 de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Caetano do Sul, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando acesso de escritura de permuta ao registro imobiliário.

Da nota devolutiva de fl. 16, que qualificou negativamente o título, constaram as seguintes exigências:

“1) Aditar a escritura para constar que o box 26/28 duplo descrito no item 2 (dois) da escritura possui uma área útil de 36,56m² e não 35,56m² como constou.

2) Apresentar o comprovante original ou cópia autenticada do recolhimento do ITBI em nome de Grafos Administração de Bens Eireli.

3) Fica indeferido o requerimento de cindibilidade do título em face do disposto no art. 187 da LRP que, no caso de imóveis pertencentes à mesma circunscrição imobiliária, os registros serão feitos nas matrículas correspondentes sob um único protocolo.

Fundamento legal: Decisão do CSM de 04/06/1996 na Apel. Cível 30109-0/2 de Ubatuba-SP”.

Em suas razões a apelante sustenta, em suma, a possibilidade de cindibilidade do título levado a registro, observando que o princípio da incindibilidade, construído sob a égide do anterior sistema registral, não mais vigora e, neste sentido, já se posicionou o C. Conselho Superior da Magistratura. Acrescentou, ainda, que pessoa jurídica permutante não procedeu com o registro do seu imóvel por não dispor, atualmente, de recursos financeiros para tal fim.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fl. 116/119).

É o relatório.

2. Cuida-se de dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Caetano do Sul, o qual negou acesso ao registro imobiliário de escritura pública de permuta lavrada perante o Terceiro Tabelionato de Notas da Comarca em 17/9/2019, firmada pela apelante e GRAFOS ADMINISTRAÇÃO DE BENS EIRELI, com fulcro no art. 187 da Lei de Registros Públicos.

Por meio de referido ato notarial foram permutados os imóveis objetos das matrículas n.os 9.986, 9.987, 9.988, 36.417, 36.440, 36.441 e 36.470, todos do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Caetano do Sul.

Pretende, pois, a recorrente a cindibilidade do título, levando-se a registro apenas no que concerne às matrículas n.os 36.417, 36.440, 36.441 e 36.470.

De proêmio, cumpre consignar que, conquanto haja aparente insurgência parcial em relação aos óbices ofertados pelo I. Registrador, com suposta impugnação da recorrente apenas em face do item “3” da nota devolutiva de fl. 16, certo é que houve, por parte da apelante, cumprimento ao item “1” de referida nota, além de haver insurgência indireta em relação ao item “2”, o qual está intimamente ligado ao item “3” da citada nota.

Dito isso, a apelação merece provimento.

O princípio registral da parcelaridade ou cindibilidade do título significa a possibilidade de cisão do título apresentado a registro, de modo a aproveitar ou extrair determinados elementos aptos a ingressar de imediato no fólio real, e desconsiderar outros cujo registro esteja obstado ou dependa de providências adicionais. [1]

É sabido que, em algumas hipóteses, este Conselho Superior da Magistratura tem admitido a cindibilidade do título, autorizando que dele sejam extraídos elementos que poderão ingressar de imediato no fólio real, desconsiderando os demais que demandem providências outras.

E tal entendimento se coaduna com o atual modelo inscritivo, instituído pela Lei n.º 6.015/73, moldado em torno da figura da matrícula, passando, pois, o foco ao próprio imóvel e às mutações jurídicas por este suportadas, em substituição ao antigo sistema de transcrições em que o título era literal e integralmente transcrito no fólio registral, não se cogitando de registro parcial ou cindibilidade do título.

No ponto, vale destacar trecho da fundamentação lançada na Ap. Cív. n.º 5.599-0, de relatoria do Des. Sylvio do Amaral:

“O atual sistema registrário imobiliário, fundado no ato básico de cadastramento físico, já não admite o principio pretoriano da incidibilidade dos títulos. O sistema anterior, em que não existia transcrição do imóvel, é que justificativa o princípio. Hoje, o ato básico do registro imobiliário não é a reprodução textual dos instrumentos. Estes passaram a ser meio e não mais objeto de um ato reflexivo ou transcritivo” (Ap. Cív. n. 2003-0, Itapecerica da Serra, 13.6.83; Ap. Cív. n. 2.177-0, Ribeirão Preto, mesma data, Relator: Des. Affonso de André; Embargos de Declaração n. 3.034-0, 6.8.84, Des. Nogueira Garcez; Ap. Cív. n. 5.599-0, Franco da Rocha, 19.5.86, Des. Sylvio do Amaral).

E, consoante dispõe o art. 187 da Lei n.º 6.015/73:

“Art. 187. Em caso de permuta, e pertencendo os imóveis à mesma circunscrição, serão feitos os registros nas matrículas correspondentes, sob um único número de ordem no Protocolo”. Redação semelhante consta do item 36 do Capítulo XX das NSCGJ:

“Em caso de permuta, e pertencendo os imóveis à mesma circunscrição, serão feitos os registros nas matrículas correspondentes, sob um único número de ordem no Protocolo, ainda que apresentado título em mais de uma via”.

Contudo, em julgamento recente, reconheceu-se a possibilidade de cindibilidade da escritura de permuta a permitir o registro da transmissão do domínio em relação a um dos imóveis permutados, ainda que localizados na mesma circunscrição (CSM, apelação 1004930-06.2015.8.26.0362, julgado em 22 de novembro de 2016, Voto vencedor Des. Ricardo Dip).

Do corpo de referido julgado extrai-se que:

“O art. 187 da Lei n. 6.015/1973 – a que acena o digno Registrador suscitante não impõe, em caso de permuta (art. 533 do Cód. Civ.), a disjuntiva de que ou se registrem os fatos inscritíveis todos, ou nenhuma inscrição se faça.

Essa regra, com efeito, trata tão-somente da técnica que se há de adotar para a inscrição no protocolo (Livro n. 1), quando em cartório se apresentar um título formal que contenha negócio jurídico de escambo de dois ou mais imóveis permutados que se situem na mesma circunscrição imobiliária .

Neste caso – diz o art. 187 -, conquanto se hajam de fazer, ex hypothesi, dois ou mais registros stricto sensu (n. 30 do inc. I do art. 167 da Lei de Registros Públicos), basta que se faça um só lançamento no Protocolo (i.e., uma só prenotação).

E mais que isso o art. 187 não diz, porque, simplificando-se, com a Lei de 1973, o que antes determinava o art. 203 do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939 (a saber:

‘na permuta haverá duas transcrições com referências recíprocas e números de ordem seguidos no protocolo e no livro de transcrição, sendo também distintas e com referências recíprocas as indicações no indicador real’ – os destaques não são do original), não se reproduziu no novo diploma, entretanto, o que constava no parágrafo único do art. 211 do antigo Regulamento, regra esta – ela sim – que permitia concluir pela obrigatoriedade de fazerem-se todos os registros (à época, transcrições) ou nenhum deles, por abrir exceção ao princípio da instância inclusive (verbis: ‘Em caso de permuta, serão, pelo menos, três os exemplares, sendo a transcrição feita obrigatoriamente em todos os imóveis permutados, ainda que só um dos interessados promova o registo’ – de novo, o realce não é do original).

Não se ignora que tradicional e prestigiosa corrente doutrinária e jurisprudencial vem dando ao mencionado art. 187 interpretação segundo a qual, tratando-se de imóveis localizados sob a atribuição de um mesmo ofício de registro, seria obrigatória a registração de todos os fatos inscritíveis (: os títulos de transmissão do domínio de todos os imóveis permutados).

Todavia, esse entendimento, de par com não seguir ad amussim o texto legal, tem ainda o inconveniente de, criando uma dificuldade onde ela não existe (pois, repita-se, a feitura de todos os registros não está imposta no art. 187, ainda quando os imóveis estejam todos na mesma circunscrição), deixar sem solução o caso de os bens se localizarem em circunscrições distintas (dentro da mesma comarca, ou de comarcas diversas, ou de Estados-membros diferentes, ou mesmo e ainda de vários países). Assim, não impondo a lei nenhum meio ou procedimento para controlar a lavratura dos registros que não forem, todos, da atribuição de um mesmo ofício de imóveis, não aparenta possa este Conselho – ao qual não se atribuiu competência normativa, sequer diretiva – expedir uma solução técnico-normativa que o próprio legislador preferiu não desfiar”.

A interpretação dada é, pois, no sentido de que o art. 187 da Lei n.º 6.015/73 estabeleceu regra técnica para a inscrição no protocolo e não exige a efetivação de todos os registros, nem mesmo quando todos os imóveis estejam localizados na mesma circunscrição.

É, nesta linha, também, a lição de ADEMAR FIORANELLI:

“Já tivemos a oportunidade de manifestar pensamento favorável à cindibilidade da escritura de permuta, na impossibilidade do registro de um dos imóveis, ainda mais quando por expressa autorização dos permutantes, em artigo publicado no Jornal Novos Tempos, Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo, 1995, nº 9, no sentido de que ‘no caso de permuta, malgrado o disposto no art. 187, da Lei nº 6.015/73, nada obsta o registro do título em relação a um dos imóveis permutados, que recebeu qualificação positiva. Não seria lógico que um dos outorgantes-permutantes, para usar de seu direito, venha a suportar as despesas com o registro de todos os imóveis, não podendo ser descartada a possibilidade de que o título, em relação aos demais imóveis, tenha problemas de ordem formal que impossibilitem seu registro, ou mesmo estarem situados em outros Municípios ou Comarcas.’ […] Pensamos que não se pode criar, ao nosso juízo, uma regra que só valha quando os imóveis objetos da permuta estejam subordinados à mesma Circunscrição Imobiliária, mas que não tenha o mesmo valor quando os imóveis estiverem situados em circunscrições ou Comarcas diversas. É possível, portanto, sustentar a cindibilidade do título, como acima fizemos, sempre respeitando fundamentos e opiniões contrários” (A cindibilidade dos títulos. Exemplos práticos. In: Direito Notarial e Registral. Homenagem às Varas de Registros Públicos da comarca de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016, pp. 409-413).

3. Ante o exposto, dou provimento à Apelação para permitir o registro da escritura de permuta somente em relação aos imóveis matriculados sob os n.os 36.417, 36.440, 36.441 e 36.470 do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Caetano do Sul.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota: [1] L. G. Loureiro, Registros Públicos: teoria e prática, 8ª ed., Salvador, Juspodivm, 2017, p. 577.

(DJe de 26.05.2021 – SP)