CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Título notarial – Escritura de venda e compra – Vendedor casado no regime de comunhão universal de bens, e que recebeu o domínio a título de doação, com cláusula de incomunicabilidade – Necessidade de autorização de seu cônjuge – Hipótese que não cai em exceção ao disposto no Código Civil, art. 1.647, I – Óbice corretamente apontado – Apelação a que se nega provimento, mantendo-se a r. sentença como lançada.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001439-63.2020.8.26.0443, da Comarca de Piedade, em que é apelante WALTER APARECIDO GODINHO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIEDADE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 11 de março de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001439-63.2020.8.26.0443

Apelante: Walter Aparecido Godinho

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piedade

VOTO Nº 31.474

Registro de Imóveis – Dúvida – Título notarial – Escritura de venda e compra – Vendedor casado no regime de comunhão universal de bens, e que recebeu o domínio a título de doação, com cláusula de incomunicabilidade – Necessidade de autorização de seu cônjuge – Hipótese que não cai em exceção ao disposto no Código Civil, art. 1.647, I – Óbice corretamente apontado – Apelação a que se nega provimento, mantendo-se a r. sentença como lançada.

1. Trata-se de apelação (fl. 78/84) interposta por Walter Aparecido Godinho e Patrícia Aparecida Prestes de Oliveira Godinho contra a r. sentença (fl. 71/73) proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Piedade, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/03) e manteve a recusa (fl. 17/19) de registro stricto sensu de compra e venda (fl. 20/24) na matrícula n. 23.861 daquele cartório (fl. 35).

Segundo a r. sentença, o domínio em questão está gravado com cláusula de incomunicabilidade; ainda assim, considerando-se que o dono é casado, a venda depende de outorga uxória, que não houve; logo, o registro, tal como pretendido, não pode ser deferido, e é necessário manter a objeção do ofício de registro de imóveis.

Os apelantes afirmam que os arts. 1.667, 1.668 I, e 1.669 do Código Civil, ao excluir da comunhão os bens doados com cláusula de incomunicabilidade, permitem que sejam alienados sem outorga uxória, e por essa razão é necessário reformar-se a r. sentença e afastar-se o óbice, para permitir-se o registro almejado.

A ilustre Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 102/105).

É o relatório.

2. A r. sentença tem de ser mantida, em que pese aos bons fundamentos da apelação.

A letra do Código Civil é clara: sob pena de anulabilidade (art. 1.649, caput), um cônjuge não pode, sem a autorização do outro (art. 1.647, caput) ou o suprimento do juiz (art. 1.648), alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis, exceto no regime da separação absoluta (art. 1.647, I) ou da participação final dos aquestos, se houver convenção nesse sentido e o bem for particular (art. 1.656).

Logo, se o vendedor é casado no regime da comunhão universal, a outorga uxória é necessária ainda que o bem tenha sido havido, antes, por doação com cláusula de inalienabilidade (como, note-se a fl. 35, é o caso dos autos): o fato de o bem estar excetuado da comunhão universal (Cód. Civil, art. 1.668, I) não significa, de nenhum modo, que a sua alienação posterior escape à regra do art. 1.647, I para a qual, repita-se, a exceção está somente no regime da separação absoluta.

Como explica a doutrina:

“O art. 1.647 do Código Civil dispõe: ‘ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (…)”. Referido dispositivo trata da vênia conjugal, dispensando-a no regime de separação absoluta de bens.

“Mais adiante, no art. 1.656, o legislador também autorizou a dispensa da vênia conjugal no regime da participação final dos aquestos, desde que tal dispensa esteja convencionada no pacto antenupcial e o bem imóvel seja de natureza particular.

“Resta saber se cabe vênia conjugal para os atos de alienação e oneração de imóveis gravados com cláusula de incomunicabilidade. A resposta a esta indagação pode ser obtida pela própria interpretação literal dos dois dispositivos legais citados, ou seja, o legislador determinou a dispensa de autorização conjugal tão somente em relação aos dois regimes de bens, não a estendendo, portanto, aos bens gravados com cláusula de incomunicabilidade.

“Embora devesse também constar a dispensa de outorga conjugal para os bens gravados por cláusula de incomunicabilidade tendo em vista que o bem clausulado é de propriedade exclusiva de somente um dos cônjuges , conclui-se que a vênia conjugal para tais situações é indispensável, sob pena de anulabilidade do ato transmissivo ou de oneração do imóvel.” (Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari, Tratado Notarial e Registral Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.816) Recentemente, aliás, decidiu este Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel – Promitente vendedor casado no regime da comunhão parcial de bens – Imóvel decorrente de desmembramento de outro adquirido antes do casamento – Necessidade da anuência conjugal ou de suprimento judicial – Regra do art. 1.647, I, CC que não se vincula ao fato do imóvel alienado ser comum ou particular do cônjuge, mas sim à tutela da entidade familiar – Óbices apresentados pelo registrador mantidos – Recurso não provido.” (CSMSP, Apel. Cív. 1000050-19.2019.8.26.0236, j. 06/02/2020, DJe 01/04/2020)

Em suma: a autorização do outro cônjuge era realmente necessária e, faltando agora, impede a inscrição pretendida, como bem apontaram a r. sentença apelada e, antes dela, a nota devolutiva.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a r. sentença, como lançada.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 26.05.2021 – SP)